O Conselho Internacional de Ciência (ISC, da sigla em inglês) lançou uma declaração oficial para embasar as discussões da Conferência da ONU sobre a água, realizada entre 22 e 24 de março em Nova Iorque. A Academia Brasileira de Ciências (ABC) faz parte do ISC e conta com sua presidente, Helena B. Nader, no conselho diretor.
O comunicado destaca a importância da ciência na resposta às crises hídricas que se agravam regionalmente pelo planeta, e a necessidade de pesquisadores terem voz ativa no debate e na elaboração de políticas públicas. Avalia também que o mundo não está caminhando para cumprir a Agenda 2030 da ONU no que diz respeito aos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS) relacionados à água.
Sobre os principais problemas diagnosticados, o documento divide em quatro categorias:
- Problemas persistentes com soluções conhecidas:
Entre as questões identificadas nesta categoria estão o fornecimento de água encanada, de instalações sanitárias e de higiene e o gerenciamento do desperdício urbano. O foco científico deve estar na compreensão dos fatores socioeconômicos, culturais e políticos que impedem a implementação de soluções, avaliando os custos e benefícios das intervenções e desenvolvendo abordagens específicas locais. No geral, esse tipo de problema requer uma abordagem mais localizada e interdisciplinar.
- Desafios iguais com soluções distintas:
Alguns desafios hídricos parecem iguais em diferentes partes do mundo. No entanto, eles geralmente têm diferentes causas naturais ou sociopolíticas que exigem soluções distintas. Por exemplo, para a escassez física de água, os países ricos tendem a ter soluções tecnológicas avançadas, enquanto os países de baixa e média renda geralmente defendem alternativas de baixo custo. A escassez física de água é diferente da escassez econômica de água, que em regiões ricas em água se deve a infraestrutura precária e financiamento insuficiente.
Para enfrentar esses desafios, o foco científico deve ser colocado na expansão da análise orientada pelas ciências sociais, identificando soluções aplicáveis, incluindo o uso do conhecimento indígena e tradicional, avaliando toda a gama de impactos antropogênicos na água e desenvolvendo estratégias para transferir e adaptar métodos testados e aprovados em outros lugares. Isso requer colaboração entre cientistas, engenheiros, planejadores, comunidades e tomadores de decisão para melhorar a prestação de serviços de fornecimento e incentivar mudanças comportamentais nos consumidores.
- Alterações rápidas demandando soluções inovadoras:
Envolve mudanças rápidas relacionadas às condições ambientais, como mudanças climáticas; e condições socioeconômicas, como urbanização global e mudanças demográficas. Para enfrentar esses desafios, o foco científico deve ser entender e gerenciar os impactos da urbanização nos recursos hídricos, mapear e quantificar a intrusão de água do mar e as taxas de recarga de aquíferos cársticos (aquíferos formados em rochas carbonáticas), avaliando, inclusive, a aceitabilidade de reutilizar águas residuais tratadas. Também é importante aumentar a responsabilidade à nível local, garantindo acesso e adequação de economias com recursos restritos. Também é preciso desenvolver novas estratégias, como o conceito de cidade esponja, para gerenciamento do escoamento urbano e da recarga de aquíferos.
- Respondendo a problemas emergentes e futuros:
Abordar as questões hídricas emergentes e futuras requer considerar a transição para uma sociedade de baixo carbono e economia circular sem resíduos, alterando as relações no nexo água-alimento-energia-recursos. O foco científico é avaliar as implicações hídricas da transição para a energia verde, melhorar os sistemas de previsão e alerta para enchentes/secas e desenvolver soluções para a remoção eficiente de contaminantes emergentes das águas residuais. Além disso, há a urgência em transformar a água de uma potencial fonte de conflitos em uma oportunidade de cooperação, abordando os aspectos de segurança relacionados ao recurso.