Adam Smith, May-Britt Moser, Serge Haroche, Helena B. Nader e Luiz Davidovich

 

Na manhã da última quinta-feira (8/4), ocorreu o encontro online ‘O Valor da Ciência’, organizado em parceria entre a Academia Brasileira de Ciências (ABC) e a Nobel Prize Outreach (braço de comunicação da Fundação Nobel), com apoio do Instituto Serrapilheira. O encontro visou promover um debate sobre a importância da ciência para a sociedade e de políticas públicas baseadas no conhecimento científico, com foco nos tempos de crise, como a atual pandemia. 

O evento foi mediado pelo diretor científico da Nobel Media Adam Smith. Os nobelistas convidados foram o professores May-Britt Moser, vencedora do Prêmio Nobel de Medicina em 2014, e o membro correspondente da ABC Serge Haroche, laureado com o Prêmio Nobel de Física em 2012, que foram acompanhados por Luiz Davidovich, presidente da ABC, e Helena B. Nader, vice-presidente da ABC e copresidente da Rede Interamericana de Academias de Ciências (Ianas).

Durante as quatro horas de duração do encontro, os quatro professores e os 40 alunos selecionados para participar das mesas de debate* trocaram informações, compartilharam perspectivas para o futuro e discutiram sobre problemas e soluções para as atuais adversidades enfrentadas pela comunidade científica.

A CEO da Nobel Prize Outreach, Laura Sprechmann, deu as boas-vindas e explicou qeu aquele era um evento prévio do Diálogo Nobel Brasil 2022, que reunirá vencedores do Prêmio Nobel e outras lideranças intelectuais para discutir ‘O Futuro Que Queremos’. “A humanidade está enfrentando sérios desafios, a situação que vivemos mostrou mais uma vez a importância da ciência, da pesquisa e da colaboração nas nossas vidas. Hoje iremos falar sobre como a ciência pode contribuir para a sociedade e como a sociedade pode contribuir para a ciência”, afirmou.

O diretor executivo do Instituto Serrapilheira, Hugo Aguilaniu, também agradeceu em nome do instituto, a primeira instituição privada a apoiar a ciência e a divulgação científica no Brasil. Aguilaniu relatou a complexa situação que a comunidade científica vive hoje no país e destacou que a única solução para a atual crise sanitária da COVID-19 é a ciência. Aguilaniu ressaltou: “No Brasil, nossos cientistas são apaixonados pelo que fazem e o fazem sob circunstâncias adversas, desde cortes orçamentários até ondas de desinformação e negacionismo. É por isso que esse evento, neste momento e neste país, é altamente simbólico”.

Confira detalhes dos dois blocos do evento e das principais temáticas debatidas.

No início do primeiro bloco, Adam Smith apresentou os laureados e explicou a dinâmica do evento. Primeiramente, algumas perguntas foram direcionadas apenas aos laureados. Em seguida, Luiz Davidovich e Helena Nader se juntaram ao debate, acrescentando novos pontos de vista e mencionando um dos tópicos mais discutidos no país atualmente: a produção de vacinas contra a COVID-19.

A norueguesa May-Britt Moser é psicóloga e neurocientista, chefe do departamento do Centro de Computação Neural na Universidade Norueguesa de Ciência e Tecnologia de Trondheim. Ela e seu marido Edvard Moser dividiram o Prêmio Nobel de Medicina em 2014 com seu parceiro de pesquisa, John O’Keefe, pela descoberta de células que formam um sistema de posicionamento no cérebro humano, uma espécie de “GPS interno”.

Nascido em Marrocos, Serge Haroche é físico, professor emérito do Collège de France. Foi distinguido com o Prêmio Nobel de Física em 2012, compartilhado com David Wineland, por “métodos experimentais inovadores que permitem a medição e manipulação de sistemas quânticos individuais”. Dentre outras Academias de Ciências do mundo, é membro correspondente da ABC desde 2010.

 

A importância da diversidade e do intercâmbio cultural na ciência

Este foi um dos primeiros assuntos tratados no encontro. Haroche contou que, em seu grupo de pesquisa, já recebeu estudantes, pós-doutorando e visitantes de mais de 20 países. “O incrível sobre a ciência é que o mundo não tem fronteiras e você faz seu trabalho de forma mais eficiente quando partilha experiências e pontos de vista de pessoas com diferentes origens”, declarou. May-Britt afirmou que a diversidade é um dos aspectos mais importantes da prática científica. “Não apenas reunir pesquisadores de áreas diferentes, mas também de vários lugares, com culturas e ideias diferentes. Isso funciona como um combustível para nossa pesquisa”. Para ela, é bom ter pesquisadores que pensem fora da curva e sejam capazes de “quebrar algumas regras”.

Os laureados concordaram que apesar das diferentes áreas de conhecimento e atuação, a paixão, as motivações, a curiosidade e o ímpeto de ir atrás de respostas para grandes questões são as mesmas. “Eu acho que esse apoio entre cientistas é incrível, nós nos sentimos como uma grande família espalhada pelo globo”, expressou May-Britt.

Como conscientizar as pessoas sobre o valor da ciência em tempos de desinformação e ideias obscuras?

Luiz Davidovich iniciou sua participação oferecendo um panorama da atual situação do Brasil com relação à pandemia da COVID-19, definida por ele como “dramática”, após o recente recorde de 4 mil mortes por dia. “Essa doença não é apenas uma gripe. Não devemos desperdiçar energia nem recursoso com falsos remédios”, afirmou o presidente da ABC. “A lição que levaremos da pandemia no Brasil é que o negacionismo mata”.

Ele também chamou atenção para o impacto da ação humana nas mudanças climáticas e a influência destas mudanças no surgimento de novas pandemias. Davidovich apontou que em todas as reuniões e eventos com parlamentares das quais participa, ele pressiona os governantes por mais investimentos em vacina, saúde e melhorias na qualidade de vida da população.

Para o presidente da ABC, no caso específico do Brasil, o caminho é “fazer com que as pessoas percebam o que a ciência já fez nas universidades”. Ele menciona a existência de duas gigantes instituições centenárias que estão produzindo vacinas (Fiocruz e Butantan); a importância da ciência em outras áreas, como a agricultura; e a atuação das instituições de incentivo à pesquisa no país, como o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), a Financiadora de Estudos e Projetos (Finep) e a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes).

A vice-presidente da ABC, Helena B. Nader, completou as falas de Davidovich e informou que, até o mês de junho, o país poderá atingir a marca de meio milhão de mortos pela COVID-19. “Nós não podemos aceitar isso e o único modo de mudar essa situação é pela ciência e educação”, declarou. “Nós estamos nos esforçando e lutando por essa geração. Ninguém pode tirar deles a esperança e a fé no futuro”, completou a vice-presidente. 

Nader também abordou os perigos do envolvimento do negacionismoscom a política no Brasil e defendeu a adoção de uma política de Estado e não de governo. “Nós precisamos convencer os nossos governantes de que a educação e a ciência são investimentos no futuro e que leva um certo tempo para ver os resultados”. Ela citou o exemplo das vacinas: mesmo com a onda de negacionismo que assola o país, a maior parte da população deseja ser vacinada.

Complementando a fala da vice-presidente da ABC, May-Britt destacou o cenário chinês no que se refere ao valor que os governantes e a população do país dão à ciência e à educação. Ela afirmou ser um ótimo exemplo de que é possível construir uma cultura baseada e voltada para a educação, insistindo para que os governantes favoreçam a ciência, como é feito na China. 

Ao serem questionados acerca de quais conselhos eles dariam para os jovens que estavam assistindo ao evento, a resposta foi um consenso: perguntar, sempre. Formular questões e pesquisar é algo fundamental. “Ninguém tem mesmo que saber tudo, temos que nos permitir fazer perguntas. Ciência é bem diferente de dogma. A ciência te permite mudar o mundo e as ideias que nele circulam”, ressaltou o presidente da ABC. 

Interlúdio científico

Durante o intervalo entre o primeiro e o segundo bloco, a palestra “Verdade e Método Científico”, ministrada em 2017 por David Gross (vencedor do Nobel de Física em 2014) foi exibida – e foi extremamente bem escolhida. Ele afirmou que os caminhos percorridos por cientistas podem ser cheios de armadilhas, principalmente em tempos onde as mentiras e o negacionismo prevalecem. “Como transmitir à população do mundo que muitas vezes nossas teorias e previsões passaram por fortes filtros do método científico e são confiáveis, ao mesmo tempo em que mantêm a incerteza? Ou seja, como competir com mentirosos?”, questionou “É uma luta injusta, mas eu ainda acredito que a ciência irá prevalecer.” Vale a pena conferir a palestra na íntegra. 

 

Da esquerda para a direita: Erirly Victória (UFPE), Juliana Bustamante (Univille), Bruna Malagoli (UFU), Adam Smith, May-Britt Moser, Ana Paula Schaan (UFPA), Raquel Queiroz (Unifor), Gabriel Coimbra (Univale), Rômulo Neris (UFRJ), Luiza Lorenzoni (UFES), Lucas Gabriel Ribeiro (Unesp), Ágata Coelho (UNB), Roger Borges (UFABC), Antonio Szezecinski (Universidade La Salle), Angélica Barros (UNIR), Raquel Lubambo (PUC-Rio), Jessica Machado (UFRB), Miguel Quintella (UNIFESP), Renata Nolêto (UFDPar), Keyty Almeida (UFRR), Lucas Brito (UFMT) e Bianca Matsuo (UFSCar)

 

O segundo bloco reuniu 40 estudantes de diversas universidades do Brasil, divididos em duas mesas para uma interação com os laureados. Os primeiros 20 alunos tiveram a oportunidade de fazer uma pergunta cada à May-Britt Moser. As perguntas feitas à neurocientista giraram em torno de tópicos como pesquisa e maternidade, objetividade e neutralidade científica, pesquisa translacional, a dificuldade que jovens pesquisadores encontram em se inserirem no mercado, saúde mental dos pesquisadores e negacionismo dentro das universidades.  

Como psicóloga, a maioria das respostas da neurocientista foram mais subjetivas e entusiasmadas. Contando um pouco de sua história de vida, Moser contou que enfrentou dificuldades financeiras e precisou do financiamento do governo para conseguir completar os estudos. Nascida em uma pequena cidade na ilha de Bergsøya com uma população altamente supersticiosa e religiosa, a neurocientista inspirou os jovens cientistas a não desistirem da carreira científica, que às vezes tudo o que é necessário é uma única oportunidade. Ela também afirmou que os cientistas não podem ter medo de errar e serem atacados, especialmente em tempos de fake news e de tanto ódio no mundo.

Para May-Britt, o futuro da ciência está nas crianças: “elas já nascem curiosas”.

Acesse o vídeo na íntegra no canal do Nobel Prize no YouTube.(transmissão em português | áudio original).

Interlúdio científico 2

No intervalo entre as duas mesas-redondas, foi exibida a palestra “A Busca Pela Verdade”, de 2017, com o imunologista Peter Doherty (Nobel de Medicina 1996), o economista Joseph E. Stiglitz (Nobel de Economia 2001) e outros cinco laureados com o Prêmio Nobel. Mais ma vez, uma excelente escolha. Com mediação de Adam Smith, foi discutida a necessidade de aproximar a ciência da sociedade, compreendendo-a como aliada da democracia. Stiglitz manifestou sua preocupação com o descrédito da população sobre a ciência e o estímulo de alguns segmentos da sociedade a que se duvide da verdade. “Quando você tem uma grande parte da população pensando que instituições de ensino prejudicam a sociedade, você tem um problema social”, afirmou o economista. 

 

Da esquerda para a direita: Adam Smith, Serge Haroche, Fernando da Silva (Unirio), Andressa da Silva (Ufal), Jadson de Jesus (Insper), Leandro Nolé (Ufrpe), Mariana Fronza (Ufpel), Patrícia Suzuki (UFRA), Ana Luísa Tibério (USP), Antonio Galvão (PUC-Rio), Tássia Mendes (Unifal), Julia Costa (UFRJ), Rui da Silva (Uerj), Rodrigo Libera (UFPB), Victor Hugo Vieira (UFPR), Dafni Rosa (UFGD), Pedro Cabral (UFRN), Victo Neto (Unicamp), William Júnior (UFVJM), Daniel Soares (Ufam), Pedro Henrique de Almeida (UFG) e João Marcos da Silva (UFT)

 

Na segunda parte do bloco, 20 estudantes previamente selecionados puderam fazer uma pergunta cada para o nobelista Serge Haroche. As questões discorreram sobre temas diversos, direcionadas para o valor da ciência, a aplicação da física fundamental e quântica para a sociedade, a utilidade da ciência pelos governos e por empresas privadas frente a crises, o desenvolvimento tecnológico e sustentável movido pela ciência, o papel da inteligência artificial na pesquisa científica e a dificuldade de tornar a ciência mais acessível e compreensível para a população. 

Haroche frisou que, para que a sociedade reconheça a importância da verdade, do pensamento racional e da tentativa de achar soluções para problemas enfrentados pela humanidade, é preciso reforçar a educação infantil. Além disso, com o intuito de obter possíveis soluções para problemas futuros, como crises, pandemias e o aquecimento global, ele considera indispensável a avaliação da probabilidade desses problemas e de seus prováveis riscos. “Eu espero que nós tenhamos aprendido com essa pandemia e que, da próxima vez, a resposta possa ser mais racional”, afirmou o pesquisador.

Ao ser questionado sobre a dificuldade de percepção de que uma pesquisa não é bem-sucedida, ele apontou ser uma situação recorrente e ressaltou a importância de aprender a partir disso, pela utilidade dessa experiência na escolha de novas direções. “Na verdade, a ciência é feita dessa sucessão de hipóteses e ideias que são consideradas erradas, em certo ponto, e podem retornar sob uma nova perspectiva”, acrescentou. Ele afirmou, também, que é motivado pela paixão por novos conhecimentos e pela compreensão de que suas pesquisas fazem parte de uma tendência geral em direção ao aumento do conhecimento sobre a natureza e as leis da física. “O entusiasmo vem do fato de que você se desafia e que, por vezes, o desafio é bem-sucedido”, declarou o físico. 

O evento completo está disponível no canal do Nobel Prize no YouTube (transmissão em português | áudio original em inglês).

*Para ter acesso ao perfil completo dos laureados, conhecer os 40 estudantes selecionados e conferir a repercussão do evento, clique aqui.