Leia o artigo de opinião do Acadêmico Isaac Roitman, professor emérito da Universidade de Brasília, pesquisador emérito do CNPq, membro da Academia Brasileira de Ciências e do Movimento 2022 – 2030 O Brasil e o Mundo que queremos, e do ex-senador e presidente da União Planetária, o advogado trabalhista Ulisses Riedel, publicado no Monitor Mercantil em 3/7:

Muitas guerras, lutas e confrontos internos – dentro dos países – e externos, países lutando uns contra os outros, invasões de um país a outro, são feitos sob a bandeira da defesa da democracia. Todos se dizem democratas, da direita, da esquerda, do centro, e todos lutam dizendo que estão atuando em defesa da democracia. Afinal, o que é democracia? Qual é a sua essência? Qual é a sua cara? Qual é o melhor regime em um país? Certamente, jamais uma ditadura, jamais um regime autoritário. Precisamos de regimes democráticos. Mas o que é um regime democrático? Qual é a sua alma? Muitos pensam que o que caracteriza a democracia é o direito ao voto.

Em parte, é verdade. É uma das colunas da democracia. Mas democracia é apenas isso? Se for, a democracia está altamente corrompida, pois em significativa parte dos países que têm o voto como a expressão da democracia, o voto está atrelado a quem tem mais dinheiro para fazer a campanha. Barack Obama, em uma ocasião, disse que para ser eleito é preciso três qualidades: “A primeira, dinheiro; a segunda, dinheiro e a terceira, dinheiro.”

No Brasil, significativa parcela dos parlamentares ou é rica ou foi eleita para defender interesses dos poderosos economicamente. São as bancadas, que se formam no Congresso para defender os interesses da bancada, de seus financiadores. O peso da mídia é gigantesco, e a mídia tem donos. Um jornal, uma televisão, durante meses, anos, apresenta um personagem como um grande cidadão e outros como pessoas de mau caráter.

Na legislação brasileira, para a Câmara dos Deputados, o eleitor vota, na verdade, na legenda e não no candidato. O voto vai para a legenda e dentro da legenda é computado o voto do mais votado. Assim, o eleitor vota em um candidato, pelo qual ele tem ótimas referências políticas, mas elege outro. Os partidos, na prática, não representam nenhum modelo filosófico, econômico ou social, mas interesses de grupo. Muitos e muitos dos parlamentares já trafegaram por partidos diferentes, naturalmente. Não existe uma real linha partidária. Pior ainda, os partidos “têm donos”. Os partidos são organizados de tal maneira que tudo depende do dono do partido. Os partidos, ainda pior, negociam votos por cargos, sendo apreciados cargos em setores que têm muitos recursos.

Os três princípios da democracia são: liberdade, igualdade e fraternidade. Embora essa bandeira venha de longe, foi totalmente desvirtuada. A liberdade da chamada democracia se transformou na liberdade de competir, de lutar por interesses econômicos e financeiros, com a vitória dos mais fortes em dinheiro, em espertezas, em poder, contra os mais fracos em recursos materiais e culturais. A igualdade é teórica. Na lei, somos todos iguais. Mas não há qualquer igualdade no confronto estabelecido entre os que têm tudo e os que não têm nada. Não é uma igualdade ética, correta, justa, humana. A fraternidade, nem falar. Em uma organização social de disputa, a fraternidade não tem espaço.

A verdadeira democracia é humana, espiritual, é a organização social formada por pessoas que dignificam a raça humana. Há uma tendência de se igualar democracia ao capitalismo: a liberdade de disputa de interesses econômico-financeiros-patrimoniais. Certamente, capitalismo e democracia não se confundem. Uma organização social capitalista pode ser democrática, se estiver a serviço da ética igualitária, a serviço de uma organização social ética. Mas essa não tem sido a realidade.

Em nosso país, chamado de democrático, milhões, muitos milhões, dentro de uma organização social nada ética, lutam pela sobrevivência. Um país extremamente rico com milhões de miseráveis. Isso é democracia? Certamente não é. Uma vez que o que temos não é verdadeiramente uma democracia, enquanto não mudarmos a mentalidade, pelo amor de Deus, não me falem que estão em luta defendendo a democracia, estão apenas defendendo a perpetuação das desigualdades existentes, formatada pela insensibilidade, pelo desamor.


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