ABC e SBPC enviam carta a Lula em defesa da ciência como pilar da soberania nacional

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A  Academia Brasileira de Ciências (ABC) e a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) enviaram uma carta conjunta ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva intitulada “Em defesa da ciência brasileira como pilar da soberania nacional”, em 15 de outubro.

No documento, as entidades alertam para a fragilidade orçamentária do Sistema Nacional de Ciência e Tecnologia e propõem três eixos de ação imediata: a aprovação de um crédito suplementar emergencial para o CNPq, Capes e instituições federais; a recomposição e blindagem plurianual das dotações de CT&I; e a retirada da educação e da ciência do arcabouço fiscal.

Segundo o texto, “o país precisa dar um passo institucional decisivo: transformar o financiamento da ciência em política de Estado”. As entidades afirmam que sem universidades fortes, bolsas de pesquisa e investimento continuado, não há reindustrialização verde nem soberania tecnológica.

“Investir em ciência é investir na soberania do Brasil e no fortalecimento da democracia. É escolher ser protagonista, e não espectador, das grandes transformações do século XXI. É afirmar que o futuro se decide na escola, no laboratório e na pesquisa pública, onde nasce o conhecimento que emancipa, gera autonomia e constrói um desenvolvimento justo e sustentável, à altura do que o país merece”, concluem.

O documento foi acompanhado de uma solicitação de audiência com o presidente da República, para que as entidades possam apresentar e discutir, pessoalmente, evidências, propostas e contribuições à construção de uma política de Estado para a ciência, a educação e a inovação no Brasil.

Leia o texto na íntegra:

Excelentíssimo Senhor Presidente Luiz Inácio Lula da Silva

Presidência da República Federativa do Brasil

Brasília, DF

Ref.: Em defesa da ciência brasileira como pilar da soberania nacional

Excelentíssimo Senhor Presidente,

Nós, representantes da Academia Brasileira de Ciências (ABC) e da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), dirigimo-nos respeitosamente a Vossa Excelência para manifestar nossa posição sobre a atual situação do financiamento à ciência no Brasil.

Reconhecemos os avanços recentes na reconstrução da política de CT&I, o descontingenciamento do FNDCT e a retomada de programas nas universidades federais. Esses passos sinalizam reconstrução institucional, mas o sistema opera ainda em condições de fragilidade orçamentária e de instabilidade política.

Após um longo período de retração, entre 2016 e 2022, o orçamento da ciência e da educação foi reduzido em mais de 40% em termos reais, provocando a paralisação de laboratórios, fuga de cérebros e descontinuidade de programas estratégicos. A recomposição iniciada em 2023 representou um alívio, mas não uma reversão estrutural.

O CNPq e a Capes, pilares do fomento à pesquisa e à formação de novos cientistas, contam em 2025 com orçamento cerca de 35% inferior ao de 2015, e operam sob forte demanda reprimida: mais de 100 mil bolsas de mestrado, doutorado e pós-doutorado deixaram de ser concedidas neste período.

O mesmo ocorre nas universidades e institutos federais, que hoje dispõem de apenas 70% do custeio de 2019, enquanto enfrentam aumento de matrículas e custos operacionais. A situação é crítica também nas unidades de pesquisa vinculadas ao MCTI (como INPE, INPA, LNCC, IBICT, CBPF e Observatório Nacional), que relatam risco de interrupção de atividades essenciais, perda de equipes e colapso de séries históricas de dados — danos irreparáveis à soberania científica nacional.

O Brasil investe atualmente cerca de 1,2% do PIB em P&D, enquanto a média da OCDE é de 2,5% e países como Coreia do Sul e Alemanha superam 3%. A diferença revela o tamanho do desafio para que a ciência volte a ser motor de desenvolvimento, inovação e inclusão social.

O FNDCT, mesmo plenamente descontingenciado, não é suficiente para sustentar o sistema. Submetido ao teto fiscal e à disputa anual do orçamento, o Fundo permanece vulnerável às restrições de despesa primária e sem horizonte plurianual. Sem regras estáveis, o investimento público em CT&I segue sujeito à oscilação política, o que impede planejamento de longo prazo e afeta diretamente a capacidade nacional de inovar, formar talentos e responder a emergências — da saúde pública à transição energética.

O país precisa dar um passo institucional decisivo: transformar o financiamento da ciência em política de Estado. A recomposição do orçamento é apenas o ponto de partida. É urgente criar instrumentos permanentes de financiamento soberano, vinculados a missões estratégicas de impacto nacional.

A ciência e a educação não são despesas correntes: são investimentos produtivos com retorno garantido. Cada real investido em pesquisa e inovação retorna à sociedade multiplicado em forma de produtividade, empregos qualificados, redução de desigualdades e segurança nacional.

Estudos internacionais demonstram que o retorno médio de longo prazo de investimentos em P&D é de 20% ao ano, superior a qualquer outro tipo de gasto público. Ainda assim, o Brasil continua a tratar o investimento em ciência sob as mesmas regras de contenção fiscal aplicadas a despesas correntes — um erro conceitual e estratégico.

É preciso adotar uma “Regra de Ouro da CT&I”, reconhecendo a natureza produtiva desses investimentos e sua centralidade para o desenvolvimento. Essa regra deve desvincular os recursos de CT&I das amarras do arcabouço fiscal e assegurar sua execução plena e plurianual, à semelhança do que ocorre em países industrializados e emergentes que priorizaram a ciência como vetor de soberania.

Com base nesse diagnóstico, ABC e SBPC apresentam três eixos de ação imediata e estrutural:

(1) Crédito suplementar emergencial: Aprovar, ainda neste exercício, crédito suplementar emergencial que garanta a continuidade das atividades do CNPq, da Capes, das universidades e institutos federais e das unidades de pesquisa do MCTI até o final do ano fiscal, evitando paralisações e demissões de equipes qualificadas.

(2) Recomposição e blindagem plurianual: Recompor as dotações de CT&I na Lei Orçamentária Anual de 2026 e estabelecer horizontes plurianuais de execução, com regras que impeçam contingenciamentos e garantam previsibilidade mínima de três a cinco anos. Essa medida é essencial para restaurar a capacidade de planejamento das agências de fomento e das instituições de pesquisa.

(3) Retirada de Educação e Ciência do arcabouço fiscal: Educação e ciência são pilares de qualquer economia moderna e devem estar fora das restrições do teto de gastos. Diversos países já adotam regimes diferenciados para despesas de P&D: a Alemanha criou, em 2020, um fundo permanente para ciência, blindado das regras fiscais gerais; a Coreia do Sul considera o investimento em educação e pesquisa como despesa de capital produtivo; o Chile aprovou, em 2023, uma lei que vincula parte dos royalties do cobre a um fundo soberano para inovação.

A consolidação de uma política nacional de CT&I exige ainda uma coordenação interministerial, estabilidade regulatória e governança participativa, com envolvimento direto da comunidade científica e dos setores produtivos. A ciência deve ser vista como infraestrutura estratégica, ao lado da educação, da energia e da defesa nacional. Nenhum país construiu prosperidade sustentável sem colocar o conhecimento no centro de seu projeto de futuro.

O Brasil tem capital humano, instituições e inteligência científica para liderar o desenvolvimento sustentável da América Latina, mas precisa assegurar condições materiais e institucionais para isso. Sem universidades fortes, sem bolsas de pesquisa, sem investimento continuado, não há reindustrialização verde, não há transição energética justa, não há soberania tecnológica.

Senhor Presidente, a história mostra que os períodos de maior desenvolvimento do país coincidiram com o fortalecimento da ciência.

Hoje, a comunidade científica conclama o governo a liderar um novo pacto nacional pela ciência e pela educação, transformando o conhecimento em motor da reindustrialização verde, da inclusão social e da soberania tecnológica.

Investir em ciência é investir na soberania do Brasil e no fortalecimento da democracia. É escolher ser protagonista, e não espectador, das grandes transformações do século XXI. É afirmar que o futuro se decide na escola, no laboratório e na pesquisa pública, onde nasce o conhecimento que emancipa, gera autonomia e constrói um desenvolvimento justo e sustentável, à altura do que o país merece.

Rio de Janeiro e São Paulo, 15 de outubro de 2025

HELENA BONCIANI NADER
Presidente da Academia Brasileira de Ciências (ABC)

FRANCILENE PROCÓPIO GARCIA
Presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC)

O documento pode ser acessado neste link.

(ABC e SBPC, 21/10)