Diante da crise ambiental que assola o mundo, o Brasil tem uma oportunidade histórica e única para criar um modelo inovador de desenvolvimento econômico, em bases ambientalmente sustentáveis. E a Amazônia, pela riqueza de sua biodiversidade, poderá ser o “laboratório” desse novo modelo. A questão é que não há respostas para a maioria dos desafios, mas somente uma certeza: sem competências científicas e tecnológicas na região não haverá como alavancar esse processo, do qual o Brasil poderá liderar ou ser arrastado.

Esse foi, em síntese, o resultado das discussões do painel Amazônia: Desafio Científico e Tecnológico para o Século XXI, realizado no dia 16/11, durante o seminário Amazônia: Desafios e Perspectivas da Integração Regional, organizado pela Academia Brasileira de Ciências (ABC) e pelo Centro Brasileiro de Estudos da América Latina, na Fundação Memorial da América Latina, em São Paulo.

O evento teve como debatedores o presidente do BNDES, Luciano Coutinho; o co-presidente do Conselho de Administração da Natura, Guilherme Leal; o diretor de Programas e Bolsas no País da Capes, Emídio de Oliveira Filho; e a diretora geral do Instituto Amazônico de Investigações Científicas, da Colômbia, Luz Marina Mantilla Cárdenas. Os moderadores eram diretor do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa) e vice-presidente regional da ABC, Adalberto Val; o pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) e Acadêmico Carlos Nobre, além do próprio presidente da ABC, Jacob Palis.


Emídio de Oliveira, Luz Marina Cárdenas, Jacob Palis, Adalberto Val,
Luciano Coutinho, Guilherme Leal e Carlos Nobre

Nos debates, ficou claro que os desafios para o Brasil se posicionar adequadamente dentro deste processo são tão grandes quanto os obstáculos. Explorar a floresta, mantendo-a em pé, não será fácil. De acordo com Carlos Nobre, do Inpe, a atividade da pecuária rende de US$ 20 a US$ 70 por ano/hectare; a soja, US$ 100 ano/hectare; e a extração da madeira, de US$ 200 a US$ 400 por um período de 20-25 anos/hectare. “Já o armazenamento de carbono supõe-se que vale US$ 20 a tonelada de carbono”, ressalta.

Enquanto o carbono não for de fato um serviço ambiental rentável e os governos da Região Norte não bancarem os incentivos necessários, é urgente encontrar alternativas para as atividades predatórias. “Há uma população que vive na franja da floresta, especialmente na fronteira do Centro-Oeste, com 15 a 20 milhões de pessoas, que precisa de uma ocupação econômica que tenham mais valor que as atividades predatórias”, ressaltou Luciano Coutinho, do BNDES.

“Vejo duas alternativas que podem acelerar o processo de mudança”, disse Coutinho. “Uma é desenvolver novas atividades com rentabilidade mais alta, com modelos de negócios sustentáveis e adequados às populações locais. A outra é criar mecanismos e incentivos para recuperar o que foi degradado pelas atividades predatórias.”

Transformar a biodiversidade da Amazônia em produto de valor agregado não será fácil. “Será necessário desvendar a riqueza que está escondida na floresta – algo que só poderá ser abreviado com o conhecimento via comunidades locais”, disse Adalberto Val, do Inpa. Exigirá também mais investimentos em infraestrutura de pesquisa. “Costumamos dizer que todas as universidades e centros de pesquisas da Amazônia juntos não dão uma USP”, brincou Val, referindo-se a essa limitação.

Atração de doutores

Para Jacob Palis , presidente da ABC, além de infraestrutura, será necessário ter pesquisadores estimulados e engajados. “A única forma disso acontecer é buscar uma remuneração maior para atrair doutores para a região”, ressaltou. É que, apesar de todos os esforços da Capes, o patamar de concessão de bolsas de mestrado e doutorado na região se mantém praticamente no mesmo nível.

“Caminhamos para um programa em que nenhum aluno da Região Norte deixará de fazer mestrado ou doutorado por falta de bolsas”, disse Emídio de Oliveira Filho, da Capes. “No entanto, a velocidade de concessão de bolsas ainda é pequena, quando o necessário seria crescer o dobro da média das outras regiões”, acrescentou.

A explicação para isso, além do crescimento lento da população na região, é a falta de estrutura dos programas de pós-graduação para atender mais alunos. A título de exemplo: o Brasil tem 3.891 cursos de pós-graduação; toda a Região Norte apenas 189 (4,86%). “A Capes não tem tido problemas financeiros para conceder bolsas, mas faltam candidatos.”

A urgência em definir caminhos e adotar medidas foi unânime entre os conferencistas. O Brasil está diante de uma encruzilhada estratégica: ou se posiciona rapidamente para se torna líder em desenvolvimento ambiental sustentável ou corre o risco de ser a “vanguarda do atraso”, como disse Guilherme Leal, da Natura.

“Falta um plano que una os aspectos de ciência e tecnologia com políticas públicas”, lembrou Emídio de Oliveira Filho. Ou, nas palavras de Guilherme Leal, falta um “chamamento” do governo federal. Nos EUA, enfatizou ele, o governo mostra para onde quer levar o país nos próximos anos; isso não ocorre no Brasil.

Modelo de aprendizado

Há cerca de dez anos, a Natura se viu diante de uma encruzilhada parecida com a que o Brasil se depara hoje. Com mais de 30 anos de existência, a empresa já tinha um porte considerável. Valia cerca de US$ 800 milhões, mas ainda estava muito aquém dos grandes “players” do setor de cosméticos que investiam cerca de US$ 300 milhões em pesquisa e desenvolvimento por ano, enquanto ela apenas US$ 10 milhões. Se fizesse uma fusão, corria o risco de ser engolida. Foi então que resolveu apostar na biodiversidade brasileira para obter um diferencial comparativo e, no futuro, um diferencial competitivo no mercado global.

Em 2003 lançou seu primeiro produto da nova linha, mas antes teve que enfrentar o risco de desenvolver e aprender a gerenciar um novo modelo de negócios. Em vez de fornecedores “just in time” teve de lidar com a sazonalidade das safras das espécies nativas com as quais fabrica seus produtos; em vez de contratos convencionais teve de negociar com os povos da floresta, líderes comunitários, agentes de governo, representantes do Ministério Público, e ainda resolver impasses de marcos legais indefinidos.

Hoje, a Natura, cujo valor se multiplicou oito vezes, tem espalhadas por todo o país 34 comunidades fornecedoras de matérias-primas (2.060 famílias que cultivam 36 espécies nativas), 56 matérias-primas e 812 produtos. É uma das empresas brasileiras que mais mantêm relações de parceria em pesquisa com as universidades; e que mais têm processos em andamento no Conselho de Gestão do Patrimônio Genético (CGEN) – cerca de 60%.

O processo de aprendizado da empresa não se limitou a transformar ciência e tecnologia em pesquisa e desenvolvimento e inovação. “Optamos por uma postura ética, por conduzir o processo de forma transparente. Poderíamos errar, mas estávamos dispostos a aprender e tínhamos boas intenções”, disse Guilherme Leal.