A experimentação, tão fundamental à ciência, é algo natural na infância. O biólogo Eugenio Damaceno Hottz, membro afiliado da Academia Brasileira de Ciências (ABC), inventava filtros de água, furadeiras e até tentou “criar petróleo” no quintal de casa, mas nessa época nem cogitava ser cientista. “Uma vez enterrei restos de plantas numa lata de metal pra ver se fazia petróleo, infelizmente não funcionou”, se diverte relembrando.
Eugenio cresceu em Barra Mansa, município vizinho à Volta Redonda, no interior do Rio de Janeiro. Os pais tinham um pequeno comércio ao lado de casa e Eugenio só não foi o primeiro da família a ingressar na faculdade porque o irmão, um ano mais velho, entrou antes dele. Na adolescência essa perspectiva lhe parecia distante e ele pensava em arranjar um emprego o mais cedo possível.
Por isso, desde os 13 anos ele e os irmãos começaram a trabalhar meio período, em comércios do bairro e ajudando os tios pedreiros, até concluírem o ensino fundamental. O ensino médio foi à noite, para conseguir trabalhar à tarde e fazer curso profissionalizante em mecânica pela manhã. No terceiro ano, Eugenio largou o ensino médio e prestou concurso para sargento do Exército. Foi aí que teve o primeiro contato com a área da saúde, trabalhando em um hospital militar em Itatiaia, RJ.
Essa rotina exaustiva continuaria na faculdade. Eugenio cursou biologia na Universidade de Barra Mansa, onde conheceu o professor Elvino Ferreira, cuja aula de biologia molecular ele adorava. Através de Elvino, Eugenio conheceu Jean Luiz Simões, pesquisador da Embrapa, que aceitou o jovem em seu laboratório para a iniciação científica. Outra importante influência foi a professora Luciana Medeiros, de microbiologia, que apresentou o jovem ao lugar onde faria pós-graduação, a Fiocruz. “Prestei a prova para o mestrado na Fiocruz à tarde e fui colar grau em Barra Mansa à noite”, conta.
O ingresso no mestrado foi um ponto crucial na vida de Eugenio Hottz, pois ele poderia pedir dispensa do Exército para focar exclusivamente na carreira científica. Mas a liberação não veio fácil e Eugenio contou com o apoio valioso do professor Márcio Neves Boia, então coordenador do programa de medicina tropical, que segurou sua matrícula pelo tempo necessário. “Ele me deixou muito à vontade para escolher o orientador no correr das disciplinas, processo que me tomou quase um ano do mestrado”, agradece.
Depois de concluir as matérias no primeiro ano, Eugenio escolheu a membra titular da ABC Patrícia Bozza como orientadora. Foi nessa época que ele conheceu a linha de pesquisa que seguiria até o fim do doutorado, estudando o papel das plaquetas na resposta imunológica contra a dengue. “Na época eu não sabia nada de plaquetas, mas tinha muito interesse em imunologia e virologia, em especial na patogênese da dengue, cujas epidemias marcaram o Rio de Janeiro”, conta.
Eugenio também contou com a coorientação valiosa do irmão de Patrícia, Fernando Bozza. “Ambos, Patrícia e Fernando, além de outro irmão, o Marcelo Bozza, foram muito importantes para a minha formação científica. Com eles, aprendi a trabalhar a partir da pergunta e a concluir a partir da evidência”.
Após receber o título de doutor, em 2014, Hottz fez dois anos de pós-doutorado antes de passar num concurso para professor da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF). Hoje ele continua trabalhando com plaquetas, mas expandiu seu escopo para além da dengue, abrangendo as doenças cardiovasculares, a obesidade e a covid-19. “Nós estamos investigando como as plaquetas participam na regulação dessas respostas, tanto aquela que elimina o patógeno quanto aquela que induz tolerância para não deixar a inflamação crescer exageradamente e afetar o paciente”, explica.
Para ele, a ciência funciona como um jogo de quebra-cabeças, em que o cientista vai adicionando peças e testando seu encaixe. “Na minha área, acho muito interessante acumular evidências que nos permitam quebrar a barreira imaginária entre o que é sistema imunológico e o que é coagulação, e como componentes desses dois sistemas como as plaquetas e o os leucócitos cooperam, avançando assim para um conhecimento mais integrado”, conta.
Mas a imunologia é apenas um dos muitos interesses intelectuais do Acadêmico, que também é fascinado por filosofia da ciência. Ele acredita que, no Brasil, ainda ensinamos pouco sobre o pensamento por trás da ciência e focamos muito no resultado ou no produto. “Ainda temos uma apresentação da ciência na educação básica a partir de um detentor do conhecimento que o apresenta ou “transfere” aos que não o detém, quase como um discurso de autoridade. A pandemia deixou bem claro o quanto isso é perigoso, pois nos formamos muito vulnerável às fake news, acostumados a receber informação desconsiderando seus processos de construção”.
Outra paixão sua é a música. Eugenio aprendeu cedo a tocar violão por influência da família nos cânticos da igreja e durante a adolescência foi aluno de um projeto de música na escola, quando aprendeu teoria musical e trompete. Já adulto, o amor pela música o apresentou à dança, e hoje ele faz aulas de forró, roots e samba. “Até pouco tempo atrás eu nem acreditava que saberia dançar um dia. Hoje quero sair para dançar quase todo fim de semana”.
Quando está em casa, o Acadêmico gosta de ler, hábito que traz desde a juventude em Barra Mansa. Durante a pandemia, desenvolveu a prática da jardinagem, mantendo um jardim de hortaliças. E tem um fiel escudeiro, o cachorrinho Floki. “O Floki não me acompanha no laboratório, mas é parceiro inseparável na hora de escrever artigos e projetos”, contou Eugenio Hottz.