Leia matéria de Erick Guimarães para a Agência UFC, publicada em 4 de abril:

Anualmente, 267 milhões de pessoas em todo o mundo são contaminados pela Shigella, uma bactéria microscópica, que se propaga por água contaminada ou pelo contato com fezes de pessoas infectadas. Os acometidos, na sua maioria, são crianças de áreas rurais ou de periferias de países pobres ou em desenvolvimento. Muitos infectados sentirão dores abdominais terríveis, fraqueza e disenteria (fezes com sangue). Cerca de 212 mil morrerão de diarreia.  

As doenças diarreicas são hoje a oitava principal causa de morte no mundo, de acordo com dados da Organização das Nações Unidas (ONU), e a Shigella é um dos seus principais agentes causadores. Até o momento, há várias vacinas em desenvolvimento, mas nenhuma aprovada para ser aplicada em humanos. 

Agora, um consórcio internacional de cientistas de 28 países – incluindo pesquisadores da Universidade Federal do Ceará –  acaba de publicar na Lancet Global Health, uma das mais conceituadas revistas científicas, o maior estudo multicêntrico já realizado sobre a bactéria. O grupo reuniu pesquisas realizadas em 20 países da África, da Ásia e das américas do Sul e Central em um enorme banco de dados com 66 mil resultados de amostras de casos para mapear a doença em âmbito sub-regional. Em seguida, comparou as informações georreferenciadas de cada um dos casos estudados com dados climatológicos obtidos com a NASA. 

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Parte importante da pesquisa foi feita com dados do semiárido nordestino, colhidos por uma equipe de pesquisadores liderada pelo [Acadêmico] Prof. Aldo Ângelo Lima, coordenador do Núcleo de Biomedicina (Nubimed) da UFC e coautor do trabalho publicado na Lancet Global Health. A equipe do professor estuda essas doenças há quase duas décadas, tanto em uma pesquisa de coorte em Fortaleza, que acompanha por anos a presença de diarreia em comunidades locais, como também em pesquisas com grupos-controle em municípios do sertão nordestino.

Em 2021, o Nubimed foi responsável por uma pesquisa que se destacou internacionalmente ao documentar como múltiplas infecções entéricas em crianças levam à desnutrição, o que, por sua vez, piora as infecções intestinais, em um ciclo bastante danoso para crianças. O resultado é a dificuldade de absorção dos nutrientes, com impacto direto (às vezes, permanente) no desenvolvimento infantil.

Apesar da longa pesquisa, foi apenas há três anos que o grupo do Prof. Aldo Ângelo identificou a Shigella como a principal causa de doenças diarreicas no semiárido. “Essa bactéria só veio a ser colocada no topo de importância de infecções entéricas por conta de testes mais sensíveis, de PCR”, disse. “A gente simplesmente dizia que não tinha Shigella nessa comunidade. E, na verdade, ela estava lá”, completa.

A descoberta teve forte impacto para entender melhor a realidade local. A Shigella, relata o Prof. Aldo, tem uma atuação bem mais agressiva que a maioria dos outros agentes patogênicos para doenças diarreicas. Enquanto esses agentes atacam as vilosidades intestinais (dobras na camada intestinal, que servem para aumentar a superfície de absorção dos nutrientes), a Shigella ataca diretamente o epitélio, causando feridas e prejudicando a absorção dos nutrientes de forma mais intensa.

Ela e mais dois outros patógenos estão associados ao déficit do crescimento da criança após dois anos. Isso é um fato novíssimo, que não estava bem conhecido”, explica o Prof. Aldo. Para ele, a nova pesquisa publicada na Lancet Global Health é um marco uma vez que mostra que as doenças são estimuladas por dois fatores que atuam de forma conjunta: subdesenvolvimento e clima. “Esse trabalho é fantástico. Ele é uma junção de várias pesquisas de coorte com caráter multicêntrico, big data, dados da NASA. Não é fácil você fazer uma análise como essa”, diz o professor.

A pesquisa foi elaborada com o financiamento da Fundação filantrópica Bill e Melinda Gates, que também está financiando o desenvolvimento de uma vacina. Com todos esses dados reunidos, o consórcio internacional de cientistas espera montar o melhor desenho para a realização da fase 3 de teste da vacina contra a bactéria. Isso significa definir quais os melhores locais, e dentro deles quais os melhores meses para a aplicação dos testes com um grande número de pessoas. Os dados ajudarão os pontos críticos para fornecimento da vacina de modo a garantir o maior impacto possível com a redução de casos de doenças diarreicas.

Leia a matéria completa, com gráficos e fotos, no site da Agência UFC.