Para entender a importância dos oceanos na Terra, é possível fazer a seguinte análise: a Lua e a Terra estão a uma distância considerável do Sol. A temperatura média da primeira é de -15°C, enquanto a do planeta gira em torno de 15° C. “Qual o componente que provoca essa diferença de 30 graus entre ambas? Justamente o oceano”, constata o professor da Universidade Federal da Bahia (UFBA) José Maria Landim, um dos palestrantes do Simpósio Interrelações Oceano-Continente no Cenário das Mudanças Globais, lembrando que na Lua não existe oceano, tampouco atmosfera – sendo esta última o meio pelo qual se estabelece a relação oceano-continente.

Coordenado pelo Acadêmico Luiz Drude de Lacerda, professor visitante na Universidade Federal do Ceará (UFC) e titular da Universidade Federal Fluminense (UFF), a manhã do dia 2/10 do evento contou com a apresentação do presidente Jacob Palis, que deu as boas-vindas aos participantes. Em seguida, o cientista Bjorn Kjerfve, professor e pesquisador nas áreas de oceanografia e geografia da Universidade do Texas A&M (EUA) e presidente da World Maritime University (WMU), na Suécia, iniciou sua apresentação comentando o rápido avanço da tecnologia, principalmente no tocante a satélites e outros equipamentos que auxiliam no estudo da oceanografia. “Hoje em dia, é possível observar em tempo real as condições e processos oceânicos e atmosféricos, como correntes marítimas e tempestades.”

O Acadêmico Luiz Drude de Lacerda e o presidente Jacob Palis

Dentro desse contexto, o pesquisador expôs uma série de eventos extremos que vêm acontecendo nos últimos anos e que estão relacionados às mudanças ambientais e ações antropológicas. Segundo ele, 80% da poluição oceânica advêm de regiões costeiras, através de rios, por exemplo. Outro fator citado é a crescente acidificação dos mares, o que afeta diretamente a biodiversidade marítima. “Esses acontecimentos também desencadeiam impactos no sistema econômico e na sociedade, como é o caso recente das novas rotas comerciais que poderão ser exploradas no Ártico, uma vez que o volume de gelo derretido já propicia essa intervenção”, observa.

Para Bjorn, o respeito ao oceano e às futuras gerações é fundamental, mas, em relação a isso ele diz que o homem pode fazer muito pouco, sendo o papel de grande responsabilidade exercido pelos governos. De acordo com ele, o enorme crescimento da população humana – saltando de um bilhão nos anos 1800 para sete bilhões de habitantes nos dias atuais – causa um impacto direto nos recursos naturais do planeta e gera uma quantidade maior de lixo, pesca predatória, entre outros fatores. O pesquisador diz ser otimista como pessoa, mas cético quando o assunto é o uso dos recursos que o planeta disponibiliza, já que a população humana só tende a crescer e, consequentemente, também a escassez de tais recursos. “Existem entidades que desenvolvem um trabalho excelente junto a gestores, como o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC).”

Oceano: um elemento amortecedor

Em seguida, Edmo Campos, do Instituto Oceanográfico da Universidade de São Paulo (USP), mostrou as conexões que existem entre o oceano global e o ciclo hidrológico na América do Sul, bem como as consequências de possíveis mudanças no clima, afetando a região através de alterações nos oceanos. Ele explica: “O oceano, por sua longa extensão e pelo alto calor específico da água, é um amortecedor na velocidade das mudanças. Mas, ao mesmo tempo, ele é lento não só para se modificar como também para parar alguma modificação que já esteja em curso – o que já é um fato. Isso gera efeitos no ciclo hidrológico, que é o regime de precipitação sobre o continente.”


Edmo Campos, Luiz Drude de Lacerda, Bjorn Kjerfve e José Maria Landim

Além disso, em suas palavras, o regime de ondas também é afetado, assim como a elevação do nível do mar, os sistemas de correntes marítimas, entre uma série de outros eventos. “Precisamos ir além de olhar somente os efeitos e entender as causas para implantarmos medidas de prevenção e adaptação. Olhar para as regiões continentais, costeiras e atmosféricas sem incluir os oceanos é olhar apenas uma parte do problema.”

Edmo diz que o Brasil tem uma comunidade pequena de pesquisadores que estuda a oceanografia em suas dimensões maiores. Ainda segundo ele, o país tem se concentrado em pesquisas na área, mas em regiões próximas à costa e em escalas pequenas. “Para entender os impactos de possíveis mudanças no clima do nosso continente, é preciso estudar as regiões fronteiras e para além das águas jurisdicionais brasileiras”, alerta.

Distantes, porém nem tanto

Coordenador da pós-graduação em geologia do Programa de Pesquisa e Pós Graduação em Geofísica da UFBA, José Maria Landim palestrou sobre as teleconexões, que são inter-relações causais ou correlatas entre fenômenos meteorológicos ou ambientais que ocorrem a grandes distâncias. Segundo ele, o aumento de gás carbônico na atmosfera e o aquecimento global alteram os padrões de circulação que ocorrem dentro do oceano. Com isso, um segundo fator também muda: as ondas, que podem mudar de direção e passar a atingir outros países.

“A linha de costa está em equilíbrio com as condições atuais e ela tenta se ajustar a novas circunstâncias de acordo com o que ocorre dentro desse sistema, que sofre influência das condições climáticas”, explica. Assim, complementa, eventos como erosões e inundações passam a afetar locais que antes não sofriam desse mal, interferindo diretamente na vida das pessoas que ali vivem. “Eu recebo e-mails de internautas que observam que a faixa de areia está menor e me perguntam o porquê da praia deles ter mudado”.

No entanto, não há saída: o pesquisador afirma que as mudanças climáticas globais causarão interferências nas praias do planeta. “A grande questão é que a civilização humana precisa de estabilidade para conseguir manter sua agricultura e demais atividades e o homem, por sua vez, terá que se adaptar a esses desafios.”

Documento final

Em entrevista ao NABC, o Acadêmico Luiz Drude de Lacerda comentou que a intenção é formular um documento, ao final do evento, que ajude na tomada de decisão de políticas públicas para a área da oceanografia. “Um grupo específico de cientistas deve elaborar as principais recomendações que serão desenvolvidas ao longo do encontro”, disse. Ele também ressaltou a importância da criação do Instituto Nacional de Pesquisas Oceanográficas (Inpo), anunciado no início de setembro pelo ministro de Ciência, Tecnologia & Inovação, Marco Antonio Raupp. Ainda assim, segundo o cientista, o país se encontra longe do cenário ideal para a área. “Quando o assunto é oceanos, não podemos priorizar: temos que considerar todos os aspectos e atender às necessidades. A missão do Brasil, hoje em dia, é se tornar líder e referência na área do Atlântico Sul.”