Promovido em parceria pela Academia Brasileira de Ciências (ABC) e a Academia Nacional de Engenharia (ANE), o Seminário sobre Segurança de Barragens de Rejeitos foi realizado no Rio de Janeiro (1/4) e em Belo Horizonte (2/4). O segundo dia foi no auditório da Escola de Engenharia da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), e contou com quatro painéis. Acesse os outros painéis no final desta matéria.

Edson Watanabe, Clélio Campolina, Nivio Ziviani e Virginia Ciminelli.

O quarto e último painel do dia 2 de abril foi coordenado pelo Acadêmico Nivio Ziviani, doutorado em ciência da computação pela Universidade de Waterloo, no Canadá, e professor emérito da UFMG. Na mesa de encerramento, o coordenador do evento no Rio de Janeiro, e Acadêmico Edson Watanabe, diretor da Coppe/UFRJ, reuniu-se ao coordenador, ao palestrante Clélio Campolina, ex-ministro de Ciência e Tecnologia (2014-2015) e à coordenadora do evento em Belo Horizonte e palestrante do painel, a Acadêmica Virginia Ciminelli, professora titular do Departamento de Engenharia Metalúrgica e de Materiais da UFMG e coordenadora do INCT-Acqua.

Mineração 4.0: comunicação, transparência e confiança

Para se ver a situação de Minas Gerais em perspectiva, diante da trágica realidade atual, Virginia Ciminelli afirmou que é necessário pensar em caminhos para conciliar a produção mineral com a qualidade ambiental, com a qualidade de vida dos territórios compartilhados, e em como construir uma prosperidade sustentável para esse território.

Alguns dizem que a mineração como a conhecemos está morta, por ser insustentável. Ciminelli pensa ser mais razoável considerar uma nova mineração, que possa reduzir à metade o gasto de energia e água. Como, então, produzir metais diminuindo os custos? “Só será possível com uma mudança de paradigma”, afirmou a Acadêmica.

E um novo paradigma envolve preocupação com questões ambientais, tecnologia para acesso a minas mais profundas, segurança no trabalho. A inteligência artificial e a robótica podem contribuir muito. “É um cenário de indústria em grande transformação, operações autônomas, com drones que vão investigar condições em minas subterrâneas, rejeito zero, busca de fontes alternativas de água”, ilustrou Ciminelli.

Ela acrescentou que processos com melhor desempenho ambiental levam à inovação e geram receita. Portanto, não é prejuízo para as empresas investirem nesse sentido. Ciminelli argumentou que diversos estudos e experiências em outros países demonstraram que aproveitar 100% dos rejeitos leva a 30% de lucro no total. “Isso fortalece uma mudança de paradigma nessa direção”.

Falando especificamente de Minas Gerais, Virginia abordou o Quadrilátero Ferrífero. “O que caracteriza o Quadrilátero é a proximidade das unidades industriais entre si e com as áreas urbanas”, explicou.  Mostrando um filme de sobrevoo pela região, Virginia apontou que algumas minas têm menos de 12 km de distância da cidade mais próxima. “O crescimento e a formação dos complexos intensificam a área de influência, assim como aumentam as pressões sobre os recursos hídricos e a biodiversidade”, destacou a engenheira. E o quadrilátero aumentou a produção cinco vezes em uma década, o que implicou num aumento dos rejeitos. “E daí vieram os desastres”, relacionou.

E como pensar o futuro? Segundo Ciminelli, isso passa por uma convergência entre todos os atores. “Não é fácil. Mas deve focar o atendimento às demandas de qualidade de vida das comunidades, a partilha justa dos recursos naturais, a distribuição justa da riqueza, um projeto sustentável para pós-mineração, solução para conflitos, gestão participativa e eficiente do território”, listou a especialista.

Mas ela é otimista: pensa ser possível construir prosperidade sustentável. “A riqueza da mineração, que é finita, deve ser usada como catalisadora, deve ser utilizada para a busca da diversificação econômica e para o planejamento do futuro”, ressaltou Ciminelli.

A pesquisadora reconhece, no entanto, que o setor de mineração é muito heterogêneo. “As empresas são diferentes, o nível de avanço em termos de comprometimento ambiental é diferente”. Mas ela garante que a mineração 4.0 vai depender de um amplo acordo com as comunidades locais e projetos de responsabilidade social. E vai exigir ênfase na capacitação em ciência e tecnologia para sua implementação. “Comunicação, transparência e confiança. As tecnologias digitais podem ajudar muito nessa transparência.  Temos que afinar vocabulários, com respeito entre as partes, em prol de um objetivo comum”, reiterou Ciminelli.

Planejamento, mobilização dos atores e inclusão social

Ex-ministro de ciência e tecnologia, ex-reitor da UFMG, onde é professor emérito da Faculdade de Ciências Econômicas, o engenheiro e economista Clélio Campolina fechou o ciclo de palestras do evento.

A comunidade cientifica mostrou nesse evento que está preparada para enfrentar esses desafios. O desafio acho que é de outra natureza.

Em sua perspectiva, um olhar para o futuro implica em pensar um padrão de organização social que seja capaz de combinar a busca de riqueza com inclusão social e liberdade. Para pensar em caminhos e alternativas, Campolina observou que é preciso olhar o que está acontecendo com o mundo.

O momento, em sua avaliação, é de uma corrida científica e tecnológica sem precedentes. “Os os gastos com P&D [pesquisa e desenvolvimento] nos países na fronteira da corrida só aumentam. A Coreia está investindo mais de 3,5% do PIB, a Alemanha está em 3%, os EUA em 2,5 e o Brasil, regredindo para 1%”, alertou o palestrante.

A China tornou-se protagonista mundial, o que vem provocando uma reação do Ocidente. “Os EUA estão investindo pesado num programa de integração da comunidade cientifica com o sistema empresarial e políticas públicas”, apontou. Campolina destacou que a Alemanha está aumentando de 20 para 25% o peso da indústria no PIB. Já o Brasil, que já alcançou 24% nos anos 80, está com 11% atualmente, com risco de reduzir ainda mais. “O Brasil está na contramão do mundo, num processo de desindustrialização. O país aproveitou o boom das commodities e deu ênfase à exportação delas, jogou o câmbio pra baixo, o que arrebentou com a indústria”, avaliou o ex-ministro.

Voltando-se para o caso de Minas Gerais, Campolina disse que a situação ainda é pior. “É uma economia estagnada. Deu um salto nos anos 60 e 70, com um esforço de diversificação industrial significativo. Na crise dos anos 80, houve desativação e, agora, vivemos a reprimarização da economia”, apontou. O palestrante ressaltou a grande redução na produção de minério e a queda do PIB do estado. E qual o futuro de uma economia com base em mineração? “A situação é dramática. Temos que buscar alternativas de diversificação econômica, fazer o que o mundo está fazendo: integrar conhecimento científico, base empresarial e políticas públicas.”

No caso de Brumadinho, o economista tem uma sugestão, inclusive já publicada nos jornais, que é transformar o Instituto Inhotim num centro de conferências e pesquisa internacional. “Temos todo o acervo histórico cultural de Minas Gerais, a paleontologia e arqueologia de Lagoa Santa, todo o acervo barroco, o modernismo tardio de Belo Horizonte com Niemeyer e Portinari que está esquecido, e um belo museu de arte contemporânea. Poderia gerar um efeito imediato para a região”, defendeu. Para tanto, seriam necessárias uma estrada decente entre o trevo de Ouro Preto e Brumadinho, e um parque hoteleiro. “O hotel já começou a ser feito, está parado por falta de recursos”, relatou. Ele ressalta que essa é uma solução de curto prazo, e insiste numa visão de futuro, buscando soluções de médio e longo prazo. “Mas longo prazo só se constrói a partir de uma sucessão de curtos prazos”, argumentou Campolina.

De modo geral, tanto em Minas como no Brasil, o palestrante alerta: há uma ausência total de planejamento. “O Brasil parou de planejar. Precisamos de vontade política para isso.” Ele ressalta que planejamento, em sua visão, implica em clareza: definição de objetivos, de prioridades, metas, avaliação dos recursos necessários disponíveis e mobilizáveis, institucionalidade. “Como é que o plano vai ser implementado e ser gerido, como é que vai ser monitorado e acompanhado, como é que vão ser feitas as correções. Mas isso está em qualquer manual de planejamento”, ironiza. Para Campolina, de nada adianta o manual se não se passar do discurso formal para uma prática de política pública. “Se nós não conseguirmos mobilizar a comunidade científica, o sistema empresarial e criar canais de inclusão social, fica muito difícil pensar o futuro.”

Saiba mais sobre o evento em BH (2/4):

E sobre o evento no RJ (1/4):