Leia texto enviado pelo ex-presidente da ABC e físico Luiz Davidovich, professor emérito da UFRJ, em 6/11:

“No dia 5 de novembro, perdemos uma luz intensa, um farol. Perda para a ciência e o país, para familiares, discípulos e amigos, perdemos um gigante, um ícone, um humanista.

Cientista renomado, autor de artigos e livros prestigiados internacionalmente, comprometido com o ensino de ciência, defensor destemido de cientistas perseguidos e do apoio à ciência, Moysés fará muito falta, nesses tempos desafiadores, em que o retorno da esperança se beneficiaria da luz intensa de sua personalidade iluminada, para ajudar a traçar caminhos seguros rumo a um futuro melhor de um país sofrido.

Em artigo publicado na Folha de São Paulo em 24 de agosto de 1994, com o título “O Exterminador do Futuro”, Moysés escreveu: “O que têm em comum Arnold Schwarznegger com a equipe econômica do governo Collor? Ambos desempenham o papel de ‘exterminadores do futuro’, embora em sentidos diversos: o ator, representando o cyborg enviado do futuro para eliminar, no presente, ameaças potenciais; a política econômica do governo, exterminando a ciência brasileira — e juntamente com ela, nosso futuro.” Esses comentários, representativos de sua acuidade, aplicam-se perfeitamente ao atual governo. E testemunham a militância de Moysés pela causa da ciência.

Participou de comissões importantes para o planejamento da ciência, foi presidente da Sociedade Brasileira de Física, criou e dirigiu o Departamento de Física-Matemática da USP, dirigiu o Instituto de Física da USP, participou de vários conselhos científicos e editoriais no Brasil e no exterior, idealizou o Programa de Laboratórios Associados que serviu de inspiração para o Programa de Núcleos de Excelência do MCT (Pronex). Foi fundador e coordenador da Coordenação de Programas de Estudos Avançados (Copea) da UFRJ, um programa interdisciplinar com ciclos de palestras para o público geral, dadas por especialistas nacionais e internacionais, que deu origem a livros de divulgação de alta qualidade, um dos quais, sobre Complexidade e Caos, foi agraciado pelo prêmio Jabuti do ano 2000.

A dimensão atemporal está presente em seus trabalhos científicos, que não tratavam de temas momentaneamente na moda e continuam a ser referência obrigatória, muitos anos depois de publicados. Entre eles, menciono três que tiveram e continuam a ter forte impacto, descrevendo a física do arco-íris (“Theory of the Rainbow”) e do efeito auréola (“Theory of the Glory”), e que reinterpretam a difração como um fenômeno de tunelamento (“Diffraction as Tunneling”).

Por que trabalhar nesses temas? Moysés deu a resposta, em entrevista publicada na Revista da Fapesp: “Tive muita sorte: só trabalhei em temas que considero bonitos. Fico feliz de ter contribuído com o entendimento de coisas tão belas como a auréola. O que mais me motiva a estudar um assunto, definitivamente, é que ele seja belo”.

Seus três livros científicos continuam impactantes em diversas áreas de pesquisa, sobre Causalidade e Relações de Dispersão, Ótica Quântica e Efeitos de Difração em Espalhamento Semiclássico. Rigor, clareza na explanação, apresentação guiada pela beleza do tema, são as marcas de seus trabalhos.

Sua atividade de pesquisa teve amplo reconhecimento: foi agraciado com o Prêmio Max Born da Optical Society of America (1986), tornou-se fellow dessa sociedade (1987) e da American Physical Society (1993) e foi homenageado com a criação de uma cátedra que leva seu nome na Universidade de Tel-Aviv (1993). É membro titular da Academia Brasileira de Ciências desde 1974, da Academia Mundial de Ciências (TWAS) desde 2001, da Academia de Ciências da América Latina, da qual foi membro fundador, desde 1982, e recebeu a Grã-Cruz da Ordem Nacional do Mérito Científico e o Prêmio Álvaro Alberto de Ciência e Tecnologia em 1995. Recebeu o Prêmio Jabuti nos anos 1999 e 2000.

Nascido em São Paulo, em 23 de agosto de 1932, na juventude chegou a contemplar ser diretor de cinema. O tamanho de sua filmoteca é consequência dessa primeira paixão: cerca de 500 títulos, incluindo clássicos do cinema. Vencedor de um concurso da Alliance Française, seu destino voltou-se para a ciência: cursou um ano de matemática em Paris em 1951 e, retornando ao Brasil, foi admitido na USP, sem vestibular, graduando-se em física em 1954. Concluiu seu doutorado em física em 1957, na USP, sob a orientação do professor Guido Beck, renomado físico austríaco, com quem teve uma “relação de pai para filho”, segundo Moysés. Seu período de pós-doutoramento incluiu passagens por Eindhoven (1958), Utrecht (1959), Birmingham e Zürich (1960).

De volta ao Brasil, trabalhou no Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas, onde chegou a professor titular em 1962, com apenas 29 anos. Em 1963, foi para o Courant Institute da New York University, como professor visitante. Os acontecimentos políticos brasileiros de 1964 fizeram com que permanecesse nos Estados Unidos até 1975, primeiro como visitante no Institute for Advanced Studies de Princeton (1964-1965) e na Universidade de Rochester (1965-1968), e depois como pesquisador sênior e professor titular desta última (1968-1975).

Acolheu-me na Universidade de Rochester, quando deixei o Brasil, em 1969, expulso da universidade, vítima do Decreto 477 da ditadura militar. Lá, tive o privilégio de tê-lo como professor em um maravilhoso curso de eletromagnetismo e como orientador de minha tese de doutorado. Separado que fui, traumaticamente, dos amigos e da família, Moysés e Micheline ocuparam esse lugar, foram uma família para mim.

Nos Estados Unidos, liderou manifestações de cientistas norte-americanos em defesa dos cientistas perseguidos pela ditadura e publicou um artigo, na revista Science, sobre as perseguições a cientistas na América Latina, pois elas ocorriam não só no Brasil, mas também na Argentina. Retornando ao Brasil, foi professor titular da USP (1975-1983) e da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (1983-1994). Em 1994, tornou-se professor titular do Instituto de Física da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e, septuagenário, tornou-se professor emérito da UFRJ em 2004, após a aposentadoria compulsória.

Além da investigação científica, as atividades de ensino e de divulgação da ciência sempre ocuparam lugar de destaque em seu trabalho. Didata de exposição clara e cativante, seus cursos são referências para estudantes e professores. Foi idealizador de um kit de ciência para a educação básica, construído com a participação de um conjunto de cientistas. E que aguarda, ainda, ser reconhecido e utilizado para a iniciação científica de jovens.

Motivado pela beleza dos temas que pesquisava, Moysés era de fato um artista da ciência: suas palestras eram magníficas e a profundidade e a beleza de suas apresentações impactavam audiências que lotavam auditórios. Fez mais que isso: escreveu uma coleção maravilhosa de física básica (Prêmio Jabuti de 1999), muito superior, pelo rigor e clareza, a outros livros, traduzidos do inglês, frequentemente adotados em nossas universidades. Há alguns anos, aprofundou-se na biologia, que descrevia em belíssimas palestras, apreciadas com entusiasmo no Brasil e no exterior. Criou um laboratório de pinças óticas na UFRJ, influenciando, com seu entusiasmo e sua curiosidade, jovens pesquisadores nessa área, coautores, com Moysés, de artigos importantes. Escreveu um belo livro sobre a origem da vida para o público geral, publicado em 2019.

Agora, temos que lidar com essa falta sentida e difícil de absorver. Mas sua obra continua, fazemos parte dela, todas as milhares de pessoas que usufruíram de sua convivência e seus ensinamentos, que assistiram suas palestras inspiradoras, que aprenderam física em seus cursos e seus livros e que foram contagiadas pela beleza de sua ciência. Esse é o seu legado, aqui está e permanecerá.”

Veja a nota da UFRJ e a mensagem dos filhos, Helena e Paulo