Confira trechos do artigo de autoria de Virgílio Almeida, diretor da ABC, em conjunto com Francisco Gaetani, publicado no Valor Econômico em 5/12. Almeida é professor emérito do Departamento de Ciência da Computação da UFMG e professor associado ao Berkman Klein Center da Universidade de Harvard.

A democracia brasileira não resistirá a mais uma eleição em que as mídias sociais não estejam sujeitas a um marco regulatório aprovado pelo Congresso Nacional. As eleições de 2022 foram caracterizadas pela massificação deliberada de desinformação em escala industrial, pelas intervenções discricionárias do presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) buscando assegurar eleições limpas, por tentativas das big techs de exercer algum tipo de auto regulação e pela exacerbação da polarização política em função dos mecanismos de disseminação de notícias possibilitados pelas plataformas digitais.

A regulação das plataformas digitais é um dos grandes desafios do mundo contemporâneo. A atuação global e a tecnologia das big techs mudaram a economia, a vida em sociedade e a política – a ponto de hoje serem consideradas uma das maiores ameaças à democracia, tal qual a conhecíamos. Literalmente mudaram a conversa.

10A força, as potencialidades e a velocidade da ascensão destes conglomerados digitais que operam plataformas de mídia social e aplicativos de comunicação pegaram de surpresa governos de países desenvolvidos e emergentes, em um momento de refluxo do papel do Estado e de desconfiança em relação à ameaça que o Estado vigilante representa para as liberdades individuais. WhatsApp, Telegram, Facebook, Google, TikTok, Twitter, Amazon, Apple e Microsoft são as novas faces do poder global.

Escudadas na liberdade econômica, na capacidade de inovação, no fato de produzir riqueza, na melhoria da qualidade de vida das pessoas, na oferta de novos e convenientes serviços aos cidadãos e na fragilidade da capacidade regulatória dos Estados de democracias em crise, as Big Techs operam em uma escala capaz de movimentar recursos suficientes para se contraporem política e economicamente a importantes Estados nacionais, desenvolvidos e emergentes. O poder global das big techs ficou evidente quando no início da guerra, líderes ucranianos pediram à Apple, Meta e Google que restringissem seus serviços dentro da Rússia.

(…)

As tentativas de se estabelecer variados tipos de regulação nos mais diversos países vem sendo recebida com resistência, hostilidade e retaliação (política e econômica) por parte de algumas dessas grandes corporações, o que tem contribuído para a exacerbação de ânimos e consolidação da convicção por parte de seus críticos de que estas empresas precisarão ser tratadas no limite das possibilidades da lei – cujos poderes enxergam como precisando se expandir – para cessarem seus impactos negativos na ordem social e econômica.

O Brasil demonstrou no passado capacidade de inovar e construir novos caminhos para governança digital, tanto no plano nacional quanto internacional. A elaboração da Lei do Marco Civil da Internet foi desenvolvida com participação da sociedade civil, da comunidade acadêmica, dos órgãos públicos, de especialistas internacionais e, naturalmente, da classe política. O Brasil tornou-se uma referência mundial no tema e vários outros países se inspiraram no caso brasileiro para lidar com o assunto.

No contexto global, o Brasil, através de suas instituições multissetoriais de governança, como o Comitê Gestor da Internet, liderou um movimento global para formular princípios para regulação da Internet. Em 2014, o Brasil organizou em São Paulo a conferência NETmundial, que reuniu mais de mil representantes de 110 países com o objetivo de criar uma carta de princípios para a internet. 

O agravamento do processo de esgarçamento do tecido social até o ponto de ruptura pede uma forma diferente de se aproximar do assunto. A premissa da boa fé dos interlocutores está centrada no consenso de que algum tipo de regulação é necessário e urgente, cabendo a todos envolvidos participarem de sua construção de forma assertiva e propositiva. O foco no aprendizado sugere a necessidade de se adotar uma ótica mais pedagógica no esforço para se modelar uma proposta sobre assunto tão espinhoso.

(…)

O debate pode começar pelo Ministério da Economia, Casa Civil, MCTI, pelas próprias empresas de tecnologia, pelo Congresso, pela academia… mas é preciso urgência. O custo de oportunidade da inação pode nos custar mais do que a nossa desorientação e perplexidade atuais. Por outro lado, se o Brasil lograr um arranjo institucional que atenda os interesses do país, em uma conjuntura de reconstrução e reconciliação nacional, se projetará no ambiente internacional como um país capaz de produzir soluções inovadoras que possam servir de exemplo para outros no enfrentamento de seus problemas com o avanço digital.

Confira o artigo completo.