A ideia de uma política internacional de cooperação e não de confronto para a governança global do clima parece estar se tornando cada vez mais distante.  Esta foi uma unanimidade entre os especialistas que fizeram apresentações nos dias 10 e 11 de junho, no Simpósio Internacional de Geoengenharia Climática, na sede da ABC.

Andy Parker

Afora questões técnicas, discutidas no primeiro dia do Simpósio, há uma preocupação de que o desenvolvimento de técnicas para reduzir o aquecimento global por meio da ciência gere uma despreocupação, por parte de empresários e governos, com o que é verdadeiramente significativo nessa questão: reduzir as emissões de carbono.

A outra grande discussão é sobre governança. Quem tomará as decisões sobre a adoção dessas medidas? “Ora, Bangladesh pode dizer que tem mais direito a fazer pesquisas e experimentação nessa área, por nunca ter contribuído para o aumento das emissões de carbono”, exemplificou Andy Parker, diretor da Iniciativa de Governança de Gestão de Radiação Solar (SRMGI). Os países da região Norte, que são frios, podem achar que um aumento de até 2º C no clima perfeitamente aceitável. Já no hemisfério Sul, 2º a mais num clima já muito quente, pode ser extremamente prejudicial, especialmente para as colheitas de alimentos. “Técnicas de geoengenharia climática podem ser até transformadas em arma”, alertou.

Chegar a um acordo sobre a governança da área, portanto, é muito difícil. Quem decide? Quem poderá fazer escolhas e tomar decisões? Quais interesses serão priorizados? Responder a essas perguntas não é possível ainda. Existem propostas e diferentes opções, mas não há um consenso. Embora mais empresários e políticos reconheçam a gravidade da mudança climática, isso não vem se traduzindo em transformações.

Eduardo Viola

A descarbonização tem sido muito mais lenta do que a ciência aponta como necessário para mitigar as mudanças climáticas, de acordo com o professor de ciência política da Universidade de Brasília (UnB) Eduardo Viola. “São muitas transformações. O comercio internacional e os investimentos globais vem se desacelerando, enquanto ocorre um crescimento exponencial das tecnologias disruptivas, como a inteligência artificial e a biologia sintética”, apontou parker.

Viola destacou uma militarização da economia, com a colocação de armas no espaço e a guerra cibernética. “Isso aumenta a incerteza e a imprevisibilidade das ações internacionais”, alertou. O professor emérito da Universidad de los Andes (Colômbia) Manuel Rodríguez Becerra apontou também a ascensão do populismo como a maior ameaça ao Acordo de Paris. Segundo Becerra, o populismo de direita tem promovido o ceticismo climático e a hostilidade à política climática, introduzindo componentes de anti-elitismo e anti-globalismo.

Para o estabelecimento de uma governança mundial da geoengenharia climática, é fundamental evitar uma coalizão contrária. Se os poderes centrais forem liderar, maior é o risco de confronto. Algumas referências interessantes, como os Princípios de Oxford do Parlamento Britânico, podem ser consideradas. Este documento lista a transparência nos resultados da pesquisa, a participação pública na tomada de decisões e avaliação independente como itens básicos para um possível acordo.

Outra fonte relevante, apresentada pelo cientista Kai-Uwe B. Schmidt, é a Carnegie Climate Governance Initiative (C2G), que procura catalisar a criação de uma governança eficaz para a Modificação de Radiação Solar (SRM, na sigla em inglês) e a Remoção em larga escala de Dióxido de Carbono (CDR, na sigla em inglês). Em fevereiro de 2019, a iniciativa lançou um relatório sobre o tema que pode ser lido aqui.

Marcos Regis da Silva

A fragmentação dessa governança, que é o que existe atualmente, dificulta os acordos globais. Para Marcos Regis da Silva, diretor executivo do Instituto Interamericano de Pesquisa sobre Mudança Global (IAI, na sigla em inglês), as organizações regionais têm um papel importante a cumprir. “Em essência, sistemas multilaterais são complexos. Todos os países têm que abrir mão de alguma coisa, e quando sentem sua soberania ameaçada, saem fora. Acordos regionais, que lidam com prioridades comuns, tendem a ser mais efetivos, segundo Regis.

As normas internacionais de regulamentação existentes hoje são genéricas, focadas no meio-ambiente de modo geral. A professora do Departamento de Direito Internacional e Comparado da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP), Claudia Perrone-Moisés, explica que as descobertas científicas sobre as mudanças climáticas acontecem num momento determinado, mas não são acompanhadas em tempo real pelas leis, que são elaboradas depois e num ritmo próprio – e lento.

Claudia Perrone-Moisés e o co coordenador do evento, Pedro Leite Dias da Silva

Não existe ainda um instrumento internacional para reger a geoengenharia do clima, segundo Perrone-Moisés. Ela diz que o direito internacional é bastante permissivo quando essas atividades estão ligadas a um pais, desde que não haja prejuízo transfronteiriço. Em alto mar e no espaço sideral, no entanto, é difícil fazer essa diferenciação. “O que há é que os países têm que se abster de determinadas práticas se houver risco em larga escala. Tem que haver avaliação do risco e o grau de tolerância ao risco, de acordo com as condições socioeconômicas de cada nação envolvida.”

Alguns dos presentes defenderam que captura e sequestro de carbono por bioenergia deveriam ser incluídos nos métodos de redução e mitigação, o que ajudaria a alcançar metas do acordo de Paris. Foi considerado, na discussão, que talvez seja necessário um protocolo especifico para esses experimentos, para evitar que os métodos tradicionais como redução e mitigação de emissão sejam abandonados. A geoengenharia climática deve complementar esse movimento e não o substituir.