O Jornal da USP está realizando uma série de oito reportagens sobre um tema muito atual: a desinformação. Um problema de século XXI, o crescimento no poder de propagação e assimilação de informações falsas veio com a internet e, particularmente, com as redes sociais e afetou quase todas as áreas do debate público. Na ciência, o estrago pôde ser visto com maior intensidade durante a pandemia, ao custo de milhares de vidas. Mas a desinformação não é apenas um problema para a ciência, mas também um objeto de pesquisa, e o Jornal da USP buscou ouvir especialistas, entre eles alguns Acadêmicos, em matérias quinzenais.

Confira as cinco edições lançadas até agora:

Armas de desinformação em massa – 14/07/2023

Primeira reportagem de uma série especial produzida pelo Jornal da USP analisa as motivações, estratégias e consequências práticas da pandemia de informações maliciosas que tomou conta do mundo na era digital

“São 5 horas da manhã quando o alarme do celular começa a tocar. Joana estica o braço para apanhar o aparelho, e a primeira coisa que faz, antes mesmo de levantar a cabeça do travesseiro, é dar uma espiada nas suas redes sociais. O grupo de WhatsApp da família está cheio de mensagens de parentes preocupados com a segurança da nova vacina contra a covid-19, que alguns dias atrás fora liberada para aplicação em crianças. Joana não sabe o que fazer; ela tem um filho de sete anos e sempre confiou nas vacinas, mas agora está em dúvida. Uma mensagem compartilhada por sua irmã diz que a vacina causa problemas cardíacos e que algumas pessoas chegaram a morrer depois de tomar o imunizante. Um outro texto, compartilhado por um tio, diz que a vacina causa infertilidade e que nenhuma criança morreu até hoje de covid-19. Por que, então, correr esse risco?

Todas as mensagens vêm acompanhadas de links para postagens de pessoas que se apresentam como médicos no Facebook e de notícias de jornais que Joana nunca ouviu falar, mas que lhe parecem veículos legítimos — a julgar pelo nome e pela aparência dos sites, pelo menos. Ela decide esperar o marido voltar do trabalho para tomar uma decisão. Nesse meio tempo, por via das dúvidas, compartilha algumas das mensagens no grupo de mães da escola. “Vai que é verdade”, pondera ela. “Melhor avisar.”

Josias, o marido, é motorista de aplicativo e trabalha de madrugada. Ele recentemente comprou uma arma para se proteger de uma onda de violência que está tomando conta da cidade, segundo informações compartilhadas por colegas de volante numa rede social. Uma das mensagens, atribuída à Polícia Militar, alerta que “estamos vivendo em tempos de guerra” e orienta as pessoas a comprar carros blindados e não sair de casa após as dez horas da noite. Mas Josias precisa trabalhar. Ele chega em casa furioso com uma notícia que visualizou no Twitter alguns minutos antes, postada por um deputado federal, dizendo que o projeto de lei das fake news que está tramitando no Congresso Nacional vai proibir a reprodução de versículos da Bíblia na internet. “Comunistas satanistas querem censurar a palavra de Jesus!”, vocifera ele, enquanto compartilha a mensagem nas suas redes sociais.

Joana e Josias são personagens fictícios, criados para ilustrar esta reportagem, mas que contam histórias reais do multiverso digital em que vivemos: um mundo infestado de informações enganosas e infiltrado por sofisticadas redes de desinformação, que expõem milhões de pessoas a uma dieta sistemática de mentiras e teorias da conspiração, antes mesmo do café da manhã. Todas as “notícias” mencionadas acima são informações falsas que realmente circularam pelas redes sociais nos últimos anos, deturpando a realidade, sequestrando evidências, inventando fatos e semeando sentimentos de ódio, medo e desconfiança na população. O comportamento do casal reflete a maneira como a maioria das pessoas consome e retransmite informações atualmente: pela tela de um telefone celular, via aplicativos de mensagens e redes sociais, repetidas vezes ao dia.”

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Leia a reportagem completa no Jornal da USP


Navegar é preciso! Regular (as redes) também – 28/07/2023

Segunda reportagem de uma série especial do Jornal da USP mostra como a desinformação abriu um debate global sobre a necessidade de regulamentação das plataformas digitais para proteger a democracia e a liberdade de expressão

Em 2023, estima-se que cerca de 4,9 bilhões de pessoas usem redes sociais em todo o mundo. É esperado que esse número salte para aproximadamente 5,85 bilhões de usuários até 2027. Esses usuários não estão vinculados a uma única plataforma: atualmente, muitos de nós espalhamos nossa presença digital por diversas plataformas e passamos cerca de 145 minutos nas redes sociais todos os dias.

Não por acaso, nos últimos anos, os discursos veiculados em redes como Facebook, Twitter, TikTok e Instagram têm cada vez mais influenciado o destino político do planeta. Entretanto, embora seja natural presumir que a comunicação constante seja saudável para os sistemas participativos, o avanço da desinformação e das notícias falsas tem se mostrado, para dizer o mínimo, preocupante.

Nesta semana, estudos publicados em revistas como Science e Nature analisaram o impacto do conteúdo do feed de notícias do Facebook nas experiências e crenças dos usuários nos Estados Unidos durante a eleição de 2020, por meio de experimentos com ajustes no algoritmo. Embora os ajustes tenham alterado o conteúdo visualizado pelos usuários, não foram encontrados efeitos mensuráveis em atitudes políticas e comportamentos.  As conclusões são objeto de controvérsia, com a plataforma defendendo que as redes sociais têm impacto político limitado, enquanto pesquisadores de várias áreas discordam dessa posição. Mais estudos estão planejados para obter conclusões definitivas sobre o impacto das redes sociais – e da disseminação de desinformação – na democracia.

No Brasil, de acordo com o Panorama Político 2023, pesquisa realizada pelo Senado Federal, pelo menos 76% da população foi exposta a informações possivelmente falsas sobre política no segundo semestre de 2022. A pesquisa revelou que 89% dos entrevistados tiveram contato com notícias políticas que eles acreditavam serem falsas nas redes sociais, sendo 67% através de aplicativos de mensagens e 83% em redes como Facebook, Instagram e YouTube. Além disso, o estudo mostrou que as notícias falsas originadas nas redes são amplamente difundidas por meio de conversas com amigos e colegas (66%), noticiários de TV (65%), conversas com familiares (57%), jornais e revistas locais e nacionais (55% e 53%, respectivamente).

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Leia a reportagem completa no Jornal da USP.


Desinformação científica: uma pandemia de mentiras

Esta terceira reportagem da série especial do Jornal da USP analisa os possíveis impactos das notícias falsas e teorias conspiratórias sobre a percepção pública das vacinas e da ciência no Brasil

A médica sanitarista e pediatra Jorgete Maria e Silva está acostumada a esclarecer dúvidas sobre a segurança de vacinas. É uma atribuição básica do seu trabalho no Ambulatório de Reações a Vacinas (RAV), que ela coordena no Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (HCFMRP) da USP. Dúvidas e preocupações são comuns há bastante tempo, relata ela, motivadas em parte pelo sucesso dos próprios imunizantes, que fizeram muitas das doenças contra as quais eles protegem parecerem coisas do passado. “As pessoas não têm mais medo da doença, elas têm medo do que o filho delas pode apresentar depois de tomar a vacina”, diz a pediatra.

A situação piorou muito nos últimos anos, ressalta ela. Além das preocupações cotidianas sobre febre, dores e eventuais contraindicações de um determinado imunizante, começaram a surgir medos infundados sobre o risco de as vacinas alterarem o DNA, afetarem a inteligência, causarem infertilidade ou até mesmo a morte de crianças. “Começou com a da covid, mas acabou extrapolando para qualquer vacina”, relata Silva. Quase sempre, segundo ela, a fonte da desinformação são as redes sociais; e nem sempre os médicos conseguem mudar a percepção dos pacientes. “As fake news ganharam uma força muito grande”, lamenta a médica. “O que a gente fala de correto não suplanta o que as pessoas veem nas redes sociais.”

O relato dela ao Jornal da USP está em sintonia com os resultados de uma pesquisa realizada no início deste ano pela Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP), em parceria com o Instituto Questão de Ciência (IQC), com mais de 980 pediatras, que apontou as mídias digitais — em especial, as redes sociais — como principal fonte de hesitação vacinal entre as famílias atendidas por esses profissionais. “Estamos falando de um fenômeno que tem uma dependência muito grande dessas estratégias de comunicação”, disse o coordenador do levantamento e professor de Psicologia Social da Universidade de Brasília (UnB), Ronaldo Pilati. “As pessoas estão passando muito tempo dentro dessas plataformas, consumindo muita informação e produzindo atitudes com base nisso.”

Reconhecido mundialmente pela excelência de seu Programa Nacional de Imunizações (PNI), criado em 1975, o Brasil passou a registrar, desde 2016, uma queda “acentuada e perigosíssima” das suas taxas de cobertura vacinal, alerta o presidente da SBP, Clóvis Constantino. Um problema que, segundo ele, foi agravado por várias razões na pandemia — entre elas, a desinformação sobre a segurança das vacinas da covid-19.

Apesar da ótima cobertura conquistada nas doses iniciais de vacinação contra a covid em adultos, apenas 11% das crianças menores de 5 anos estavam devidamente imunizadas (com duas ou três doses vacinais) contra a covid-19 até agosto deste ano, segundo dados enviados à reportagem pelo Observatório de Saúde na Infância da Fiocruz.

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Desinformação disfarçada de ciência

Quarta reportagem da série especial do Jornal da USP reflete sobre as responsabilidades de pesquisadores e editoras no combate ao mau uso da ciência na comunicação digital

Todo dia a história se repete: a professora Alicia Kowaltowski abre sua caixa de e-mails e encontra um punhado de mensagens enviadas por revistas das quais ela nunca ouviu falar e assinadas por editores que ela não conhece, convidando-a a publicar os resultados de suas pesquisas em suas nobres páginas. O escopo das revistas, em geral, não tem qualquer relação com a sua área de estudo; mas não importa, são mensagens automatizadas, genéricas, disparadas em massa para cientistas, médicos e engenheiros ao redor do mundo com o único objetivo de recrutar clientes — neste caso, pesquisadores em busca de um lugar para publicar suas pesquisas. “Estamos sendo inundados com esses convites para publicar em revistas muito pouco reputáveis e sem qualquer crivo de qualidade”, diz Kowaltowski, professora titular do Instituto de Química (IQ) da USP e especialista em metabolismo energético — o processo pelo qual as células do nosso corpo produzem e consomem energia.

“Acreditamos que sua pesquisa se encaixa perfeitamente no escopo da nossa revista. Sendo assim, gostaríamos de convidá-la a submeter os achados de seu trabalho para publicação”, diz um dos e-mails. “Tendo em vista seu imenso histórico de pesquisa, aspiramos a publicar seus estimados artigos, de qualquer tipo”, afirma outro. A maioria das mensagens inclui links e prazos para a submissão rápida de trabalhos. Uma delas menciona a taxa de publicação no próprio e-mail: US$ 2.300 por artigo, com desconto de 50% se o texto for enviado até 31 de dezembro.

O problema não é novo, mas cresceu de forma “explosiva” nos últimos anos, diz Kowaltowski. Ela nem perde mais tempo lendo as mensagens e manda tudo para a caixa de spam, mas não adianta: os convites não param de chegar. As revistas podem não ter credibilidade, mas são reais, insistentes, e muitos pesquisadores acabam sendo fisgados pela promessa tentadora de uma publicação rápida, simples e potencialmente mais barata de seus trabalhos, em comparação com o que é tradicionalmente cobrado e exigido pelos periódicos de maior prestígio. É assim que funciona o mercado das chamadas “revistas predatórias”, que dizem aplicar revisão por pares e manter boas práticas editoriais, mas, na verdade, publicam praticamente qualquer coisa mediante pagamento. Submeteu, pagou, publicou — simples assim.

Não existe uma “lista oficial” que permita dizer, exatamente, quantas revistas científicas (também chamadas journals, ou periódicos) há no mundo. As duas principais bibliotecas digitais do ramo, Web of Science e Scopus, têm cerca de 22 mil e 28 mil títulos indexados, respectivamente. Uma plataforma mais ampla, abrangendo todos os idiomas (a Ulrich’s Web), tem cerca de 48 mil. E um levantamento recente feito no Brasil pela equipe do Programa SciELO, com base em dados da plataforma Crossref, identificou quase 70 mil revistas científicas ativas em 2022, publicadas em mais de 150 países. O Brasil aparece em quinto lugar na lista, com cerca de 2.800 revistas; atrás de Indonésia, Estados Unidos, Reino Unido e Rússia.

Os cem maiores publishers de produção científica do mundo — incluindo editoras privadas e acadêmicas — publicam, juntos, mais de 28 mil revistas; e 30 dessas editoras podem ser consideradas empresas predatórias, com 4.517 revistas ativas (16% do total), segundo um levantamento publicado no fim de 2022 por um professor da Universidade de Viena, na revista Journal of Documentation.

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