Os participantes da edição especial dos Webinários da ABC “Brasil e as mudanças climáticas: Novo relatório do IPCC”

O papel do homem no aquecimento global é irrefutável. Essa é uma das conclusões do novo relatório realizado pelo grupo de trabalho 1 (WG1) do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC, da sigla em inglês). O Painel é uma colaboração de 195 países, envolvendo especialistas do mundo inteiro para fornecer avaliações regulares sobre mudanças climáticas e suas diversas implicações. 

O documento publicado nesta segunda-feira (09/08) focou nas bases físicas do aquecimento. Para discutir as principais conclusões, foi realizado uma edição especial dos Webinários da ABC, contando com a participação dos pesquisadores Paulo Artaxo (USP, membro titular da ABC), Thelma Krug (IPCC), José Marengo (Cemaden, membro titular da ABC) e Lincoln Alves (Inpe), que participaram ativamente da elaboração do documento. O evento foi mediado pelo presidente da Academia Brasileira de Ciências Luiz Davidovich

Dados: IPCC, Tradução: Jornal da USP

Essa é a primeira vez que o relatório quantifica a influência humana no clima. Os efeitos antropogênicos já são responsáveis por um aquecimento médio global de 1,1°C, número que aumenta para 1,6°C nos continentes.  “É indiscutível que as atividades humanas estão causando mudanças climáticas, tornando eventos extremos como ondas de calor, chuvas torrenciais e secas mais frequentes e severas.” apontou Paulo Artaxo. 

Outro aspecto inovador do documento é a linguagem, mais enfática e direcionada do que nos anteriores, clamando por medidas imediatas em grande escala para reduzir emissões de gases de efeito estufa. Muitas das mudanças já são irreversíveis, mas podem ser mitigadas. O cumprimento dos objetivos do Acordo de Paris, por exemplo, pode ser a diferença entre termos, para 2100, um aquecimento médio de 1,5°C, no melhor cenário, ou de 4,3°C se nada for feito. “Os relatórios do IPCC têm papel importante na criação de pontes entre a ciência e a política” destacou Thelma Krug. 

Um dos efeitos mais diretos do aquecimento é a elevação do nível do mar, consequência do derretimento das calotas polares. Em uma das previsões de mais longo prazo, estima-se que até 2300, o potencial de aumento dos níveis oceânicos chega a 15 metros, o que traz implicações gravíssimas para todas as áreas litorâneas do globo. 

Relação entre o global e o regional 

O relatório também enfatizou estas conexões. As alterações nos ciclos hídricos são de especial atenção para a América do Sul, “que muito provavelmente assistirá a um crescimento nos níveis de chuva a noroeste (Colombia, Peru e Equador) e sudeste (Paraguai, Uruguai, norte da Argentina e sul-sudeste do Brasil). Ao mesmo tempo, é também provável a intensificação das secas no Nordeste e nas áreas centrais do Brasil, bem como no Chile e sul do Peru” ressaltou Lincoln Alves em sua apresentação. 

Esses dados são economicamente muito relevantes para o Brasil, uma vez que apontam para problemas na produção agrícola do país, seja no agronegócio ou na agricultura familiar. A intensificação da seca na região amazônica dificulta também o controle de queimadas, aumentando o desmatamento e criando um ciclo vicioso, no qual a floresta sequestra cada vez menos carbono e acaba se tornando mais uma emissora desse elemento para a atmosfera. Por outro lado, a maior precipitação no Sudeste indica que desastres naturais, como inundações e deslizamentos, podem se tornar cada vez mais frequentes. 

As metrópoles também foram analisadas do ponto de vista local. “É sabido que as cidades são hotspots de aquecimento, devido à verticalização, à falta de cobertura vegetal, aos efeitos do trânsito e da poluição do ar. Isso é particularmente relevante quando consideramos a estimativa de 80% da população mundial vivendo em cidades até 2050 ” disse José Marengo, destacando a importância de soluções verdes para os grandes centros urbanos. 

Uma novidade trazida desta vez pelo IPCC foi a criação de um Atlas Interativo, que permite ao usuário uma busca mais localizada de dados, podendo ser acessado por qualquer pessoa – o que pode contribuir para uma maior agilidade na elaboração de políticas públicas. 

Discussão 

O webinário contou com ampla participação do público nas perguntas para os convidados. Foi repetidamente enfatizado pelos palestrantes que o papel do IPCC é apresentar os dados que podem ser utilizados como orientação para os governos, mas destacando que o IPCC não formula políticas públicas nem impõe mudanças. Thelma Krug destacou que o Painel tem apenas 12 funcionários – todos os cientistas que elaboram os estudos o fazem voluntariamente.

Foi feito um breve panorama da evolução do órgão ao longo dos anos, o crescimento no número de participantes e a maior complexificação dos dados em relação a documentos anteriores. Um exemplo disso é que pela primeira vez gases com meia-vida curta foram considerados separadamente. O metano é o principal desses gases e o Brasil responde por grande parte das emissões mundiais. A redução desses níveis pode contribuir muito para frear o crescimento das temperaturas em um curto espaço de tempo. 

Foi lembrado também que este relatório é um precursor de outros dois documentos, cuja publicação é esperada para o ano de 2022 e que entrarão mais a fundo nos impactos e nas possíveis mitigações para o aquecimento global. Com relação a medidas a serem adotadas pelo Brasil, estas devem seguir diretrizes gerais que valem para o resto do mundo: acelerar a transição dos combustíveis fósseis para energias renováveis, estancar o desmatamento, sobretudo na Amazônia, e adaptar as economias urbana e rural para os efeitos futuros das mudanças climáticas. 

O relatório completo do grupo de trabalho 1 (WG1) do IPCC pode ser acessado aqui. 

O webinário na íntegra pode ser assistido no canal da ABC no YouTube.