Em 25 de agosto, a Comissão Mista de Orçamento do Congresso Nacional realizou uma audiência pública sobre a importância da ciência. A comissão, considerada uma das mais relevantes da casa por seu papel na definição de prioridades orçamentárias, recebeu a reunião em um momento bastante relevante para o setor, já que na última terça-feira a Câmara dos Deputados decidiu por manter a área de Ciência, Tecnologia e Inovação dentro dos limites impostos pelo novo marco fiscal.

A Academia Brasileira de Ciências (ABC) esteve representada por sua presidente, Helena Bonciani Nader. Também participaram o presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), Renato Janine Ribeiro; a secretária do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), Márcia Barbosa; a vice-diretora do Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo (IEA – USP), Roseli Lopes; o influenciador e divulgador científico Átila Iamarino e o representante da empresa 3M no Brasil, Paulo Roberto Gandolfi. Autor do requerimento pela audiência pública, o senador Izalci Lucas (PSDB – DF) coordenou a sessão.

A presidente da ABC, Helena Nader, se disse pessimista após a recente decisão da Câmara e lembrou que a falta de investimentos em educação e ciência fez o país ficar para trás no ranking das economias globais. Nader teme que a inclusão da área nos limites do teto venha a justificar novos contingenciamentos em recursos não-reembolsáveis do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT). “Lamento muito a falta de compreensão dos deputados, o Brasil saiu mais pobre da última terça-feira”, criticou.

AA presidente da ABC fez duras críticas à decisão de manter a ciência nos limites do novo marco fiscal

O representante da 3M Brasil Paulo Gandolfi lembrou que os recursos não-reembolsáveis do FNDCT são importante ferramentas de fomento pois são mais atrativos que os créditos reembolsáveis, já que inovação é naturalmente um investimento de risco. Ele argumentou também pela ampliação do fundo e defendeu a expansão da Lei do Bem, cujos incentivos fiscais são um forte mecanismo de estímulo à pesquisa no setor privado.

Inovação é um setor em que o Brasil ainda engatinha. Enquanto o país está em 14° posição em produção científica (dados do relatório Elsevier-Bori para 2022), o país está apenas em 54º no Índice Global de Inovação. “Temos um buraco nas etapas intermediárias que conectam centros de pesquisa às empresa. Não traduzimos o conhecimento para a sociedade pois não temos políticas públicas contínuas com esse intuito”, declarou a vice-diretora do IEA-USP, Roseli Lopes.

Lopes trouxe o exemplo da Feira Brasileira de Ciências e Engenharia (Febrace) que incentiva projetos de alunos do ensino fundamental e médio. Nos 20 anos da feira alunos já desenvolveram projetos voltados à purificação de água, combate à dengue, monitoramento e alerta de desastres naturais, entre outras inovações práticas trazidas por jovens estudantes e seus professores. “Cria-se assim um ciclo vicioso de investimento, retorno e investimento”, afirmou.

Mas para além dos investimentos nas chamadas ciências duras, o presidente da SBPC, Renato Janine Ribeiro, lembrou do fomento às humanidades, sem as quais os alunos terminam seus estudos sem as ferramentas necessárias para a compreensão do mundo ao redor. “Isso é uma das causas de tamanho negacionismo científico em pleno 2023. Essa má compreensão de mundo fez com que no Brasil se morresse três vezes mais que a média mundial na pandemia”.

Levantamentos recentes sobre percepção pública da ciência mostraram que a população brasileira tem uma visão positiva da ciência e dos cientistas de modo geral, mas ainda conhece muito pouco sobre a área. Nomes como o de Johanna Döbereiner, cientista pioneira responsável pelo salto de produtividade da soja brasileira, ainda são muito menos conhecidos como deveriam. “Precisamos contar essas histórias”, disse a Acadêmica Márcia Barbosa.

A atual secretária de Políticas e Programas Estratégicos do MCTI citou a série de mini-vídeos da ABC Ciência Gera Desenvolvimento, que conta a história de Döbereiner e de outros grandes nomes da ciência brasileira.

Especialista no campo de divulgação, o influenciador Átila Iamarino, que ganhou na produção de conteúdo científico para o grande público durante a pandemia, criticou os incentivos atuais da carreira científica no Brasil. “Hoje, quem se dispõe a fazer divulgação a está fazendo em detrimento de suas carreiras, já que não existem contrapartidas profissionais para divulgar”, disse.

Iamarino trata a divulgação como fator crucial para o próprio investimento em ciência e citou o exemplo bem-sucedido da norte-americana Nasa. “Se a Nasa tiver seu orçamento reduzido hoje, a população dos EUA vai querer saber o porquê. Da mesma forma, o protagonismo da Fiocruz e do Butantan durante a pandemia vai fazer com que a nossa população fique mais atenta quanto à estes institutos no futuro”, alertou.

Para finalizar, o senador Izalci Lucas lamentou o resultado da votação na Câmara e criticou a falta de uma política de Estado para a ciência brasileira. O senador sugeriu também uma reunião futura entre a comunidade científica e os presidentes das duas casas legislativas para tentar mobilizar os congressistas sobre a relevância da área para a própria soberania nacional.

Assista à audiência pública completa: