Confira trechos do artigo de autoria de Virgílio Almeida, diretor da ABC, em conjunto com Francisco Gaetani, publicado no Valor Econômico em 1/11. Almeida é professor emérito do Departamento de Ciência da Computação da UFMG e professor associado ao Berkman Klein Center da Universidade de Harvard.

Um novo governo se iniciará em janeiro de 2023 com desafios incomensuráveis. A agenda nacional vive em permanente congestionamento. A lista de tarefas históricas é respeitável: o combate à pobreza e à fome, o aumento da inclusão social, a redução das desigualdades, a elevação da produtividade e competitividade, a gestão macroeconômica responsável, a reforma do Estado, a reestruturação produtiva rumo a uma economia de baixo carbono, modernização da infraestrutura do país, o desenvolvimento da regiões como a Amazônia e o Nordeste, o foco na inovação científica e tecnológica, o fim do desmatamento ilegal, a melhoria dos níveis educacionais e da saúde dos brasileiros e brasileiras, a institucionalização de políticas públicas focadas nas temáticas de gênero e raça, a reorganização do federalismo… a fila é longa.

Olhando de uma maneira macro, o novo governo terá três desafios distintos. O primeiro é reconstruir o que foi destruído pelo atual governo por opção, incompetência ou negligência. O segundo é construir de forma diferente e melhor várias áreas e setores da administração pública federal, que já apresentavam problemas antes mesmo da gestão do atual mandatário. O terceiro é construir pela primeira vez instituições, políticas e programas de que o país não dispõe, mas que são urgentes para o Brasil subir de novo no bonde da história.

O avanço digital na economia global mostra para o país a necessidade de acelerar a transformação digital, que pode contribuir em todas três frentes, de forma imediata, intensa e consistente no tempo. A reconstrução é mais rápida com a digitalização de processos. A construção de novas iniciativas de governo pode se beneficiar da evolução da tecnologia nos anos recentes, criando atalhos e agilidades que o governo nem sempre aproveita.

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Ocorre que o problema não é e nem nunca foi apenas tecnológico. É preciso política, que por sua vez depende de diálogo, muito diálogo. Diálogos são essenciais para acomodação e processamento de conflitos, cujo desfecho não signifiquem derrotados que se retiram da conversa. Precisamos aprender coletivamente a ganhar e a perder para seguirmos juntos como sociedade e pais.

É hora de o Brasil engajar-se em um grande mutirão digital para sair do labirinto de impasses que construiu para si, ao seu redor. Hoje apenas alguns setores do setor privado, parcelas da comunidade acadêmica e científica e um pequeno grupo de quadros permanentes do Estado em ministérios como Economia, Comunicações e da Ciência e Tecnologia e Inovação parecem se preocupar com o assunto. E a temática é transversal e fundamental para todas áreas de governo, como saúde, educação, agricultura, justiça e relações exteriores.

A formulação e execução de um pacto digital não pode prescindir de mecanismos de governança. O problema da governança digital não é apenas do governo, nem há como ele sozinho avançar o debate sobre o tema. Há que se considerar: 1- o peso que as “big techs’’ possuem neste processo, 2- protagonismo que o mundo jurídico, notadamente STF, TSE e MP, adquiriram na regulação do tema, 3- a movimentação do setor empresarial de modo a fechar as brechas digitais setoriais, 4- a mobilização de think tanks e organizações não governamentais, em torno das agendas de privacidade, inclusão digital, segurança, liberdade de expressão e armas autônomas, dentre outras.

O esforço de concertação nacional em torno de um grande Pacto Digital ajudaria a todos se situarem nesta agenda e a buscarem se desincumbir de seus papéis, de forma coordenada, porém especializada, de modo a conseguir resultados concretos para o país. Um Pacto Digital tem a capacidade de aglutinação cívica e de produzir tração, incluindo segmentos de toda a sociedade na direção de novos mundos, inclusivos e inovadores. Um Pacto Digital coloca o Brasil no cenário global da virada digital internacional, cujos principais atores ainda não abriram uma dianteira tão grande em termos de anos de estrada.

O país dispõe de instituições de interesse público, não estatais como a Embrapii, o CGEE (Centro de Gestão e Estudos Estratégicos) e o CGI (Comitê Gestor da Internet) em condições de colaborar com este esforço. O primeiro tem uma trajetória inovadora dinâmica e empreendedora. O segundo tem um histórico consolidado como gerador de estudos estratégicos sobre temas variados. O CGI tem uma longa e consolidada experiência multissetorial na formulação de políticas digitais. Todas são organizações com flexibilidade suficiente para coordenar uma iniciativa deste tipo.

O futuro pede política e um Pacto Digital tem o potencial de acelerar o passo do Brasil rumo ao futuro por meio de um entendimento político em torno de uma política pública – transformação digital – que não apenas a todos beneficia como impulsiona rumo a uma sociedade contemporânea, mais justa, mais produtiva e mais repleta de possibilidades de desenvolvimento. O Brasil está precisando e pode experimentar este caminho. Não custa. Mas acreditar e construir também tem seu preço. O mundo das políticas que “nascem vitoriosas” não é a realidade, apenas propaganda. E já passou da hora dos stakeholders nacionais deixarem de se levar pelas imagens sedutoras das propagandas pelas quais pagam, para enfrentar a face real dos desafios à frente.