Confira o artigo do membro titular da ABC Isaac Roitman para o Monitor Mercantil, publicado em 29/8. Roitman é Professor Emérito da Universidade de Brasília e pesquisador emérito do CNPq.

Temos uma democracia plena no Brasil? A resposta é não. No dia em que tivermos fome zero, desigualdade social próximo de zero, direitos humanos respeitados, emprego digno para todos, ética na política e nas relações pessoais e institucionais, educação de qualidade para todos, desenvolvimento científico e tecnológico voltados para a produção do saber e para soluções adequadas aos problemas que emergem, o respeito à natureza, o respeito às religiões e ideologias etc., a resposta será sim.

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A primeira experiência democrática ocorreu em 508 a.C em Atenas, onde a cidadania democrática abrangia apenas homens, filhos de pai e mãe atenienses, livres e maiores de 21 anos, enquanto estrangeiros, escravos e mulheres eram grupos excluídos da participação política. Naquela época, os indivíduos eram eleitos ou eram feitos sorteios para os diferentes cargos. Na democracia ateniense, existiam assembleias populares, onde eram apresentadas propostas, sendo que os cidadãos livres podiam votar. Fica evidente que desde a sua implantação ela era exclusiva e manipulada pela elite.

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No Brasil, a experiência do regime democrático é pequena. O primeiro período de democracia durou 19 anos (1945–1964) que foi sucedido pela ditadura militar que durou 21 anos (1964–1985). A partir de 1985 vivemos em um regime democrático que já dura 37 anos.

O Brasil passa por um momento delicado. A desigualdade social é vergonhosa. A fome atinge mais de 30 milhões de brasileiros e brasileiras. Além da crise econômica, convivemos com uma crise política polarizada, a violência faz parte do nosso cotidiano, vivemos uma insegurança generalizada, testemunhamos uma epidemia de corrupção e temos uma educação e atendimento à saúde de baixa qualidade.

A corrupção no Brasil é antiga e inimiga da democracia. Já no século 16, os funcionários coloniais exportavam por conta própria especiarias, tabaco, metais e peças preciosas. Seguiu-se a traficância dos escravos, a manipulação dos contratos para obras públicas, a corrupção eleitoral do Império, o voto de cabresto da República, o “rouba, mas faz”, escândalos financeiros e tantos outros. Que vergonha! Até no combate da pandemia da Covid-19 desviaram recursos públicos. Se não conseguimos superá-la no passado, temos a oportunidade de superá-la no presente, para proteger nosso futuro.

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Acredito que para superar as crises de diferentes matizes precisamos implantar, desde os primeiros anos de vida uma educação para a cidadania onde a educação para a democracia será conquistada pelo próprio exercício da prática democrática. O primeiro passo é dar a oportunidade de uma educação básica pública de qualidade a todas as crianças e jovens do Brasil.

Para isso precisamos formar uma nova geração de professores e valorizá-los. As práticas pedagógicas devem estimular o pensamento, a criatividade, as práticas sociais e a crítica argumentada. Virtudes e hábitos tais como, solidariedade, ética, bondade, respeito a diversidade, respeito ao meio ambiente, compaixão e amor devem ser implantadas e cultivadas.

Essas ideias já eram defendidas por Anísio Teixeira, que pregava que a sociedade democrática deve ser forjada através da escola.

Devemos ser otimistas e crer no aperfeiçoamento da democracia. A conquista de uma democracia plena é um processo construtivo longo e contínuo. A democracia brasileira precisa ser preservada, fortalecida e consolidada em um processo de construção que é de responsabilidade de todos nós. Mãos à obra.