Confira trechos do artigo de autoria de Virgílio Almeida, diretor da ABC, em conjunto com Francisco Gaetani, publicado no Valor Econômico em 3/10. Almeida é professor emérito do Departamento de Ciência da Computação da UFMG, professor associado ao Berkman Klein Center da Universidade de Harvard e diretor da Academia Brasileira de Ciências.

A dominância digital vai se impondo, em alguns setores de forma mais avassaladora, em outros ainda incipiente. A negação do enfrentamento do seu significado vai dando lugar a uma precária – no sentido de insuficiente – compreensão de suas consequências e um abrupto despertar do quão atrasados estamos nesta compulsória corrida rumo a um futuro sobre o qual entendemos muito pouco e do qual muitos de nós desconfiamos intensamente. Diante da inevitabilidade do futuro digital, há questões que demandam respostas imediatas de governos e sociedade, sob o risco de nos tornamos uma sociedade ainda mais dividida e desigual. A questão central a ser atacada refere-se aos excluídos digitalmente.

Claramente, as consequências da exclusão digital vão muito além dos estimados 28,1 milhões de brasileiros com mais de 10 anos que não usaram internet no período de 2021, coberto pela recente pesquisa PNAD do IBGE. O impacto econômico das persistentes desigualdades digitais, sinal claro das desigualdades sociais, causa um efeito cascata nas economias locais e estaduais, prejudicando a produtividade e a competitividade doméstica e aumentando o custo da prestação de serviços públicos em todo o país. É preciso levar acesso e recursos digitais a uma grande parcela da sociedade brasileira, para que essa parcela possa contribuir e se beneficiar da agilidade de uma economia digital, que se encontra em acelerada expansão. As desigualdades sociais permitem que a exclusão digital prospere nas comunidades com menos recursos. No momento em que uma família está fora do mundo digital, suas possibilidades reduzem-se drasticamente. 

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A pesquisa do IBGE divulgada recentemente mostra um aumento do número de domicílios com acesso a internet, passando de 84% para 90%, tendo o celular como o principal dispositivo de acesso. Embora seja um resultado positivo, outros números da pesquisa evidenciam que as mazelas da exclusão digital continuam. Por exemplo, a pesquisa mostra que o celular é o principal dispositivo de acesso à internet em casa, mas mostra também que houve queda no uso de microcomputadores e tablets, que são dispositivos que poderiam trazer serviços online para dentro de casa, em especial educação, capacitação e trabalhos remotos.

O avanço das tecnologias e serviços digitais segue adicionando novas dimensões à exclusão digital, cristalizando uma clara divisão no Brasil. Nos anos 1990, os termos “divisão digital’’ e “exclusão digital” caracterizavam as diferenças existentes no acesso a internet e às TICs (tecnologias de informação e comunicação), devido as desigualdades socioeconômicas do país. Essa divisão binária, ter acesso ou não ter acesso, colocava a exclusão digital como uma condição tecnológica e econômica e subestimava o impacto dessa exclusão sobre os segmentos da sociedade sem acesso a esses recursos. Os avanços na infraestrutura de comunicação, combinada com a popularização e barateamento das tecnologias digitais mudou a cara da exclusão digital, passou a ter uma nova conotação. O foco deslocou-se do acesso a internet para o desafio de se aumentar a capacidade de usar os recursos e ferramentas digitais. Isso ficou evidente durante a pandemia, tanto na educação remota, quanto no auxílio emergencial, onde parte da população a ser beneficiada não conseguia ter acesso ou usar o aplicativo para solicitar auxílio. Nos anos da pandemia, ficou patente a dificuldade de viver e trabalhar sem fazer parte do mundo digital. Empresas, governos e cidadãos passaram a ter uma intensa vida online, surgindo então uma terceira fase da exclusão digital, marcada pela necessidade de conviver com os recursos digitais para atingir objetivos de negócio, trabalhar remotamente, manter contatos sociais, participar da comunidade, ter acesso a serviços públicos. 

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No cenário do novo governo em 2023, há a urgente necessidade de trabalhar para uma verdadeira transformação digital da economia do país e para resgatar uma grande parcela da população excluída dos novos tempos. A transformação digital é uma poderosa ferramenta de exclusão ou de inclusão. Pode alavancar ou não políticas públicas como aumento da competividade, combate ao desmatamento, melhoria da qualidade do ensino, ampliação das possibilidades de tratamento médico pela telemedicina, barateamento do custo Brasil, redução das despesas administrativas e melhoria da produtividade e da qualidade do serviço público etc. Para que a transformação digital aconteça é necessário um esforço de coordenação estratégica, alinhado junto aos múltiplos stakeholders participantes desta interação: governos, empresas, academia, big techs, sociedade civil etc. É mais uma janela de oportunidade que se abre para o Brasil buscar juntar-se aos países desenvolvidos. Mas tem que querer e agir.

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