A cerimônia de diplomação dos novos membros afiliados da Academia Brasileira de Ciências para Minas Gerais e Centro-Oeste foi realizada no dia 13 de setembro, na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), em Belo Horizonte. Para recepcionar os cinco novos Acadêmicos, a ABC convidou dois de seus membros titulares para ministrarem palestras magnas durante a cerimônia. Confira como foi:
Ruben Oliven: Verdadeiro ou falso: afinal, o que é real?
O antropólogo Ruben Oliven, vice-presidente da ABC para a Região Sul, foi convidado para ministrar uma das palestras magnas da recepção aos novos afiliados. Ele tratou das questões da verdade e da autoridade científica, rememorando episódios históricos em que a ciência serviu para dar chancela à interpretações equivocadas e até mesmo perigosas. “Durante muito tempo se achou que a Terra era o centro do Universo, que a física era absoluta e que os continentes eram fixos. Durante muito tempo acreditou-se que os médicos não precisavam lavar as mãos antes de cirurgias. Deveríamos ter um pouco mais de modéstia com a ideia de que a ciência sabe tudo”, refletiu.
A ciência trabalha com uma noção de verdade respaldada por evidências e, em alguns momentos, essa autoridade é decisiva. “Durante a pandemia a autoridade científica foi politicamente muito importante. Foi fundamental para combater o obscurantismo e reafirmar o papel da pesquisa, por exemplo. Mas, no geral, precisamos ter calma”, afirmou Oliven.
Ele trouxe o pensamento do linguista austríaco Tzvetan Todorov, que afirmava existirem dois tipos de verdade. A primeira é a verdade de correspondência, absoluta. “Eu posso afirmar com total certeza que estou em Belo Horizonte no dia de hoje, e não em Porto Alegre”, exemplificou.
Entretanto, existe um outro tipo de verdade muito mais subjetiva, chamada verdade por desvelamento. Nesse caso, não existe um critério único e absoluto para dizer qual é a verdade, então defini-la passa, necessariamente, por levar em conta critérios múltiplos, como discurso, autoridade e experiência acumulada. “Por exemplo, qual é a verdade sobre as motivações por trás de uma ideologia, ou sobre qual o perfil do cidadão médio brasileiro?”.
Oliven trouxe diversos exemplos desse último tipo de verdade para mostrar que ela é, com muita frequência, objeto da ciência. “Mesmo para um número aparentemente concreto, como o da inflação, temos vários tipos de índices que mostram a verdade por lentes diferentes. Agora imagine aferir coisas mais subjetivas como o nível de felicidade de uma população, por exemplo. Nesse caso, deveríamos falar de hormônios ou de expectativas sociais?”.
A verdade por desvelamento também pode ser observada nas questões de identidade. “No último Censo tivemos um aumento expressivo na população indígena, o que não é explicado pelo crescimento populacional. O que cresceu foi o número de pessoas que se consideram indígenas”, exemplificou.
Reconhecer que a verdade é mais ampla do que o escopo da ciência deve ser uma reflexão para todos os cientistas. Nesse sentido, Oliven terminou destacando o ingresso do xamã Yanomami Davi Kopenawa como membro colaborador da ABC, ocorrido em 2021. “Foi uma forma de a Academia reconhecer que existem outras formas de conhecimento, outras formas de verdade. No caso de Kopenawa, uma verdade intimamente ligada à questão ambiental, um imperativo dos dias atuais”.
Débora Foguel: O papel da inflamação nas doenças amiloidogênicas – neutrófilos e suas redes extracelulares
A bioquímica Débora Foguel, membra titular da ABC, ministrou a segunda palestra magna do dia. Sua apresentação focou nas chamadas doenças amiloidogênicas, principal objeto de estudo de seu grupo no Laboratório de Agregação de Proteínas e Amiloidoses (LAPA) da UFRJ.
As proteínas das nossas células são sintetizadas como um longo fio de aminoácidos, tal qual um colar de contas. Após a síntese, esse fio é dobrado para formar diferentes estruturas, dependendo da função que cada proteína irá exercer. As doenças amiloidogênicas ocorrem quando esse enovelamento se dá de forma incorreta, formando verdadeiras maçarocas proteicas que dão origem a doenças como Alzheimer, Parkinson, polineuropatia amiloidal familiar, esclerose anormal amiotrófica, entre outras mazelas. “Nosso objetivo no laboratório é entender o porquê de, em determinadas pessoas, as proteínas desviarem de sua rota normal e formarem maçarocas”, explicou Foguel.
Esses agregados proteicos, chamados fibras amiloides, se depositam em diversos tecidos do corpo, interferindo em processos fundamentais para o seu funcionamento normal. “Quando elas se depositam no hipocampo, geram a perda de memória que observamos na Alzheimer. Quando se depositam nos neurônios dopaminérgicos, levam à perda de movimentos do Parkinson, e assim por diante”, exemplificou a Acadêmica.
Uma das formas que o corpo tem de combater esse problema é através dos neutrófilos, células do sistema imune que reconhecem os agregados como corpos estranhos e iniciam sua degradação. Esse processo se dá pela liberação de armadilhas extracelulares de DNA, chamadas NETs (Neutrophil Extracellular Traps), que aprisionam e quebram os patógenos. Entretanto, quando esse processo ocorre contra as fibras amilóides ele pode tornar a situação ainda mais grave. “Através de estudos em animais, mostramos que as fibras picotadas pelas NETs são ainda mais tóxicas do que as fibras inteiras, gerando consequências mais severas”, alertou.
“Isso mostra que, se eu desenvolvo um tratamento para doenças amiloidogênicas que quebra essas fibras em estruturas menores, eu posso estar até prejudicando meu paciente. Entender todo esse processo é fundamental para a medicina”, finalizou Foguel.
Saiba como foi a recepção dos novos membros afiliados.
Assista a cerimônia completa: