O Acadêmico José Galizia Tundisi, secretário municipal de Meio Ambiente, Ciência, Tecnologia e Inovação de São Carlos, apresentou a situação hídrica local e global em evento comemorativo do Dia Mundial da Água. O Simpósio sobre Gestão de Águas Urbanas: Problemas, Soluções e Perspectivas foi realizado no dia 22 de março, pela prefeitura de São Carlos em parceria entre a Secretaria Municipal de Meio Ambiente, Ciência Tecnologia e Inovação (SMACTI), a Academia Brasileira de Ciências (ABC), o Instituto de Estudos Avançados da USP-São Carlos (IEA) e o Serviço Autônomo de Água e Esgoto de São Carlos (SAAE).

Tundisi remeteu-se à definição da Unesco de segurança hídrica: “é a capacidade de uma população garantir o acesso a quantidades adequadas de água, com qualidade aceitável para sustentar a saúde humana e os ecossistemas nas bacias hidrográficas e assegurar proteção eficiente de vida e propriedade contra desastres relacionados com a água, como enchentes, deslizamentos e secas.”

O quadro global

O Acadêmico relatou que, em julho de 2014, a situação mundial era a seguinte: a extensão de serviço a todos era ainda inexistente; 768 milhões de pessoas continuavam sem acesso a fontes adequadas de água; 2,5 bilhões sem acesso a saneamento básico adequado; mais de 1,3 bilhões de pessoas não tinham acesso a eletricidade; 2.6 bilhões usavam carvão ou outros combustíveis sólidos para cozinhar. Doenças respiratórias, diarreia e outras doenças de veiculação hídrica alcançavam 4 bilhões de episódios anuais.

Ele comentou diversos pontos do relatório das Nações Unidas (ONU) de 2018. O documento aponta que água e saneamento necessitam de grande financiamento e a qantidade de especialistas ainda é insuficiente. “O quadro envolve bilhões de pessoas que ainda carecem de instalações seguras de água, saneamento e lavagem das mãos; a poluição da água está piorando; as estruturas de governança são fracas e fragmentadas; a agricultura coloca uma enorme pressão sobre os recursos hídricos; os ecossistemas e seus serviços estão em declínio contínuo”, relata Tundisi. Ou seja, o quadro só piorou nestes últimos cinco anos.

O que precisamos fazer? Segundo a ONU, algumas recomendações são fundamentais. Tundisi as enumera: “integração entre os olhares das ciências naturais, da engenharia e das ciências sociais para gerar segurança hídrica e ciclo hidro social.”

A Organização resume as ações necessárias em três tópicos: conhecer, planejar e agir. “Conhecer” envolve compreender a interdependência dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), monitorar mais e obter melhores dados. “Planejar” significa adaptar-se aos contextos dos países, criar parcerias entre as múltiplas partes interessadas, fortalecer a integração regional e Implementar a gestão integrada de recursos hídricos. “Agir” envolveria eliminar desigualdades, assegurar a participação pública, desenvolver capacidades e usar tecnologias inteligentes. “Além disso, inclui também passar a financiar os serviços de água e saneamento por meio de um novo paradigma”, ressalta Tundisi.

O Acadêmico arrematou afirmando que a segurança hídrica no século XXI apresenta enormes desafios para a ciência e sociedade. “É necessária uma nova ciência – a sociohidrologia -, com foco no gerenciamento, formação de gestores e abordagem transdisciplinar.

Situação do Brasil

Em 2014, mesmo ano da avaliação da Unesco, o nordeste do Brasil enfrentou sua pior seca em 50 anos, enquanto as cataratas do Iguaçu tiveram seu fluxo triplicado em relação à média anual, no mês de junho.

Hoje, o quadro é de aumento dos usos competitivos dos recursos hídricos em todas as escalas. A qualidade da água piorou, a vulnerabilidade das populações humanas, especialmente nas zonas periurbanas das grandes metrópoles piorou. “As mudanças climáticas, o aumento das pressões sociais e as mudanças no padrão de necessidade mostram o quanto são necessárias mudanças na agenda de ciência”, enfatizou Tundisi.

No Brasil, 42,6% são coletados e tratados, 38,6% não são coletados nem tratados. O índice de esgoto coletado, mas não tratado, é de 18,8. “Mas é preciso termos 100% de esgoto tratado, porque essa situação é incompatível com a posição de nona economia do mundo”. Tundisi contou que conversou sobre isso com três presidentes da República: Fernando Henrique, Lula e Dilma. “Todos ficaram impressionados, acharam um absurdo e afirmaram que tomariam as providências necessárias. Mas absolutamente nada aconteceu.”

A interação necessária hoje deve envolver adaptação climática, redução do risco de desastres e segurança hídrica. O especialista diz que para que haja água suficiente e acessibilidade global, é preciso uma abordagem integrada. “Precisamos de governança integrada e interdisciplinaridade, de modo a garantir a sustentabilidade”, reiterou.

Segundo Tundisi, mesmo diante do quadro atual, percebe-se que a eficiência no uso dos recursos hídricos está avançando. “As tecnologias estão evoluindo, vejam a dessalinização”, observou. O mesmo ocorre com a capacidade de monitoramento avançado, as imagens de satélites, o monitoramento em tempo real, a modelagem das alterações e a capacidade de previsão. “Há também um melhor entendimento das interações entre o clima, a hidrologia e as respostas dos ecossistemas aquáticos com relação a contaminação e impactos”, afirmou. E completou: “A população brasileira hoje tem uma percepção mais aguda da sobre os problemas da escassez de água”.

Lançamento de livro

Ao final do evento, Tundisi fez o lançamento oficial da publicação “Qualidade da Água nas Américas: Riscos e Oportunidades”, que ocorreu no mesmo dia em várias cidades das Américas e do mundo. No Brasil, São Carlos foi uma das cidades escolhidas.

O livro foi lançado em inglês e espanhol e representa um esforço de academias de ciências de 21 países, envolvidas no Programa de Águas da Rede InterAmericana de Academias de Ciências (Ianas).

A publicação contou com a contribuição de 148 autores, entre acadêmicos, técnicos e outros especialistas em diferentes aspectos das ciências voltadas para os recursos hídricos. O capítulo referente ao Brasil ficou sob responsabilidade da Academia Brasileira de Ciências (ABC) e foi organizado pelos Acadêmicos José Galizia Tundisi e Carlos Eduardo de Matos Bicudo.

Os capítulos tratam de eutrofização, contaminação química e biológica, outros contaminantes, problemas especiais de águas subterrâneas, reciclagem e reuso de águas residuais, monitoramento, programas de pesquisa, formulação de políticas e governança.

Os objetivos da elaboração do volume foram identificar e analisar problemas específicos relacionados à qualidade da água e propor sugestões para uma melhor gestão. O livro ainda contém uma avaliação da qualidade da água superficial e subterrânea, seu impacto no consumo humano, na agricultura e nos serviços ecossistêmicos de cada país.