No dia 27 de agosto, terça-feira, a Academia Brasileira de Ciências (ABC) e a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) realizaram mais uma edição do Fórum ABC/SBPC sobre Educação Superior. O tema desta vez foi “Flexibilidade de Trajetórias no Ensino Superior” e os convidados foram a economista Fernanda Graziella Cardoso, pró-reitora de graduação da Universidade Federal do ABC (UFABC), e o físico Francisco César de Sá Barreto, Acadêmico e ex-reitor da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

O exemplo da Universidade Federal do ABC

A UFABC foi fundada em 2005 na esteira de esforços do governo federal para promover uma reforma no ensino superior brasileiro. Na ocasião, a Academia foi convidada a colaborar com as discussões e criou o relatório “Subsídios para a Reforma da Educação Superior”, de 2004, onde já apareciam muitas das inovações colocadas em práticas na UFABC. Os Acadêmicos Luiz Bevilacqua, um dos idealizadores e ex-reitor da UFABC, e o próprio Francisco César de Sá Barreto, trabalharam na elaboração do documento.

Fernanda Graziella Cardoso

A instituição foi a primeira universidade no Brasil a adotar um modelo de ingresso através de cursos interdisciplinares. Na hora de ingressar, os alunos escolhem entre licenciatura ou bacharelado em grandes áreas do conhecimento, como ciências naturais e exatas; tecnologia ou ciências humanas. A grade de disciplinas é compartilhada entre os cursos, com diferentes pesos, oferecendo aos alunos maior autonomia e flexibilidade para fazer sua própria trajetória. Também são oferecidos cursos mais específicos para alunos que desejarem se especializar num tema. “O mais comum na UFABC são alunos saindo com mais de um diploma”, sumarizou Fernanda Graziella Cardoso.

A UFABC não segue a divisão tradicional em departamentos da maioria das universidades, se dividindo em grandes centros interdisciplinares. Outra característica é o trabalho em quadrimestres, com períodos mais curtos, de 12 semanas. Por conta dessa flexibilidade, a universidade reconhece as múltiplas trajetórias de seus alunos, facilitando para que estudantes se formem em cursos que originalmente não estavam vinculados à sua área de ingresso. Essa é uma característica fundamental nos dias atuais para enfrentar a evasão.

Dados do censo da educação superior de 2022, do Inep, mostraram que 75% dos jovens entre 18 e 24 anos não acessaram a faculdade. “Existe um descompasso entre instituições do século 20 e estudantes do século 21, entre métodos e interesses. Precisamos nos perguntar: por que a universidade deixou de ser um objetivo?”, indagou a palestrante.

Nesse sentido, a pró-reitora acredita que currículos mais modernos e interdisciplinares, guiados pelos desafios da atualidade e pela realidade local das instituições, são fundamentais. Outro ponto indispensável é garantir ao aluno autonomia para construir sua própria trajetória. “A UFABC é um possível modelo de projeto pedagógico mais condizente com a realidade atual. A legitimidade social das instituições de ensino superior não se sustenta no prestigio, mas na sua capacidade de transformar a realidade”, concluiu.

A universidade do amanhã

O modelo tradicional de universidades de pesquisa, seguido pela maioria das federais brasileiras, remete à reforma universitária de 1968. Naquele contexto, o Brasil precisava consolidar seu sistema nacional de ciência e aumentar a formação de pesquisadores. Para o professor Sá Barreto, o objetivo agora é outro. “O desafio do presente é assegurar que esses pesquisadores possam trabalhar de forma coletiva, para que possam enfrentar os novos desafios postos pela ‘era do conhecimento’. Ou seja, os atuais docentes devem mudar suas abordagens para absorver as metodologias do trabalho inter e transdisciplinar”, afirmou.

Francisco César de Sá Barreto

O ex-reitor da UFMG avalia que iniciativas nesse sentido já estão sendo desenvolvidas, mas ainda são pouco integradas. “Como exemplo, já estamos vendo, pelo menos nas melhores universidades brasileiras, incipientes tentativas de regulamentar a prestação de serviços ao setor empresarial pelos docentes; a flexibilização curricular; o estímulo a programas inter-, multi- e transdisciplinares; os programas de ensino à distância; a destinação de recursos com base no julgamento do mérito; a formação de redes de pesquisa e de instituições e, finalmente, o maior de todos os desafios, a avaliação direcionada para resultados”, listou.

Mesmo assim, ainda existe muita resistência à mudança entre as autoridades públicas e o próprio corpo universitário, além de uma tendência a tentar emular a “universidade do passado”, nas palavras do próprio Acadêmico. “Incapazes de implementar uma proposta alternativa para o sistema universitário pela dimensão da necessidade de mudança, acabamos por fortalecer o sistema num processo de sobrevida de algo anacrônico. As ações privilegiam a expansão em detrimento de uma efetiva reestruturação”, criticou.

Um ponto levantado na edição anterior do fórum foi que o modelo da universidade de pesquisa é incapaz de massificar o acesso ao ensino superior. Decorre disso a explosão de faculdades privadas, muitas das quais não conseguem garantir níveis aceitáveis de qualidade. Para Sá Barreto, existe uma interseção nas quais é possível se aproveitar as universidades privadas já instaladas através de parcerias público-privadas. “As atuais instituições privadas deveriam ser estimuladas a criar núcleos de estudos em temas prioritários que envolvam o estado-da-arte do conhecimento, que poderiam ser financiados com recursos públicos. Essa tendência de priorização por meio de políticas públicas é justificável em decorrência do seu elevado custo”, sugeriu.

Entretanto, o Acadêmico frisou que o ensino superior público seguirá imprescindível e central para o desenvolvimento do país. “Financiamento da educação é uma responsabilidade governamental e uma universidade que dê resultados é uma responsabilidade de todo seu corpo docente”.

Assista ao debate na íntegra: