Confira entrevista com a Acadêmica Vanderlan Bolzani, professora da Universidade Estadual Paulista (Unesp) e membro do Conselho da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), na revista Ciência e Cultura, periódico de acesso aberto da SBPC:

O Brasil conta com uma das maiores biodiversidades do mundo, distribuídas em seis biomas distintos. Essa enorme diversidade biológica constitui uma biblioteca de produtos naturais fantástica, com muita diversidade química ainda inexplorada. Apesar de toda essa riqueza, poucos são os exemplos de sucesso de produtos naturais provenientes da biodiversidade brasileira que chegaram ao mercado nacional e mundial de fármacos.

Isso é o que aponta Vanderlan Bolzani, professora do Instituto de Química da Unesp em Araraquara, presidente da Academia de Ciências do Estado de São Paulo (Aciesp), coordenadora do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Biodiversidade e Produtos Naturais (INCT-BioNat), membro do Conselho da SBPC e membro titular da Academia Brasileira de Ciências.

Cientista premiada dentro e fora do Brasil por seus relevantes trabalhos em química de produtos naturais e incentivadora da divulgação científica para um público mais amplo, Bolzani foi responsável pela criação do Prêmio SBPC Carolina Bori para mulheres e meninas na ciência, defendendo uma maior diversidade e participação feminina na ciência. Em entrevista exclusiva para o Blog Ciência & Cultura, a pesquisadora também fala sobre a importância da educação de qualidade para todos para o enfrentamento das desigualdades e da exploração do universo molecular da nossa biodiversidade para evitar a devastação dos nossos biomas. Confira a entrevista completa!

Ciência & Cultura – Qual é o cenário da pesquisa em produtos naturais no Brasil?
Vanderlan Bolzani – Produtos naturais do Brasil é uma área com tradição, pelos cientistas que iniciaram a fitoquímica moderna no Brasil. O professor Otto Richard Gottlieb é um desses destacados cientistas, único químico brasileiro indicado para Prêmio Nobel de Química pelo Professor Roald Hoffmann, Nobel de Química em 1981. Otto era também um excelente professor e disseminou a importância de se conhecer os produtos naturais da nossa biodiversidade para entendê-los e assim criar mecanismos de defesa para a sua preservação. Sendo uma área de conhecimento multi e transdisciplinar, a fitoquímica mundial atual tem uma base robusta nas ferramentas moleculares (metabolômica, proteômica, transcriptômica), diferente das pesquisas do passado, em que se objetiva isolar e identificar estruturas complexas e inéditas. Mas mesmo com os enormes avanços na área, em especial devido ao número de jovens talentos, não é trivial “surfar” no sofisticado universo molecular da natureza, para avançar na biologia sintética, tão propalada. A imensa biodiversidade brasileira é um laboratório incrível para realizar pesquisa de vanguarda, especialmente no campo da ecologia química, onde são poucos os grupos se dedicam e esta área fascinante, praticamente inexplorada. Outro dado a se destacar é que com a imensa riqueza química e biológica distribuídos em seis biomas, poucos são os exemplos de sucesso de produtos naturais provenientes da biodiversidade brasileira que chegaram ao mercado nacional e mundial de fármacos. 

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C&C – Como essa pesquisa pode contribuir para o desenvolvimento científico – e econômico – do país?
VB – O país conta com uma das maiores biodiversidades do mundo, distribuídas em seis biomas distintos (Amazônia, Mata Atlântica, Cerrado, Caatinga, Pantanal e Pampa), alguns desses genuínos, com enorme diversidade biológica, o que representa uma biblioteca de
produtos naturais fantástica, traduzida em diversidade química (modelos moleculares) muitos inéditos, ainda inexplorados. Isso significa um enorme potencial a ser explorado como fármacos e medicamentos, cosméticos, fragrâncias, agroquímicos, etc., de grande
valor econômico para o país. A exploração racional da nossa imensa biodiversidade não é trivial, exige um ambiente de alta tecnologia e uma política de estado dedicada ao “garimpo molecular” de valor agregado desta imensa biodiversidade! É um desafio enorme, mas no
qual é essencial investir.

C&C – O país possui uma biodiversidade extremamente rica. Como explorar toda essa riqueza sem prejudicar a natureza?
VB – O Brasil é a nação com uma das maiores biodiversidade do mundo e assumiu um compromisso com este título, sendo o primeiro país a assinar a Convenção sobre Diversidade Biológica em 1992. Com uma área de 8.511.996 km² e uma costa marítima de 7.491 km², o território brasileiro possui seis biomas terrestres, além de três ecossistemas marinhos e doze regiões hidrográficas principais, segundo o Ministério do Meio Ambiente (MMA). Duas dessas áreas, a Floresta Atlântica e o Cerrado são consideradas hotspots de biodiversidade, devido à perda de diversidade biológica acelerada que a urbanização, a agricultura e a pecuária ocasionaram. São áreas onde várias espécies estão ameaçadas de extinção num futuro próximo, já que contêm apenas 0,5% das cerca de 300.000 espécies de plantas catalogadas e conhecidas no mundo como endêmicas para estes ambientes. Explorar o universo molecular da nossa rica biodiversidade é o único caminho para evitar a devastação assustadora dos nossos seis biomas e, assim, evitar a extinção e a perda desta imensa biblioteca molecular ainda muito pouco estudada. É, portanto, não apenas de grande importância econômica, mas de grande relevância sobre o conhecimento multidisciplinar desse imenso laboratório biomolecular. É vital para a defesa, equilíbrio, regulação, interação das espécies nos ecossistemas; sem comentar ainda a importância para o equilíbrio do clima. Explorar o universo molecular da nossa rica biodiversidade é o único caminho para evitar a devastação assustadora dos nossos seis biomas e assim, evitar a extinção e a perda desta imensa biblioteca molecular ainda muito pouco estudada.

C&C – É possível envolver os povos originários e as populações do campo e da floresta nessas pesquisas? Como podem contribuir?
VB – Sim. Os povos originários são grandes conhecedores de seus habitats e pode colaborar de forma fantástica, especialmente pelo conhecimento tradicional de espécies utilizadas com muita propriedade. É também uma maneira valorizar o fantástico conhecimento das espécies antes que sejam extintas. O desmatamento descontrolado, hoje objetivo dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) 2030 da ONU, é uma questão universal. Conter a extinção de espécies da biodiversidade do planeta Terra se traduz na sustentabilidade para as futuras gerações.

C&C – No ano passo, a SBPC lançou o Grupo de Trabalho Mulheres Cientistas, que coordena. Por que é importante envolver mais mulheres na ciência, e quais os principais desafios enfrentados por elas?
VB – (…) A SBPC, uma sociedade científica tão importante para a educação, ciência e tecnologia nacional, não tinha nenhum prêmio dedicados a mulher até a data da criação desta importante premiação em 2019. É uma questão cultural e não se muda uma cultura milenar a curto ou médio prazo. O país até tem dados estatísticos que mostram um equilíbrio de gênero envolvendo meninas no ensino médio, fundamental, universitário, pós-doutorado, em muitas áreas da ciência, no início das carreiras profissionais. A distorção começa na ascensão profissional em todas as áreas, até naquelas onde há predominância de mulheres. Quantas mulheres foram ou são reitoras? Ou presidente do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq)? Da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp)? De grandes grupos empresariais? Pesquisadoras com bolsa produtividade nível 1A do CNPq? E por aí vai. Muitas mulheres nem percebem, mas ao alcançarem o topo das carreiras, não incentivam ou contribuem para a mudança que todos almejam. Estamos avançando. Luciana Santos, engenheira elétrica pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e ex vice-governadora de Pernambuco, foi nomeada a primeira mulher ministra da Ciência, Tecnologia e Inovação do Brasil na atual gestão. A ciência é uma palavra feminina e o caminho mais objetivo e curto para homens e mulheres construírem um mundo fascinante para unidos descobrirem os segredos do mundo.

C&C – Além das mulheres, também é importante envolver os jovens na ciência, buscando incentivá-los na carreira científica. Como fazer isso?
VB – Sim. Criar uma cultura de estado onde em todas as escolas, públicas e privadas, desde o ensino fundamental, terem várias atividades que possibilitem as meninas e os meninos criarem a cultura da união de gêneros. A ciência é uma palavra feminina e o
caminho mais objetivo e curto para homens e mulheres construírem um mundo fascinante para unidos descobrirem os segredos do mundo. Quando perceberem que ambos são responsáveis pela desconstrução de uma cultura machista milenar, certamente
encontrarão os caminhos para um mundo almejado para os descendentes. Isto passa pela desmistificação de que as ditas “ciências duras – do inglês hard sciences, ou Science, Technology, Engineering, and Mathematics (STEMS)” são áreas que exigem capacidade
cerebral e, portanto, mais afeitas ao gênero masculino. Sou otimista e acredito que possamos ver um mundo sem discriminação intelectual de gênero. Para tanto, é necessário que do ensino fundamental ao ensino universitário, em todos os cantos e recantos deste Brasil continental, sejam criadas políticas de estado dirigidas a igualdade de gênero.

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Confira a entrevista na íntegra no site da revista Ciência e Cultura