No dia 11 de fevereiro foi comemorado o Dia Internacional das Mulheres e Meninas na Ciência. Instituído em 2015 pelas Nações Unidas, a data busca valorizar a contribuição feminina na pesquisa e estimular que cada vez mais meninas sigam a carreira.
Nesse contexto, a Academia Brasileira de Ciências (ABC) e o Capítulo Brasil da Organização para Mulheres na Ciência do Mundo em Desenvolvimento (OWSD, na sigla em inglês) organizaram nesta segunda-feira, 13 de fevereiro, um encontro aberto virtual para debater a situação atual da mulher cientista e discutir os próximos passos da parceria entre as duas entidades.
A OWSD é uma rede pioneira fundada em 1987 a partir de um programa da Unesco, sediada em Trieste, na Academia Mundial de Ciências para o avanço da ciência em países em desenvolvimento (TWAS). A ideia de um ramo brasileiro da entidade surgiu em 2018 e tomou corpo em 2020, com a escolha da ABC como organização anfitriã. Nas palavras de Danila Dias, uma de suas idealizadoras, “este encontro é um marco na história do Capítulo e um incentivo para que cada vez mais mulheres se juntem a OWSD”.
Além de Dias, participaram do encontro a presidente da ABC, Helena Bonciani Nader; a diretora Maria Domingues Vargas; a vice-presidente da OWSD para América Latina e Caribe, Kleinsy Bonilla; a Acadêmica e membra da diretoria provisória do Capítulo Brasil, Eliane Volchan; a pesquisadora e representante da iniciativa Parent in Science, Fernanda Staniscuaski; a pesquisadora do Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (Ipen) Denise Fungaro e a pesquisadora da Uerj Josely Khoury.
A desigualdade de gênero no Brasil
Helena Nader abriu as discussões com um panorama geral da mulher na sociedade brasileira. O Brasil ocupa a 94ª colocação em igualdade de gênero no ranking de 146 países do Fórum Econômico Mundial, não figurando nem entre os dez primeiros países da América Latina e Caribe. Esse resultado mostra que o problema é generalizado e presente em todos os setores da sociedade.
Enquanto nas Américas a média de representantes eleitas para as casas legislativas é de 30%, no Brasil não chega a 20%. No setor privado a situação é semelhante, mulheres são apenas 15% nos conselhos gestores das 90 empresas que compõe a Ibovespa, das quais apenas duas têm uma mulher na presidência. “O Brasil é desigual e parece não querer a igualdade”, lamentou a presidente da ABC.
Na ciência o cenário também é desanimador. Apesar de existir uma paridade entre cientistas homens e mulheres atuando no país, isso não se reflete nos cargos mais altos e na progressão de carreira. Nader ainda alertou para o “efeito Matilda”, que faz com que as contribuições de mulheres na pesquisa sejam diminuídas ou atribuídas a homens, lembrando casos históricos como o de Marie Curie e Rosalind Franklin.
Efeito Matilda e viés implícito
A predisposição da comunidade científica em atribuir maior mérito científico a homens é um fenômeno bastante estudado. A Acadêmica Eliane Volchan apresentou uma série de pesquisas que exemplificam esse viés machista. Em Moss-Racusin et al 2012, pesquisadores distribuíram currículos idênticos entre funcionários de uma universidade americana para uma vaga de chefe de laboratório, a única diferença era o nome do aplicante: “John” ou “Jennifer”. O resultado mostrou que tanto homens quanto mulheres avaliaram melhor o currículo de “John”, inclusive com propostas salariais muito discrepantes quando comparadas a “Jennifer”.
Já em Eaton et al 2020, outro grupo repetiu o experimento adicionando um viés de raça, e o resultado encontrado não surpreende: homens brancos foram os melhor avaliados, enquanto mulheres negras tiveram as piores avaliações. Esse “viés implícito”, conforme Volchan denominou, atua também minando o desempenho de pessoas estereotipadas negativamente. Num famoso experimento em 1999, Spencer et al demonstraram que mulheres submetidas a um teste de nível superior performavam significativamente pior quando informadas que a prova seria usada para comparações por gênero. “Pertencer a grupos estigmatizados negativamente na academia exacerba estresses mentais e até fisiológicos, gerando ansiedade e prejudicando o desempenho”, resumiu a Acadêmica.
Para terminar com uma mensagem de esperança, a Acadêmica fez questão de ressaltar que estigmas e estereótipos são construções sociais, e, portanto, podem ser desconstruídos. “Todas as associações implícitas são maleáveis e passíveis de serem substituídas por novas associações mentais”, afirmou. “Para isso, representatividade é crucial”. Ela indicou o artigo de Calaza et al 2021, que traz recomendações sobre como editores, membros de comitês e demais tomadores de decisão na ciência podem fazer para mitigar seus próprios vieses.
Maternidade na ciência
Outro ponto central quando pensamos em mulheres na ciência é a maternidade. Em artigo de 2019, Cech & Blair-Loy já alertavam para a frequência duas vezes maior com que mulheres se viam obrigadas a abandonar a carreira científica após terem filhos, e isso só se agravou com a pandemia. Para a professora da UFRGS Fernanda Staniscuaski, representante do movimento Parent in Science, é chegada a hora de falar abertamente sobre maternidade na academia. “A vida inteira tentamos separar as duas coisas, individualizando o problema. Precisamos entender que é sistêmico”, afirmou.
Staniscuaski sentiu na pele os efeitos que a chegada dos filhos exercem na carreira de uma pesquisadora. Após ser mãe pela primeira vez, em 2013, a professora percebeu que estava cada vez mais difícil competir por recursos e projetos num ambiente tão produtivista, o que a levou a se juntar à iniciativa que reivindica um ambiente menos hostil a mães e pais na ciência. “Desde que comecei a faculdade eu tive certeza de que seria cientista, mas quando tive filhos cheguei a duvidar de minha capacidade”, contou.
Criado em 2016, o Parent in Science conta atualmente com 90 cientistas, em sua maioria mulheres, e já deu alguns frutos importantes. Em 2021, a Plataforma Lattes adicionou o campo “Licenças” para que períodos de pausa na produção científica sejam justificados. Outra vitória foi a inclusão de cláusulas de maternidade em concursos, criando fatores de correção para analisar a produtividade de cientistas que tiveram filhos recentemente. Para além de mudanças institucionais, o Parent in Science também atua na criação de redes de apoio e possui um programa para o financiamento de pós-graduandas mães: o Programa Amanhã.
Próximos passos do Capítulo Brasil da OWSD
Para a vice-presidente regional da OWSD, Kleinsy Bonilla, o Brasil é peça-chave no fortalecimento da entidade na América Latina. O Capítulo Brasil foi o quarto a ser criado na região, em 2018, e desde então outros 11 países seguiram o exemplo. “O Brasil é uma liderança regional e faz parte da trajetória de muitos estudantes latino-americanos”, conta a pesquisadora guatemalteca, que já fez intercâmbio na Unicamp.
Ela destacou a importância dessa conexão Sul-Sul e a capacidade que o Brasil tem de atrair pesquisadoras de outros países em desenvolvimento. Além da criação de redes e do estímulo a premiações voltadas para cientistas mulheres, a OWSD fornece apoio financeiro a cerca de 150 cientistas todo ano, e também oferece auxilio de até US$ 50 mil para que pesquisadoras estabeleçam grupos de pesquisa e laboratórios quando retornam a seus países de origem.
Danila Dias, que integra a diretoria provisória do Capítulo Brasil, afirmou que o próximo passo é elaborar um regimento interno para a organização, assim como fizeram outro Capítulos nacionais ao redor do mundo. Ela incentivou que mais cientistas de juntem à iniciativa e ajudem em sua difusão. “Só pelo trabalho coletivo poderemos avançar”, sumarizou.
A diretora da ABC Maria Vargas, que moderou a sessão, fez um apelo para que mulheres membras da ABC abram seus laboratórios para receber estudantes estrangeiras.
Assista ao encontro completo: