Leia matéria de Daniela Chiaretti para O Globo, publicada em 5 de maio:
Para Carlos Nobre, climatologista brasileiro reconhecido internacionalmente, não basta parar imediatamente o desmatamento e a degradação florestal na Amazônia, mas iniciar já um grande processo de restauração no sul da floresta e na porção dos Andes. Esse corredor verde teria 500.000 km2 e viria, em dois arcos, da Colômbia, Peru e Bolívia passando pelo sul da Amazônia brasileira e chegando ao Maranhão. Custaria, no mínimo, US$ 20 bilhões. “Se tivermos sucesso de zerar o desmatamento e a degradação e criar esse projeto de restauração florestal, teríamos grande probabilidade, na minha avaliação, de salvar a Amazônia.”
Para outros estudiosos, o sul da Amazônia, de tão desmatado e degradado, atingiu o ponto em que a floresta virou outra coisa e não retorna a ser o que era.
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Um desafio enorme é capacitar o pecuarista amazônico a não usar fogo”
Pesquisador do Instituto de Estudos Avançados (IEA) da USP e copresidente do Painel Científico para a Amazônia -onde foi criado o projeto “Arcos do Reflorestamento”-, Nobre detalha, nesta entrevista, o momento da Amazônia, porque o desmatamento não cai e os benefícios do plano de restauração:
Valor: Por que o desmatamento continua em alta?
Carlos Nobre: Nos últimos quatro anos, infelizmente, tivemos um governo federal que deu sinal verde para os desmatadores e para o crime ambiental em todo o Brasil, mas especialmente na Amazônia. O discurso era de que precisava remover a floresta para melhorar a qualidade de vida dos amazônidas, quando na verdade os municípios com os piores indicadores sociais são os municípios mais desmatados. Esse modelo de acabar com a floresta jamais trouxe melhora na qualidade de vida dos milhões de brasileiros que vivem na Amazônia. O crime organizado, que sempre existiu na região, explodiu. Investigações da Polícia Federal demonstraram o narcotráfico e organizações criminosas do Brasil financiando mineração ilegal, desmatamento, grilagem de terra. Começou a ficar fora de controle, assim como o mercado ilegal de terras que cresceu demais.
Valor: O que está acontecendo?
Nobre: O que percebi nesse início de governo é uma tentativa de fazer o que esses grupos fizeram com sucesso entre 2003 e 2004, os dois primeiros anos do primeiro governo Lula, com Marina Silva como ministra do Meio Ambiente. Em 2004 registramos o segundo pior desmatamento da história, só abaixo de 1995. Era uma guerra. O crime organizado, o mercado ilegal de terras, os desmatadores querendo ganhar a guerra contra as políticas de conservação ambiental e de desenvolvimento sustentável que aquele governo começava a implementar. Felizmente a partir de 2004 se desenhou a política de contenção do desmatamento e da degradação, o chamado PPCDAm, e aí tivemos a maior redução do desmatamento da história das florestas tropicais do mundo. De 2004 para 2012, caiu 83%, de quase 28.000 km2 desmatados para 4.600 km2 em 2012. Ficou ainda abaixo de 5.000 km2 até 2014, depois começou a subir e explodiu nos últimos quatro anos.
Valor: Seria agora um movimento parecido, de enfrentamento?
Nobre: É o que parece. Minha leitura é que o crime organizado sentiu que perdeu a eleição. Praticamente todos os desmatamentos são ilegais. Querem fazer o que fazem historicamente, que é grilar terras, desmatamento ilegal e depois pressão de políticos locais em Brasília para fazer o que chamo, entre aspas, de “regularização fundiária”. Entre aspas porque é regularizar área pública que foi invadida e teve desmatamento ilegal.
Valor: E o quadro, agora…?
Nobre: O desmatamento não despenca porque o crime organizado hoje é muito mais forte do que há 20 anos na Amazônia. É guerra. Vimos a partir de janeiro a tentativa de retirar mais de 15 mil garimpeiros Ilegais no Território Yanomami. Estamos em maio e essa guerra continua. Estamos todos esperançosos que as políticas socioambientais tragam resultados e o desmatamento caia muito, até porque a política desse governo é de zerar o desmatamento de todos os biomas, não só da Amazônia, antes de 2030..
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