O físico Cesare Marchetti faleceu em 16 de abril deste ano, em Toscana, pouco antes de completar 96 anos. Nascido em Lucca, Itália, em 12 de maio de 1927, ele ficou conhecido principalmente por seus trabalhos na área de tecnologias energéticas e análise de sistemas com aplicação de equações logísticas.

No ano de 1948, ele formou-se em Física pela Scuola Normale Superiore em Pisa e, em 1949, obteve uma bolsa de estudos no Instituto Niels Bohr em Copenhague. Desenvolveu a descrição de fenômenos complexos em diversos ramos do conhecimento aplicando, muitas vezes, uma abordagem matemática simples, a partir das equações de Lotka-Volterra. Também se interessou pela análise de ciclos temporais associados a diversos fenômenos socioeconômicos, a maioria relacionados ao hemisfério ocidental.

Cesare Marchetti e José Israel Vargas

No Brasil, o químico e Acadêmico José Israel Vargas, que manteve com ele profícuo diálogo, aplicou sua metodologia a vários casos, muitos deles envolvendo fenômenos brasileiros, como consta em artigo seu no livro Science in Brazil, editado pela Academia Brasileira de Ciências (ABC), em 2002. A seu convite, Cesare Marchetti esteve no Brasil, no ano de 1986, em programa patrocinado pela IBM que incluiu palestras na própria ABC e em outras instituições governamentais e de pesquisa. Muitos dos trabalhos do ex-ministro Vargas, aplicando a metodologia de Marchetti, como “A Prospectiva Tecnológica: Previsão com um Simples Modelo Matemático” (2004) foram publicados na Revista Economia Energia – E&E, tendo como autores o próprio ex-ministro e outros colaboradores.

A partir de 1974, Marchetti trabalhou como analista de sistemas no International Institute for Applied System Analysis (IIASA), em Laxenburg, Áustria. Nos primeiros 10 anos dedicou particular atenção ao domínio da energia, alargando depois a área de investigação e aplicação da Análise de Sistemas em domínios muito diversificados, como inovação tecnológica, evolução dos sistemas económicos e sociais, dinâmica da população, sistemas de transporte, processos históricos, eventos bélicos, sistemas bancários, bem como os ciclos criativos de músicos, pintores e cientistas, a evolução dos limites do conhecimento e a dinâmica dos impérios e das religiões. Essas análises revelaram o papel fundamental das equações logísticas na descrição e previsão nessas áreas. Ele ainda manteve seu relacionamento com o IIASA como pesquisador sênior, dividindo seu tempo entre Laxemburg e sua villa, entre vinhedos e olivais nas colinas ao norte de Florença.

Antes de dedicar-se a estes temas, Cesare Marchetti trabalhou na área energética, com destaque para a área nuclear e de uso do hidrogênio. Entre 1950 e 1955, em Milão, no Centro de Estudos de Informação Enel e Montecatini (Instituto CISE) foi pesquisador no campo da energia nuclear, estudou os métodos de produção de água pesada e colaborou com o Instituto de Bariloche, na Argentina. De 1956 a 1958, no Battelle Institute, em Genebra, trabalhou em química aplicada aos sistemas mecânicos de relógios e em particular em lubrificantes e fricção, tendo concebido um lubrificante gasoso selado no interior de relógios mecânicos. 

Em 1958, Marchetti foi chefe da Divisão de Físico-Química da empresa Agip Nucleare, com pesquisas aplicadas a sistemas de geração nuclear. De 1959 a 1973, foi diretor da Divisão de Materiais nos Centros de Pesquisa de Ispra (Itália) e Petten (Holanda), que fazem parte do Joint Research Center (JRC) da Euratom. No início deste período (1959-60), passou dois anos no Canadá como representante da Euratom para pesquisas sobre otimização de reatores nucleares. Nesse ínterim, a partir de 1950, ele prestou vinte anos de consultoria à General Electric em Schenectady e Fairfield (EUA) para previsão e solução de problemas. Um desenvolvimento notável na GE foi a aplicação da tecnologia de turbinas a gás, já utilizadas como motores de aviões, para produzir eletricidade. Na versão aperfeiçoada por Marchetti, o rendimento subiu de 40 para 65%. As curvas logísticas de Marchetti têm o perfil em S alongado, onde o crescimento de uma variável na natureza acaba encontrando um ponto de máximo.

Um dos exemplos pelo qual ele ficou mais conhecido é a chamada Constante de Marchetti, que postula que a quantidade de tempo que o homem dedica, diariamente, para viagens é um pouco acima de uma hora, desde o início de sua existência e em todos os lugares. Assim, o raio de crescimento das aglomerações humanas (hoje cidades) é determinado por esse tempo de deslocamento que antes era a distância que o homem percorria a pé e foi aumentando com a velocidade do transporte. Isto estaria antropologicamente enraizado no homo sapiens a partir dos perigos que ele enfrenta quando está fora de um ambiente protegido.

Segundo o Acadêmico, Marchetti teria comentado com ele uma vez que, como ele, tinha sempre as mãos frias, que isto estaria associado a uma frequência de batidas do coração abaixo da média. Haveria, como na maioria dos outros casos que estudou, um “nicho” a ser ocupado. No caso, haveria um limite no número total de batidas para o coração humano durante a vida. Ele prognosticava para os dois uma longa vida. “Ele tinha razão, o que não se sabe é se isto incluía o item lucidez que ambos conservam ou conservaram”, observou Vargas.


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