A presidente da Academia Brasileira de Ciências (ABC), Helena Nader, participou no dia 13 de dezembro, dos Seminários Avançados em Saúde Global e Diplomacia da Saúde, promovidos pelo Centro de Relações Internacionais em Saúde da Fundação Oswaldo Cruz (CRIS/Fiocruz). O tema desta edição foi Saúde no G20, aproveitando que o Brasil estará na presidência rotativa no bloco em 2024. Como presidente da ABC, Nader lidera o Science 20 em 2024, que reúne as academias nacionais de ciência do G20.

O debate contou com a presença do diretor-geral da Organização Mundial da Saúde (OMS), Tedros Adhanom; da ministra da Saúde, a Acadêmica Nísia Trindade; do diretor-executivo do Instituto Pólis, Henrique Frota e da presidente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), Luciana Servo. A mediação ficou por conta do diretor do CRIS/Fiocruz, Paulo Buss.

As prioridades do Brasil em saúde no G20

A ministra da Saúde e Acadêmica Nísia Trindade

O lema escolhido para a presidência rotativa do Brasil no G20 foi “Construindo um mundo justo e um planeta sustentável”. Em saúde, isso significa principalmente duas coisas: combate às desigualdades e preparação para os desafios que as mudanças climáticas impõem à área. A ministra da Saúde, Nísia Trindade, abriu o debate lembrando que o país têm bons exemplos para as demais nações, já que conta com o Sistema Único de Saúde (SUS), experiência única em saúde universal ao redor do mundo.

Nesse sentido, o foco escolhido pelo Brasil na área foi a criação e fortalecimento de sistemas de saúde resilientes que orientem os investimentos em pesquisa dos países para suas necessidades. “Nenhuma inovação deve ser vista de forma isolada do sistema público de saúde”, sumarizou Trindade.

A ministra elencou quatro prioridades que deverão nortear os debates de saúde no G20: igualdade em saúde; prevenção e preparação para pandemias; saúde digital, expansão da telemedicina e integração de sistemas de dados; e mudanças climáticas e saúde. “O Brasil promoverá, através da experiência do SUS, o acesso universal à saúde como direito humano fundamental”, disse.

Serão realizados eventos em cada um desses eixos. No caso da preparação para pandemias, a ministra pretende promover alianças para produção regional de produtos estratégicos, conectando os principais agentes públicos e privados de forma a mitigar o grave gargalo ocorrido durante a pandemia, quando o mundo inteiro dependeu de cadeias de produção muito restritas à alguns países.

Quanto à saúde digital, além de promover discussões sobre práticas virtuais de atendimento e aplicações das cada vez mais modernas ferramentas de inteligência artificial, Trindade destacou a importância dos dados personalizados para a medicina de precisão, citando a experiência brasileira do Centro de Integração de Dados e Conhecimentos para Saúde (Cidacs), liderada pela Fiocruz e a Universidade Federal da Bahia (UFBA) .

O diretor da OMS, Tedros Adhanom

No caso das mudanças climáticas, é preciso reforçar cada vez mais o conceito de Saúde Única, que coloca a saúde humana como intrinsecamente ligada à saúde do meio ambiente. Outro anúncio da ministra foi a proposta de um mecanismo, pensado em conjunto com o Ministério da Economia, que permita a governos credores renegociarem dívidas de países em desenvolvimento, de modo que uma parte seja usada no investimento equivalente em sistemas de saúde robustos.

Para o diretor-geral da OMS, Tedros Adhanom, o período pós-pandemia oferece uma oportunidade única para que os países assinem acordos e regulações mais robustas de cooperação, mas isso ainda não está acontecendo. “Acesso universal à saúde é fundamental, mas mais da metade da população humana não está coberta por esse serviço”, lembrou, “atualmente, com as guerras e crises internacionais, governos estão inclinados para a austeridade e não lembram que saúde é um investimento no futuro”.

Dado o seu tamanho, a presença de um sistema de saúde público robusto e sua centralidade na questão ambiental faz do Brasil uma potencial liderança global nessas discussões. “Não é possível proteger a saúde das pessoas sem proteger o planeta. O Brasil deve ser proeminente tanto na promoção do acesso universal à saúde quanto na busca por um desenvolvimento em bases sustentáveis”, finalizou Adhanom.

Ciência e Saúde no G20: o papel do S20

A presidente da ABC, Helena Nader

Como presidente da ABC, Helena Nader liderará as discussões do Science 20 (S20) que ocorrerão durante a presidência rotativa do Brasil. Ela afirmou que o trabalho se dará com foco na ciência como agente de transformação e listou cinco áreas prioritárias: justiça social, inteligência artificial, bioeconomia sustentável, transição energética e saúde. “No caso dos desafios em saúde, o lema das Nações Unidas não poderia ser melhor: não podemos deixar ninguém para trás”, afirmou.

Nesse sentido, Nader demonstrou preocupação com a falta de avanço nos mecanismos de solidariedade e cooperação internacional. “Infelizmente essas coisas ficam no texto e acabam não acontecendo. Um exemplo é a ciência aberta, ainda temos menos exemplos do que gostaríamos em compartilhamento de informações, transferência de tecnologia e pesquisa colaborativa”, criticou.

A presidente da ABC defende que as discussões tenham um olhar atento às populações vulneráveis. Comunidades afastadas dos grandes centros são as que mais precisam do teleatendimento; mulheres, que sentiram os efeitos da crise sanitária de forma muito particular, também são a maioria entre as profissionais de saúde e precisam de um olhar focalizado; a população negra, a mais afetada pela desigualdade social brasileira, também precisa de uma  abordagem especial. “Precisamos identificar todos esses grupos vulneráveis, desenhar políticas pensando neles e avaliar seus impactos pensando neles”, afirmou Nader.

Um exemplo dessa desigualdade está na medicina de precisão, na utilização de dados genômicos. Como a maior parte dos dados existentes em saúde vêm de países desenvolvidos, eles são pouco informativos sobre as características genéticas da população brasileira, sobretudo a não-branca. “Precisamos melhorar o uso de dados do SUS e para isso precisaremos muito da ciência de dados, para integrarmos e reforçarmos o sistema com respeito à ética e à privacidade do paciente. Isso requer investimento, o que será mais do que compensado no futuro com a prevenção de doenças”, explicou Nader.

A presidente da ABC também abordou a questão da saúde mental e as interações entre clima e saúde no planeta. “Não adianta só fazer boa ciência, é preciso fazer uma ciência que seja utilizada pela sociedade, com impacto ambiental e social”, finalizou.

O papel dos think tanks e da sociedade civil

A presidente do Ipea, Luciana Servo, e o diretor-executivo do Instituto Pólis, Henrique Frota, representaram, respectivamente, o T20 e o C20, grupos de engajamento do G20 compostos por think tanks (T20) e pela sociedade civil organizada (C20). Ambos os grupos, assim como o S20, têm ampla margem para atuação conjunta e não restringem seus participantes à instituições oriundas dos países do G20. “Declarações conjuntas entre os grupos serão de imenso valor”, observou Frota.

Ambos apresentaram um pouco do esperado para as discussões dentro de seus grupos ao longo de 2024. Na área da saúde, eles destacaram a importância de inciativas transversais, enfatizando a necessidade de se reforçar a governança global e o multilateralismo nas negociações globais.

Assista ao seminário completo: