Leia artigo do Acadêmico Hernan Chaimovich, professor emérito do Instituto de Química da USP e ex-presidente do CNPq, publicado no Jornal da USP em 15/12:

Dois motivos me levam a submeter esta contribuição centrada nos Institutos Nacionais de Ciência e Tecnologia (INCTs). O primeiro deles é a importância de apresentar uma descrição resumida de um dos mais importantes programas federais de apoio à Ciência, Tecnologia e Inovação, o Programa-INCT, e dos perigos da sua descontinuação. O segundo motivo, bem mais pessoal, refere-se à minha análise e emoção ao participar da reunião anual do INCT de Fluídos Complexos (INCT-FCx) no mês passado.

Para começar, copio uma parte da página do Conselho Nacional de Ciência e Tecnologia (CNPq) referente a os INCTs:

O Programa Institutos Nacionais de Ciência e Tecnologia do Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT) foi aprovado em substituição ao Programa Institutos do Milênio, por meio da Portaria MCT nº 429, de 17/07/2008, e reeditado em 2014, pela Portaria MCTI nº 577, de 04/06/2014.

O art. 2º da Portaria de reedição define que:

Art. 2º Os Institutos Nacionais serão formados a partir de uma instituição sede, caracterizada pela excelência de sua produção científica e/ou tecnológica, alta qualificação na formação de recursos humanos e com capacidade de alavancar recursos de outras fontes, e por um conjunto de laboratórios ou grupos associados de outras instituições, articulados na forma de redes científico-tecnológicas que devem incluir pesquisadores de grupos em novos campi universitários, e/ou em instituições em regiões menos favorecidas.

Um INCT tem uma área científica como foco e sede no Estado onde a densidade de pesquisa nesse tema é maior. O INCT deve agrupar outros grupos que, dentro e fora do Estado da sede, tenham interesses de pesquisa na mesma área. O projeto de pesquisa, bem como a proposta de orçamento, são elaborados por todos os pesquisadores principais dos Estados participantes. As centenas de projetos apresentados aos editais de INCTs foram avaliados tecnicamente por comitês de cientistas brasileiros e estrangeiros e, com base nas suas recomendações, selecionados por um grupo do Ministério de Ciência e Tecnologia que inclui representantes das Fundações de Amparo à Pesquisa dos Estados.

As propostas aprovadas têm financiamento vindo do CNPq, de outras agências de fomento à pesquisa do Governo Federal, de empresas e das Fundações de Amparo à Pesquisa dos Estados onde um ou mais grupos fazem parte de um INCT. Assim, a participação de um ou mais grupos de pesquisa de um Estado em um INCT requer cofinanciamento pela Fundação de Amparo à Pesquisa desse Estado.

É possível ter acesso, na página do CNPq, à descrição parcial dos resultados dos INCTs até 2021. Os dados desta apresentação não informam à sociedade aspectos cruciais que permitiriam ao Estado, e ao contribuinte brasileiro, julgar se os resultados desta iniciativa estão sendo, ou não, compatíveis com os recursos investidos. Um desses componentes seria a avaliação do Programa-INCT de cada um dos INCTs.

O Programa-INCT, bem como os resultados e impactos dos INCTs, tem sido analisado diversas vezes desde a criação em 2008. Apresentações dos INCTs podem ser consultadas, por exemplo, em quatro seminários intitulados A contribuição dos INCTs para a sociedade. Esta série de seminários, organizados pelo CNPq e pela Academia Brasileira de Ciências (ABC) em 2022, está nos canais de YouTube de ambas as instituições.

A meu ver, é ainda necessária uma avaliação geral desta iniciativa por um grupo de cientistas e tecnólogos que incluísse maioritariamente especialistas estrangeiros. Esta ação deveria resultar em um documento de avaliação do Programa-INCT, de cada INCT e vir acompanhada de um Resumo Executivo. O Resumo Executivo deveria estar redigido em uma linguagem acessível a todos os segmentos sociais que se interessam por de que maneira (como) – e em qual medida (quanto) a criação de ciência, a formação de pessoal tecnologia e cultura afeta os seus interesses.

Pela minha experiência na presidência do CNPq, na participação em rodadas de avaliação, bem como membro de um dos INCTs, estou convicto de que o programa é, em geral, um sucesso. O mapa dos grupos participantes no Programa dos INCTs cobre o Brasil, mostrando que é possível desenvolver ciência de excelência com redes de pesquisa e focos bem definidos. As centenas de publicações científicas em revistas de alto impacto, muitas com autores de diferentes grupos de pesquisa, evidenciam a colaboração dentro dos INCTs. O conjunto dos institutos formou centenas de pós-graduados. Muitas das patentes depositadas por INCTs já foram licenciadas. Procedimentos e informações de interesse social vindos de INCTs já foram implantados, mostrando o impacto da transferência de conhecimento para a sociedade.

Claro que nem todos os INCTs produziram impactos semelhantes, mas as redes nacionais de pesquisa, a evolução e a expansão da densidade científica pelo país, as contribuições diretas ao bem-estar social, as bem-sucedidas interações com o setor privado são evidentes, merecem ser avaliadas e os resultados apresentados adequadamente para toda a sociedade.

Por que, então, se ouvem vozes, vindas de vários Estados da federação, que pretendem abolir este Programa? Os motivos daqueles que, neste momento, fazem pressão no CNPq e no MCTI para não mais lançar um edital de INCT são variados, mas me atrevo a assinalar o componente principal. Estados onde INCTs não têm sede, mas nos quais pesquisadores integram um INCT sediado em outra unidade da federação, alegam que seria mais conveniente que o CNPq/MCTI apoiasse diretamente o Estado em pauta, sem passar pelo crivo da análise competitiva dos projetos de INCT. É lamentável que, nesta oposição à continuidade do Programa, se desconsidere tanto o avanço científico/tecnológico nacional provocado pelos INCTs, quanto a desconsideração dos recursos alocados a grupos de pesquisa situados fora das sedes dos INCTs.

A análise anterior foi determinada pela emoção que acompanhou a minha participação na Reunião Anual do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia de Fluidos complexos, INCT-FCx. A missão deste Instituto, descrita na sua página na internet é:

O Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia de Fluidos Complexos (INCT-FCx) tem a missão de congregar profissionais das áreas de física (incluindo a biofísica), química (incluindo a bioquímica), biologia, imunologia, medicina, odontologia e matemática, em torno de problemas que requeiram um enfoque multidisciplinar. O INCT-FCx possui atividades de pesquisa, ensino e extensão. As atividades de pesquisa se destinam à geração de conhecimentos na fronteira das áreas do projeto, mantendo a característica multidisciplinar da abordagem. Elegemos três grandes famílias de fluidos complexos como objeto de estudo devido às suas características fundamentais que permitem uma integração de diferentes especialidades em sua abordagem: os cristais líquidos, os coloides magnéticos, e os fluidos de interesse biológico (em particular as lipoproteínas). Nesta família em particular, focalizamos os lipídios e proteínas, incluindo suas interações, estruturas e funções.

O INCT-FCx, sediado no Instituto de Física da Universidade de São Paulo, é composto por grupos de pesquisa de onze Estados da federação que trabalham para desenvolver de maneira coletiva esta desafiadora missão. Meia centena de líderes de pesquisa desenvolvem saberes fundamentais, pesquisa tecnológica, transferência de materiais, avanços em tratamentos médicos e difundem conhecimento.

Desde o começo dos trabalhos do grupo, os projetos colaborativos entre membros do INCT-FCx, os seminários virtuais mensais e os contatos pessoais durante as reuniões anuais vêm construindo uma linguagem compartilhada e compreensível à variedade de especialidades dos membros do Instituto. Construir as colaborações, bem como a linguagem compartilhada, é um feito notável, ainda mais considerando que a especialidade dos líderes de pesquisa se estende desde a física até a medicina, passando pela química e a nutrição.

Destaco que, das centenas de publicações científicas em revistas de alto impacto publicadas pelos líderes de pesquisa desde 2018, uma porcentagem significativa e crescente dos trabalhos são fruto de colaborações entre membros de grupos diferentes do INCT-FCx. Os grupos do instituto formaram dezenas de novos doutores, supervisionaram pós-doutores, deram palestras, coordenaram cursos em todos os Estados participantes e difundiram conhecimentos para a sociedade de formas diversas. Os contatos com o setor privado, em alguns casos, já resultaram em produtos comerciais.

A minha emoção não vem daí. Mês passado (novembro/2023), participei na reunião anual do INCT-FCx em um hotel perto de Atibaia (SP). Das centenas de participantes, mais da metade eram estudantes de iniciação científica ou pós-graduação, bem como pesquisadores de pós-doutorado. E, claro, eu, o mais velho da turma.

Bem, além da sensação sempre entusiasmante de ouvir, discutir e criticar ciência de nível excelente, a emoção da sessão de cartazes foi ímpar. As sessões de cartazes, apresentadas habitualmente por estudantes ou pesquisadores de pós-doutorado, são quase sempre à noite. Quando uma sessão de cartazes é bem-sucedida, como a dessa noite, o barulho da discussão científica pode ser ensurdecedor. Desta vez foi assim: a qualidade dos resultados apresentados por cientistas tão jovens merecia o barulho de discussões e a apresentação de dezenas de resultados experimentais em áreas distintas atraiu os mais experientes (idosos?) que, ao participar aqui e ali, rejuvenesciam.

A minha emoção, então, é ver que o INCT-FCx está dando certo, que a ciência de excelência espalhada pelo Brasil pode ser uma realidade e, também, que os jovens cientistas podem, certamente com mais qualidade, dar continuidade à contribuição científico-tecnológica da minha geração, e das seguintes. Emoção ao ver que a antiga contradição entre ciência de excelência e transferência concreta de conhecimento à sociedade e ao setor produtivo é possível de ser superada. E, claro, preocupação pelos ventos pouco auspiciosos que, ao não perceberem ou compreenderem a contribuição dos INCTs para o crescimento de um Brasil mais moderno e justo, se prendem a interesses pequenos.

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