Agência FAPESP – A Amazônia foi pauta da nona edição da Cúpula de Ciências em 15/9, em Nova York. O evento integrou a agenda da 78ª Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (UNGA78) que, neste ano, teve como tema central “Paz, Prosperidade, Progresso e Sustentabilidade”.

O “Amazon Day: Science for the Amazon”, organizado pela Fapesp, reuniu pesquisadores, especialistas e lideranças de povos indígenas, entre outros, para discutir o papel da ciência, tecnologia e inovação na transição para um modelo de desenvolvimento sustentável da região amazônica.

“A Fapesp, ao longo da história, junto com agências nacionais de fomento, tem ajudado a financiar muitas pesquisas na Amazônia, sobretudo sobre as mudanças climáticas e o papel da floresta tropical no que diz respeito ao regime de absorção e emissão de CO2 [dióxido de carbono] e todas as outras consequências sobre a modelagem climática que a região tem para o Brasil, para a América do Sul e para o mundo como um todo”, disse Carlos Américo Pacheco, diretor-presidente do Conselho Técnico-Administrativo (CTA) da Fapesp, durante a abertura do evento.

“A novidade agora é que, além de olharmos para os serviços ambientais da floresta, a gente também tenta endereçar questões relacionadas à população que vive na região, buscando alternativas de criação de emprego e renda compatíveis com o objetivo de manter a floresta em pé”, completou, citando o exemplo da Iniciativa Amazônia+10, liderada pelo Conselho Nacional das Fundações Estaduais de Amparo à Pesquisa (Confap), que reúne 25 Fundações de Amparo à Pesquisa (FAPs) estaduais, entre elas a Fapesp.

O evento foi dividido em quatro painéis de discussão. O primeiro deles, mediado por Pacheco, abordou o uso de satélites e análise geoespacial como ferramentas de pesquisa e de monitoramento do desmatamento na Amazônia, a partir da experiência brasileira com o tema nos anos 2000, com os sistemas Prodes e Deter.

“Foi no Inpe [Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais] que se treinaram as primeiras equipes para entender o que era uma imagem de satélite, o que a gente poderia fazer com aquilo, como podíamos analisá-las. Criou-se uma cultura de sensoriamento remoto que, do Inpe, se espalhou pelo mundo todo”, disse Thelma Krug, presidente do Global Climate Observing System, ex-vice-presidente do Painel Intergovernamental sobre Mudança do Clima (IPCC) e membro do Conselho Superior da Fapesp.

Ima Vieira, assessora da Presidência da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep) e pesquisadora titular do Museu Paraense Emílio Goeldi – do qual foi diretora na gestão 2005-2009 –, destacou a importância dos programas de monitoramento da região. “Têm sido muito importantes, principalmente para a aplicação de políticas públicas. Graças a esses programas nós pudemos ter a taxa de desmatamento anual. E o Inpe foi além. Começou a observar como a extração madeireira também estava destruindo a Amazônia, mas de uma forma mais sutil. As árvores ficam de pé, mas estão sendo degradadas”, disse.

Clarissa Gandour, professora na Escola de Economia de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas (FGV-EESP), e que anteriormente foi pesquisadora sênior e coordenadora de Avaliação de Políticas Públicas para Conservação no Climate Policy Initiative (CPI/PUC-Rio), afirmou que hoje o gargalo não está no monitoramento e sim na capacidade de resposta. “Já estamos enxergando em altíssima definição o que está acontecendo. Os esforços de comando e controle continuam fundamentais, mas a gente tem de assegurar o cumprimento da lei. Recuperar e fortalecer a capacidade de Estado”, ressaltou.


Várias Amazônias

O segundo painel contou com a presença de representantes do setor privado, do setor público e do terceiro setor, num debate sobre o uso do paradigma da inovação orientada por missões para estruturar o financiamento à pesquisa e desenvolvimento (P&D) na Amazônia, direcionando esforços de inovação para a resolução dos desafios sociais e ambientais complexos da região.

“A ideia de ter missões ou de orientar pesquisas por meio de missões é uma ideia antiga, inspirada na ida do homem à Lua, que busca tentar resolver problemas de natureza complexa, que não envolvem só uma área do conhecimento e sim um conjunto integrado de ações. Hoje, uma grande parte dos esforços mundiais, em paralelo com os desafios globais, está se organizando dessa maneira. No caso do Brasil, temos um desafio muito claro para a agenda de futuro: a Amazônia, pela complexidade do assunto.”

Na avaliação de Lívia Pagotto, secretária-executiva da iniciativa Uma Concertação pela Amazônia e gerente sênior de Conhecimento no Instituto Arapyaú, o primeiro passo para pensar em qualquer alternativa econômica para a região é reconhecer que a Amazônia é diversa. “Existem várias Amazônias. E é fundamental valorizar o conhecimento local. Fica evidente que há muito conhecimento local, mas faltam recursos. Este é um vasto campo para trabalharmos juntos”, afirmou.

Patrícia Ellen, presidente da Systemiq no Brasil e ex-secretária de Desenvolvimento Econômico, Ciência e Tecnologia de São Paulo, reforçou a urgência de uma ação conjunta. “O Brasil é um país que envelheceu como a Suécia, mas em que ainda se morre como na África do Sul e se mata como na Síria. Essa frase sempre assusta as pessoas, mas é verdade. Nosso dever é integrar essa agenda de saúde, clima, economia e gente. Nosso maior desafio é nossa maior solução; não tem outra saída senão nos unir. A abordagem de missões vai permitir que a gente alcance esses objetivos”, defendeu. 


O potencial da bioeconomia

A bioeconomia como política de desenvolvimento econômico foi o tema do terceiro painel. “Esta é uma oportunidade única para avançarmos nas discussões do tema, que de um lado traz a extraordinária biodiversidade da região e, do outro, o desenvolvimento econômico e social. Vamos discutir como, por meio da bioeconomia e sobretudo com a ciência, tecnologia e inovação, poderemos dirigir políticas na região”, disse Marcio de Castro Silva Filho, diretor científico da Fapesp e mediador da mesa.

“É muito importante a academia estar promovendo debates como este, trazendo pessoas dos territórios, pessoas indígenas, para participar”, disse Raquel Tupinambá, coordenadora do Conselho Indígena Tupinambá do baixo Tapajós Amazônia (Citupi), localizado na Reserva Extrativista Tapajós-Arapiuns, onde existem 23 aldeias. “Nós, enquanto amazônidas, temos uma trajetória de genocídio e de inferiorização. Durante muito tempo nos encaixaram no lugar de selvagens e diziam que a Amazônia deveria ser um espaço a ser ocupado, integrado. Nós ocupamos a Amazônia há pelo menos 12 mil anos e, nesse período, sempre esteve sendo desenvolvida ciência e tecnologia ali.”

Para Salo Coslovsky, professor associado da Universidade de Nova York (Estados Unidos), coordenador do Infloresta e pesquisador associado do projeto Amazônia 2030, a Amazônia, em termos globais, sempre foi a periferia da periferia. “O Brasil se desenvolveu muito tempo de costas para a Amazônia. Muito do que a gente vê na região foi levado de fora, não foi desenvolvido localmente. São interesses, produtos, técnicas e modelos econômicos de fora. Quem é de lá sempre sentiu esse contraste. Mas só agora, com a Amazônia no epicentro das batalhas contra as mudanças climáticas, que se percebeu a necessidade de buscar um modelo novo, aprendendo com quem está lá e dando destaque para o papel importante do conhecimento tradicional”, disse. Para Salo, o potencial da bioeconomia na região é ilimitado. “Difícil mensurar em dinheiro. Pode vir a ser astronômico”, avaliou.

Francisco Costa Assis, professor da Universidade Federal do Pará (UFPA) no Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Sustentável do Trópico Úmido do Núcleo de Altos Estudos Amazônicos (NAEA), alertou para a necessidade de readequar a visão sobre a economia local, especialmente em relação à exportação dos produtos regionais. “Dada a característica afetiva dessa economia, as estratégias devem ter outro ponto de partida. A base de exportação dessa economia da sociobiodiversidade não é o mundo, é o Brasil. O principal mercado do açaí, por exemplo, é local. O segundo é nacional. O açaí cresceu, ganhou escala, potência, mas o mercado externo representa só 2%. O mesmo com a castanha. O desafio da ciência é dar conta de estratégias desse nível, levando em conta as características da região”, destacou.

Para André Baniwa, diretor no Ministério dos Povos Indígenas e liderança do povo Baniwa, e, desde janeiro de 2005, vice-presidente da Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro (Foirn), na perspectiva indígena, a bioeconomia não tem a ótica econômica como prioridade. “Gerar milhões, bilhões, trilhões não é o primeiro lugar no pensamento indígena. Ainda estamos na luta pela aceitação da sociedade. Tem uma grande parte que não aceita a nossa existência. Quando alguém reconhece a pimenta Baniwa, a cestaria Baniwa, eles passam a te respeitar, te reconhecem”, disse.

“Com esse panorama tão diverso, fica evidente que não há uma solução única, não tem uma bala de prata para resolver a questão, em função dessa extraordinária diversidade das diferentes Amazônias”, complementou o diretor científico da FAPESP. 


Três crises interligadas

No quarto e último painel, a discussão girou em torno da sociobiodiversidade e das mudanças climáticas. Mediado pelo biólogo Adalberto Luís Val, pesquisador e professor no Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), Comendador da Ordem Nacional do Mérito Científico e membro titular da Academia Brasileira de Ciências desde 2005.

“Temos três crises em curso hoje: a crise climática, a crise da biodiversidade e a crise social extremamente pronunciada. Duas dessas crises, paradoxalmente, são tratadas de forma independente. Inclusive pela própria ONU. Está na hora de a gente começar a pensar numa integração disso. As três crises estão interligadas”, afirmou Adalberto.

Patrícia Pinho, diretora científica adjunta do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam), foi a autora principal do último relatório do IPCC sobre impacto, vulnerabilidade e adaptação às mudanças climáticas. Ela traçou um panorama sobre a região. “A Amazônia é listada como a primeira das cinco razões para se preocupar com as mudanças climáticas, segundo o IPCC. A região é altamente suscetível ao aumento das temperaturas globais. Cerca de 20% dessa floresta já foi desmatada. Em torno de 38% do que resta já está degradada, ou seja, já perdeu as funcionalidades que exercia. E o Brasil tem esquecido do tecido social, da economia que ali circula, e que também é vulnerável a essas crises. Esquecemos desses pontos de não retorno não só ecológicos, mas sociais também.”

A liderança indígena Vanda Witoto, educadora, ativista e consultora de Cultura Indígena no Estado do Amazonas e membro de Uma Concertação pela Amazônia, falou sobre a defesa dos territórios dos povos originários. “A garantia do território ainda é uma luta muito grande para os povos indígenas. E esses territórios, como apontam as pesquisas de vocês, são fundamentais para o enfrentamento das mudanças climáticas. Porque é dentro desses territórios que ainda se tem a maior diversidade de floresta preservada, a maior porcentagem de floresta viva.” E complementou: “[A sociedade] não se reconhece enquanto natureza. E, por isso, não temos capacidade nenhuma de olhar para esses elementos sagrados e cuidar, proteger, não desmatar, não escavar para mineração. O meu corpo fala: ‘precisamos voltar para a roça’. É lá que se ensinam valores dessa relação. A Amazônia foi plantada originalmente pelos povos indígenas. Foi semeada e continua sendo por nossas gerações. Mas, com todos esses impactos nos nossos territórios, nós também estamos saindo de lá.”

“Eu me iludi que a gente tinha feito algumas conquistas civilizatórias no Brasil e no mundo e que elas estavam lá para ficar. É uma visão ingênua e linear do processo histórico. Na verdade, a gente perdeu muito nos últimos anos”, disse Eduardo Neves, diretor do Museu de Arqueologia e Etnologia da Universidade de São Paulo (MAE-USP) e membro do Brazil Lab na Universidade Princeton (Estados Unidos), que realiza pesquisa na Amazônia desde 1999. “Mas é impressionante ver que, mesmo frente a essas derrotas, que foram muito pesadas, algumas instituições como o Museu, o Inpa, a Federal do Pará, permanecem. Mostra que existe uma força na ciência amazônica do Brasil. Temos de aproveitar esse momento para fortalecer, investir nas instituições de ensino e pesquisa da região e no Brasil como um todo, repovoar essas universidades e criar uma massa crítica.” 


O conteúdo na íntegra dos quatro painéis pode ser acessado aqui.

Acesse a matéria original no site da Agência Fapesp