Leia matéria de Renato Grandelle para O Globo online, publicada em 9/8:
RIO — Ondas de calor castigam EUA, Canadá e Europa, enchentes assolam países europeus e a China, gelo derrete na Groenlândia em velocidade recorde. Os eventos extremos que sacolejaram o planeta nas últimas semanas serão cada vez mais comuns e intensos, segundo um relatório lançado nesta segunda-feira pelo Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC). O relatório prevê que o aumento da temperatura global em relação aos níveis pré-Revolução Industrial pode chegar ao patamar de 1,5 grau Celsius já na próxima década. Cientistas reivindicam que esta marca não seja ultrapassada até o final do século, diante de riscos como a falência de ecossistemas e o prejuízo à saúde da Humanidade.
O documento foi divulgado após uma série de reuniões virtuais que ocorreram nas últimas duas semanas entre representantes de governos de 195 países, que se debruçaram sobre o estudo de especialistas e acadêmicos de um dos três grupos de trabalho do IPCC, dedicado às bases científicas da mudança do clima. O levantamento das outras duas equipes será conhecido apenas em fevereiro e março do ano que vem.
O conjunto forma o sexto relatório de avaliação do IPCC, que atualiza os números da edição anterior, de 2013. Pela primeira vez, o levantamento trouxe análises sobre como os extremos climáticos devem atingir cada região. No Brasil, as regiões Sudeste e Sul devem sofrer cada vez mais precipitações intensas, enquanto boa parte do Norte, Nordeste e Centro-Oeste estarão sujeitos à seca, que comprometerá a atividade agropecuária.
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Batalha diplomática
Embora a gravidade dos números seja conhecida, e as consequências em ignorá-los estejam cada vez mais claras, a comunidade internacional permanece desunida. Mais de cem governos de nações pobres pleitearam, no mês passado, que países desenvolvidos forneçam US$ 100 bilhões anuais para políticas de mitigação e adaptação às mudanças climáticas, uma promessa feita em 2009, na Conferência do Clima de Copenhague, e jamais cumprida.
— A menos que acha reduções imediatas, rápidas e em ampla escala das emissões, limitar o aquecimento do planeta a 1,5 graus Celsius — disse Abdalah Mokssit, secretário do IPCC. — Mas nós não ditamos políticas para nenhum país. Cabe aos governos tomarem decisões.
Ainda que exijam financiamento, alguns Estados mostraram, durante as negociações do IPCC, pouca disposição para “limpar” os seus modos de produção. A Arábia Saudita, cuja economia é movida a petróleo, foi contrária à menção, no relatório divulgado esta segunda-feira, de qualquer menção a combustíveis fósseis. A Índia, por sua vez, vetou o uso da palavra “carvão”, um dos motores de seu desenvolvimento.
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— É uma batalha de braço — compara o físico Paulo Artaxo, um dos redatores do IPCC e membro da Academia Brasileira de Ciências (ABC). — Há avanços notáveis: todos os países estão reduzindo o nível de poluição atmosférica. Estados Unidos e China, que antes impunham entraves às negociações, assumiram posturas propositivas. Resta saber se esse relatório convencerá os países a transformar suas metas voluntárias de redução de poluentes em obrigações, e se as nações desenvolvidas finalmente alimentarão o fundo climático de US$ 100 bilhões anuais.
José Marengo, [também membro da ABC] e pesquisador do Centro Nacional de Monitoramento e Alerta de Desastres Naturais (Cemaden), destaca que muitos países ainda não tiraram do papel seus planos para redução de emissões de gases estufa, apresentadas após a assinatura do Acordo de Paris, idealizado em 2015.
— Enfrentamos dificuldades, como a saída dos EUA do Acordo, no governo de Donald Trump, e a crise econômica provocada pela pandemia do coronavírus, que tirou dinheiro que poderia ser investido em ações como a troca de combustíveis fósseis por fontes de energia renovável — destaca. — Ao detalhar os eventos esperados em cada região do planeta, o relatório do IPCC fornece informações úteis para decidirmos que políticas de adaptação às mudanças climáticas serão mais eficientes em uma determinada localidade.
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Impactos no Brasil
Artaxo destaca que o aumento do nível do mar engolirá pedaços do litoral de cidades como Rio de Janeiro e Recife, além de tornar inabitáveis os Estados insulares, que terão sua economia arrasada também pelo aumento da frequência de eventos extremos, como inundações e tempestades.
O relatório demonstra como os eventos extremos se multiplicam conforme cresce a temperatura. Caso o aquecimento do planeta chegue a 2 graus Celsius, uma larga porção do território nacional, abrangendo principalmente a Amazônia e o Cerrado, pode enfrentar períodos de até 20 dias de seca. Se o crescimento dos termômetros atingir o patamar de 4 graus Celsius, então a estiagem também dobrará, e essas regiões ficarão 40 dias consecutivos sem chuvas.
— Haverá um impacto visível na agropecuária — alerta Artaxo. — O Brasil terá que pensar duas vezes se sua economia poderá depender tanto de atividades como criação de gado e plantação de soja. E boa parte da Região Nordeste pode tornar-se árida, o que forçaria o deslocamento de milhões de pessoas. Como o governo pretende lidar com este problema?
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Leia a matéria na íntegra, com fotos, infográficos e outros depoimentos, no Globo online.