Carolina Neumann Keim

Depois do rompimento da barragem da Vale em Mariana, MG, em 2015, as concentrações de manganês dissolvido na água aumentaram, podendo provocar uma série de efeitos sobre a saúde humana e o meio ambiente. Em altas concentrações e exposição crônica, o manganês pode causar o manganismo, uma condição que afeta o sistema nervoso, gerando sintomas neurológicos parecidos com os da doença de Parkinson. Descobrir como os ciclos do manganês e do ferro afetam a qualidade da água usada por pessoas e pela vida selvagem nas regiões de Mariana e Brumadinho após os rompimentos das barragens de minério é o foco do estudo de Carolina Neumann Keim, bióloga e professora do Instituto de Microbiologia Paulo de Góes (UFRJ). Ela participou, semana passada, da sessão “Água e energia” da 4ª Conferência Internacional de Mulheres na Ciência sem Fronteiras, realizada no Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF), parte do Fórum Mundial para Mulheres na Ciência – Brasil 2020, promovido pela ABC no Rio de Janeiro. O evento contou com a participação de dezenas de mulheres cientistas da Ásia, África, Europa e Américas.

De acordo com Carolina, a alta concentração de manganês observada em Mariana provavelmente resulta de processos microbianos que ocorrem nos sedimentos, processos dependentes de matéria orgânica. As análises sobre o impacto do rompimento da barragem no Rio Doce já estão mais sistematizadas e apontam para a necessidade de um controle rígido do lançamento de efluentes ricos em matéria orgânica, como os esgotos in natura, no Rio Doce e afluentes. Já em relação ao rompimento da barragem Córrego do Feijão, em 2019, a professora esclareceu que ainda há muita lama na calha do Rio Paraopeba, e portanto há um longo caminho a se percorrer.

“Começamos a trabalhar com material do Rio Paraopeba em agosto. O que temos são dados preliminares, muito similares aos do Rio Doce, indicando que esse controle mais restrito deve ser realizado nos dois rios”, disse. Por outro lado, acrescentou, existem algas no Rio Doce que precipitam minerais contendo manganês, levando à diminuição das concentrações de manganês na água. “Mas depois do rompimento da barragem, me parece que o ciclo do manganês no Rio Doce está desbalanceado, com mais dissolução de minerais e/ou menos precipitação, o que fez com que as concentrações de manganês dissolvido na água aumentassem”, atestou.

Carolina enfatizou que há formas de tratar a água, mas isso diz respeito ao abastecimento para consumo das pessoas que vivem em cidades. A população rural teria que arranjar outras fontes de água potável, e isso nem sempre é fácil. “Por exemplo, um estudo de colegas da UFRJ mostrou que a água de poço que atende populações ribeirinhas frequentemente tem mais manganês do que a do Rio Doce. Também não dá para evitar que água do Rio Doce seja consumida por animais de fazenda, nem que seja utilizada para irrigação na agricultura. Portanto, a população fica, de uma forma ou de outra, exposta aos efeitos dos rejeitos derramados. E quanto à vida selvagem, não tem como evitar que os animais silvestres consumam a água do rio, isso sem falar nos peixes e outros seres aquáticos, que não têm para onde fugir”, observou.

Sobre o excesso de ferro, ela disse que pode causar diarreia, mas, no caso do Rio Doce, o ferro que é solubilizado do rejeito depositado no leito do rio reage com o oxigênio dissolvido na água, formando um precipitado que acaba se depositando de volta nos sedimentos. “É por isso que após os primeiros meses as concentrações de ferro no Rio Doce baixaram. Então é importante que a água do rio continue bem oxigenada para que as concentrações de ferro permaneçam de acordo com a legislação”, alertou.

A professora contou que em 2015 havia mais verbas para pesquisa, e, portanto, mais gente em campo, investigando, coletando material, envolvendo-se com o desastre de Mariana. Já na tragédia de Brumadinho, menos recursos foram destinados às pesquisas. “Já não há tanta verba para diárias de campo, os equipamentos estão sem manutenção, entre outros problemas. Mas o pessoal da UFMG e UFOP está lá, a proximidade facilita”, ponderou.

Carolina fez uma avaliação muito positiva da Conferência:

“Gostei da maneira como pesquisadoras de diferentes áreas foram reunidas para apresentar suas ideias, pesquisas e projetos. Isso precisa ser feito com mais frequência. As interações são fundamentais para a construção do conhecimento. O caráter multidisciplinar é muito importante e, para mim, fica ainda mais relevante em um evento envolvendo gênero e ciência. O mundo da ciência, apesar das mudanças nos últimos tempos, ainda é condicionado por regras feitas há quase um século por homens mais velhos. Esse cenário precisa mudar.”

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