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Como parte da presidência rotativa do Brasil no G20, a Academia Brasileira de Ciências (ABC) está à frente do Science20 (S20) deste ano, grupo que reúne as academias nacionais de ciências do bloco. A reunião de iniciação do S20 2024 foi realizada no Rio de Janeiro, nos dias 11 e 12 de março, e os representantes de cada país tiveram a oportunidade de fazer considerações sobre as prioridades estipuladas.

Para a reunião, também foram convidados cinco especialistas brasileiros para que ministrassem palestras sobre temas da atualidade. Confira a seguir.


Demografia e desafios da saúde no G20

Márcia Caldas de Castro é professora titular de demografia, chefe do Departamento de Saúde Global e População na Escola de Saúde Pública de Harvard e membra correspondente da Academia Brasileira de Ciências (ABC).

A maioria dos países do G20 já entraram em processo de decaimento populacional, principalmente devido à quedas na natalidade. Isso ocorre ao mesmo tempo em que as pessoas estão vivendo mais. A expectativa de vida nesses países está numa crescente há sete décadas, o que retrata o sucesso de seus sistemas de saúde. “Mas muitos países do G20 não têm as infraestruturas e instituições para promover uma velhice saudável. As famílias estão cada vez menores, com cada vez menos pessoas disponíveis para cuidar dos idosos. Isso leva a questões de saúde mental que também precisam ser consideradas”, alertou Márcia Castro.

Alguns desses desafios foram citados pela pesquisadora. O câncer, por exemplo, é uma área de pesquisa na qual a humanidade vem progredindo devagar. Por outro lado, a mortalidade por doenças cardiovasculares decaiu em dois terços dos países, mas ameaçam voltar a subir com o crescimento nas taxas de obesidade. “É algo que precisamos resolver com prevenção, pois não há sistema de saúde capaz de responder infinitamente. Uma possível iniciativa é taxarmos alimentos ultraprocessados da mesma maneira que fazemos com cigarros ou bebidas alcoólicas”, sugeriu.

O mundo tem ferramentas para lidar com a maior parte dos desafios, de acordo com Castro. “Os fatores de risco que conhecemos podem ser mitigados com políticas públicas bem desenhadas”, explicou. Ela lembrou ainda que o período da pandemia lembrou ao mundo que crises de saúde atravessam fronteiras e, portanto, a colaboração internacional é fundamental. O objetivo deve ser a cobertura universal da atenção primaria através de sistemas de saúde públicos resilientes e preparados para crises. “A pergunta é: como podemos ser melhores com o que temos hoje, sem esperar futuras tecnologias?”, finalizou a cientista.


Inovação pela Inclusão Social e Sustentabilidade

Pedro Wongtschowski é presidente do Conselho Superior de Inovação e Competitividade da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) e coordenador da “Mobilização Empresarial pela Inovação” da Confederação Nacional da Indústria (CNI).

O Brasil está numa posição forte no combate às mudanças climáticas, mas precisa se fazer valer de suas vantagens relativas. Diferentemente de todos os outros países do G20, o país pode cortar pela metade suas emissões apenas combatendo o desmatamento. Mas esse desafio não é trivial, já que a maior parte advém de atividades criminosas. A indústria brasileira responde por apenas 5% das emissões nacionais. O grosso dos combustíveis fósseis é usado no transporte, respondendo por 20% das emissões totais. Metade da matriz energética nacional é limpa, assim como 90% da eletricidade produzida no país.

Nesse cenário, Pedro Wongtschowski afirmou que não faltam oportunidades para o país se tornar uma potência verde. Ele acredita que a expansão do etanol como alternativa aos combustíveis fósseis é natural e viável, assim como a expansão das energias renováveis. “Estima-se que há oportunidades de investimento na casa dos 200 milhões de dólares em hidrogênio verde pelos próximos 20 anos”, afirmou.

Wongtschowski defendeu que o setor privado brasileiro invista mais em inovação, oferecendo subsídios, bolsas e parcerias para ter a ciência nacional ao seu lado. Ele elogiou o plano de sustentabilidade brasileiro, que tem potencial para gerar incremento de até 400 milhões de reais no PIB nacional, mas para isso é preciso colaboração entre todos os setores. “Sabemos que precisamos mudar e as oportunidades estão aí, é preciso, sobretudo, o desenho de políticas públicas concretas que estimulem parcerias e sejam baseadas em ciência”, completou.


Inteligência Artificial: desafios para a democracia e a sociedade

Fernanda De Negri é economista e pesquisadora do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), onde é diretora da Divisão de Estudos em Produção e Inovação.

A área de inteligência artificial (IA) observou um crescimento vertiginoso no último ano com os modelos de IA generativa. Ferramentas como o ChatGPT e o Midjourney são capazes de gerar, respectivamente, textos e imagens complexas através de comandos simples, que qualquer pessoa pode escrever. O que observamos hoje é a culminação da evolução do poder de processamento de computadores e, principalmente, do crescimento vertiginoso na quantidade de informações que temos à disposição com a internet. “Para se ter uma ideia, replicar os modelos experimentais das Big Techs é quase impossível, tamanha a quantidade de dados que só elas tem acesso”, afirmou Fernanda De Negri.

O impacto dessa inovação está sendo debatido em praticamente todos os setores da economia. De acordo com o Fundo Monetário Internacional (FMI), 40% dos postos de trabalho atuais podem ser substituídos por IA. Por outro lado, a tecnologia é capaz de gerar ganhos de produtividade na casa bilhões de dólares, levando a um crescimento nas economias desenvolvidas que não se vê à décadas. “Novas tecnologias sempre criaram novos trabalhos antes inimagináveis. Existe um risco de perda de renda e salários, mas não acredito que o cenário será tão catastrófico”, afirmou a palestrante.

Outro ponto muito debatido é o impacto dessas tecnologias no debate público. Num mundo já infestado por fake news, nunca foi tão fácil gerar uma imagem ou um áudio falso. Ainda é muito difícil prever qual serão as consequências disso nas eleições. “Sobre impactos nas democracias ainda temos menos informação do que sobre os impactos no mercado de trabalho, apesar de 40% das pesquisas sociais em IA se concentrarem nisso. Precisamos estar atentos”, concluiu De Negri.


Oportunidades e desafios para a pesquisa colaborativa no G20

Carlos Henrique de Brito Cruz é vice-presidente de redes de pesquisa na Elsevier e professor emérito do Instituto de Física da Unicamp. É membro titular da Academia Brasileira de Ciências (ABC).

Através da análise de bancos de artigos publicados é possível fazer observações importantes sobre a produção científica mundial. Atualmente, 80% dessa produção vem dos países do G20, sobretudo de três países: China, Estados Unidos e Índia. Mas a ciência está consideravelmente mais globalizada do que era antes. A produção cresce mais nos países em desenvolvimento, em média 8%, ao passo que cresce apenas 2% nos países desenvolvidos. “O número de autores já é maior no Sul Global, mas o que chama atenção é que o número de citações também está equilibrando, o que mostra um crescimento de qualidade”, mostrou Carlos Henrique Cruz.

O Brasil por exemplo, é uma das lideranças em produção científica sobre biocombustíveis e Amazônia. Assim como outros países em desenvolvimento, o país tende a focar em algumas áreas de destaque, que precisam ser valorizadas. Um dos maiores desafios do Brasil, entretanto, é a integração entre universidade e setor privado. Nos países ricos a participação de cientistas no setor privado é muito maior do que o observado por aqui. “É papel das financiadoras estimular essa colaboração, precisamos desse impulso”, afirmou o pesquisador.

A colaboração deve se dar também com os outros países. Dentro do G20, os EUA são o maior colaborador de 17 dos 19 países, e a China ocupa o segundo lugar para a maioria. No que se refere o Brasil, há uma tradição de colaboração significativa com a Argentina que deve ser valorizada. “O que mudou foi que a cooperação internacional, antes opcional para os países ricos, se tornou obrigatória. Não se faz mais ciência isoladamente”, concluiu Cruz.


Apresentação da Aliança Global Unesco sobre a Ciência da Aprendizagem para Educação

Roberto Lent é professor emérito de neurociências da UFRJ e diretor da Rede Nacional Ciência para Educação (Rede CpE), que busca integrar os grupos de pesquisa aplicada em educação. É membro titular da Academia Brasileira de Ciências (ABC).

A pesquisa científica é o motor da inovação, não apenas nas tecnologias que utilizamos mas também na forma como educamos as futuras gerações. É com esse intuito que a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) fundou, em outubro de 2023, a Aliança Global sobre a Ciência da Aprendizagem para Educação. A disparidade no acesso à educação de qualidade é uma das faces mais proeminentes da desigualdade, e é um grande problema em todo o Sul Global. “O objetivo da Aliança é construir uma ponte entre a ciência e a educação da mesma forma como existe para outros setores”, afirmou Roberto Lent.

Essa ponte deve ser formada por pesquisadores gerando conhecimento e teorias sobre práticas educativas, que informam tomadores de decisão no desenho de políticas públicas e chegam até os professores que as implementam nas salas de aula. “Precisamos construir um ecossistema centrado na educação para todas as disciplinas. Intervenções copiadas de outros lugares, sem a devida reflexão, não necessariamente dão certo. É preciso acompanhamento contínuo e relatórios de avaliação. Intervenções mal pensadas nos fazem perder anos de trabalho”, avaliou Lent.

O ideal é que os cientistas participem desde o desenho das iniciativas, o que reduz o tempo necessário para avaliação. A Aliança foi criada com esse intuito, para criar uma rede de cooperação internacional capaz de aplicar inovações de forma coordenada e adaptada às diferentes realidades. “Nosso objetivo é compilar evidências sobre boas práticas e fortalecer a comunidade de pesquisa em educação, sobretudo no Sul Global. A participação das academias nacionais de ciências nesse processo é absolutamente fundamental”, concluiu Lent.


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