Na manhã de 8 de abril, a Academia Brasileira de Ciências (ABC) promoveu o evento híbrido “Modernização da estrutura de ensino superior brasileira para o desenvolvimento socioeconômico sustentável”. A organização foi do Grupo de Trabalho sobre o Ensino Superior Brasileiro da ABC e o evento foi caracterizado como uma Conferência Livre Preparatória para a 5ª Conferência Nacional de Ciência, Tecnologia e inovação (5CNCTI).
A primeira mesa tratou de análises e propostas para o sistema de instituições de ensino superior públicas, com o objetivo de ampliar fortemente, de forma economicamente viável, a contribuição do setor público na formação de bacharéis e licenciados.
A mesa contou com o Acadêmico Ado Jório de Vasconcelos como moderador e os professores Alexandre Brasil (on-line, de Brasília), o Acadêmico Rodrigo Barbosa Capaz e Ronaldo Mota como palestrantes.
O desafio da educação sem deixar ninguém para trás
O secretário de Educação Superior do Ministério da Educação (SESU/MEC) Alexandre Brasil Carvalho da Fonseca, doutor em sociologia e professor titular da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), está há um mês na função.
Em sua análise, houve uma descontinuidade nas políticas de ensino superior, desde 2016. “O programa de extensão universitária, por exemplo, foi totalmente destruído. Em 2013 o orçamento era de três, quatro milhões. Aí vai subindo até 2015, quando esteve em 82 milhões. Em 2016, era de cinquenta e poucos milhões, e nos anos de 2017, 2018, 2019, 2020, 2021 e 2022 o orçamento para extensão foi de ZERO reais”, destacou Brasil.
No momento, ele está avaliando a dimensão do ingresso nas universidades federais, a permanência e, após a formatura, a empregabilidade destes ex-alunos. Na política adotada pelo ministério de não deixar ninguém para trás, esses são os três focos da SESU. “Estamos em discussão com os outros ministérios, do Desenvolvimento, da Indústria, para discutir isso”, ressaltou Alexandre Brasil.
Nas estatísticas apresentadas pelo secretário da SESU, metade dos jovens que terminam o ensino médio no país nem tenta entrar na universidade. “Há muitas vagas ociosas no sistema público de educação superior hoje em dia”, relatou o secretário. De fato, o número de ingressantes está aquém da média da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e corresponde à metade dos indices europeus.
Alexandre Brasil apontou que as políticas públicas de alcance nacional têm que incluir as universidades públicas, que estão distribuídas por todo o território brasileiro. “A prioridade não é ampliar as vagas e sim preencher as vagas. É preciso analisar que cursos devem ser oferecidos em cada local, ter uma visão estratégica. “
Sobre o sistema de cotas, ele observou que neste ano de 2024, 23 mil estudantes não ingressariam sem essa oportunidade. “Estes cotistas apresentam melhor resultado no sentido da permanência na universidade, mostrando que as políticas de assistência estudantil mais dedicadas colaboram para evitar a evasão.”
Apontar soluções e pensar fora da caixa
O Acadêmico Rodrigo Barbosa Capaz, membro do GT da ABC sobre Educação Superior, é professor titular da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). É também presidente da Sociedade Brasileira de Física (SBF), eleito para o período de 2023 a 2025, e diretor do Laboratório Nacional de Nanotecnologia (LNNano) do Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais (CNPEM).
Capaz contextualizou sua fala explicando que quando foi convidado para participar do Grupo de Trabalho da ABC sobre Educação Superior, a tarefa que lhe foi dada desde o inicio foi apontar soluções e pensar fora da caixa.
Apresentando seu diagnóstico, Capaz mostrou que apenas 23% dos jovens brasileiras entre 21 e 34 anos estão cursando ou cursaram a educação superior, enquanto a média da OCDE é de 47%. E dentre esses 23%, apenas 22% estão em universidades públicas. 88% estão nas privadas. “Estas cresceram nos últimos anos a uma taxa de dois milhões de matrículas em dez anos, especialmente nos cursos de ensino a distância (EAD)”, alertou o palestrante.
Esse não é o melhor quadro, se queremos indicativos de qualidade na educação superior. De acordo com Capaz, “85% das universidades públicas federais têm IGC [Índice Geral de Cursos] 4 e 5, enquanto apenas 21% das IES [instituições de ensino superior] privadas com fins lucrativos têm IGC 4 e 5”, informou, reiterando que os dados eram de 2022.
E quais seriam possíveis estratégias pra mudar esse cenário? Como aumentar as matrículas no ensino superior público, de modo a garantir a formação de profissionais devidamente qualificados?
Para começar, Capaz concorda com Alexandre Brasil: é preciso preencher as vagas ociosas e, ao mesmo tempo, pensar em expansão. “E a expansão dificilmente virá através das universidades federais, que são as nossas ‘universidades de pesquisa’, que materializam o preceito constitucional da indissociabilidade de ensino, pesquisa e extensão”, destacou.
Outra estratégia básica é trabalhar profundamente a maneira de ensinar, porque, pelo visto, ela não está adequada ao público atual, seja em universidades públicas ou privadas. O Acadêmico mostrou um gráfico que compara instituições públicas e privadas, acompanhando alunos que entraram em 2013 e que, portanto, deveriam terminar o curso em 2016 ou 2017. “Podemos ver que houve evasão de 52% nas públicas e 59% nas privadas. Ou seja, falhamos em formar recursos humanos”.
Capaz apresentou um interessante estudo de caso de ensino superior público da California. São três tipos de ensino superior. Apenas 10% das matrículas estão nas universidades de pesquisa (University of California – UC); 18% dos estudantes estão nas California State Universities (CSU). A maioria dos estudantes universitários – 54% –, estão nas California Community Colleges (CCC), que oferecem cursos de dois anos com foco no mercado de trabalho, podendo seguir posteriormente para um curso completo de bacharelado. Elas têm taxas de aceitação mais altas, custo menor e campi localizados em uma mistura de áreas urbanas e rurais. “O sistema oferece mobilidade, flexibilidade, muito diferente do brasileiro, que é engessado. O gasto por aluno nas universidades de pesquisa é muito maior, e a massificação é feita principalmente pelas CCCs”, relatou o Acadêmico.
No Brasil também existem os cursos tecnológicos, que duram de dois a três anos. “Mas 91% são nas universidades privadas e 82% destes, em EAD”, observou Rodrigo Capaz.
As recomendações do GT para reverter o quadro são objetivas.
A primeira foca na recuperação da infraestrutura e o combate à evasão nas universidades federais, com metas de retenção dos alunos nos cursos, maior flexibilidade de horários no regime presencial e adoção de EAD de forma complementar, em regime híbrido. “As nossas universidades de pesquisa precisam de infraestrutura condizente com sua missão”, defendeu.
A segunda visa encarar de frente a realidade: a EAD veio para ficar. “Então, é preciso qualificar e ampliar a oferta de EAD no sistema público de ensino superior, dado que, de fato, ela é um instrumento poderoso de expansão do ensino”, avaliou Capaz.
A terceira e última recomendação é a reestruturação do ensino superior público brasileiro, por meio da criação de um novo sistema de instituições de ensino superior (IES), no modelo de “college” (faculdade), com foco em ensino, para atuar de forma complementar às universidades e aos institutos federais. A proposta inclui mecanismos para evitar a escolha precoce do curso de graduação e oferecer flexibilidade, mobilidade, agilidade e diversidade de opções aos estudantes. “Isso pode ajudar muito o ensino superior público a absorver uma fração substancial dos estudantes que hoje precisam pagar pelo ensino privado.”
“Sabemos fazer coisas boas e para muitos, desde que nunca ao mesmo tempo”
Ronaldo Mota, professor titular aposentado de Física da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), atualmente diretor-secretário da Academia Brasileira de Educação e ex-reitor da Estácio, lançou a questão: como fazer coisas boas e para muitos, ao mesmo tempo? “Essa é a nossa dificuldade. O desafio é transformar quantidade em qualidade qualificada”, apontou.
Mota focou nos problemas metodológicos, da forma de ensinar. “Agora há uma boa oportunidade de mudança, com a revolução digital e metacogniçao. Hoje temos que preparar pessoas para se desenvolver e estudar coisas novas para o resto da vida. Isso exige uma mudança radical na forma de ensinar e na maneira de aprender”, disse Ronaldo Mota.
O palestrante apontou que os seres humanos “dominaram’ o planeta por conta de três características funcionando juntas: força física, habilidades cognitivas e as habilidades metacognitivas.Estas se referem ao fato de sabermos aprender com os erros, refletir sobre a nossa própria reflexão”.
No entanto, como se distribui a transferência do conhecimento hoje nas universidades? Em módulos, com avaliação no fim de cada módulo. “Isso é o ensino cognitivo”, explicou. Ora, segundo o professor, o momento principal da aprendizagem é quando o indivíduo reflete sobre o seu proprio processo de aprendizagem. “É quando ele ganha consciência do seu processo. Em que horário aprende melhor, em que condições… É quando ele é capaz de criar percursos de aprendizagem e a consciência de que ele tem um compromisso com a educação permanente”, esclareceu Mota.
“A realidade atual, nós gostando ou não, é da educação digital”, como Mota prefere nomear. Entre 2010 e 2021, a EAD cresceu 307% no país, enquanto o ensino presencial decaiu 48%, afirmou o palestrante. “Então, precisamos aprimorá-la”.
Na percepção de Ronaldo Mota, as plataformas de aprendizagem no sistema público federal são muito limitadas. “Precisamos construir um sistema público federal de plataformas de aprendizagem, colocar em escala nacional. Um sistema que interligue todas as universidades, institutos e universidades estaduais. A qualidade das plataformas é o diferencial.”
As universidades públicas, que detém 90% da pesquisa feita no Brasil, padecem de muitas amarras, a começar da própria figura jurídica. “São autarquias da administração indireta, sob controle do TCU. Uma ideia que sempre surge é transformá-las em organizações sociais.” A OS é um tipo de associação privada, com personalidade jurídica, sem fins lucrativos, que recebe subvenção do Estado para prestar serviços de relevante interesse público. “Na minha opinião há demasiados riscos envolvidos, mas é uma opção a ser considerada, se assim entenderem os gestores responsáveis e a comunidade acadêmica diretamente envolvida.”
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