Confira trechos do artigo de autoria de Virgílio Almeida, diretor da ABC, em conjunto com Francisco Gaetani, publicado no Valor Econômico em 19/7. Almeida é professor emérito do Departamento de Ciência da Computação da UFMG, professor associado ao Berkman Klein Center da Universidade de Harvard e diretor da Academia Brasileira de Ciências.
A Europa deu mais um passo significativo na direção da regulação digital. O Parlamento Europeu aprovou duas legislações importantes nas últimas semanas: o Digital Service Act (DSA) e o Digital Market Act (DMA) – a Lei de Serviços Digitais e a Lei de Mercados Digitais, que constituem uma abordagem pragmática para equilibrar os benefícios e riscos trazidos pelo avanço digital. O foco é na proteção das pessoas e dos negócios O DSA foca nos produtos, serviços e conteúdos online. Sua preocupação central é com a proteção dos direitos individuais e com a segurança dos indivíduos. O DMA, cujo foco é o mercado europeu, visa a proteção da competição e em aspectos da legislação antitruste, porque a escala da concentração nas grandes plataformas digitais está ultrapassando todos os precedentes históricos. A aprovação de um arcabouço legal para regular as complexas e sofisticadas plataformas globais implica também no planejamento da implantação de agências e órgãos encarregados de fazer cumprir das determinações da legislação. De nada adiantam leis modernas se não há fiscalização para o cumprimento das leis. A União Européia prevê a contratação de mais de 100 técnicos altamente especializados em ciência de dados e algoritmos para implantação do DAS e DMA, num esforço de capacitação para operar no mundo digital.
O mundo digital é dominado por cinco grandes companhias americanas – Alphabet (Google), Meta (Facebook), Apple, Amazon, Microsoft e duas chinesas, Tencent e Alibaba. Juntas controlam vários mercados estratégicos e interconectados como os de mecanismos de busca, mídias sociais, propaganda digital, computação em nuvens, infraestrutura de redes, aplicativos de comunicação e vários outros mercados digitais globais. Pode-se argumentar que os europeus, ao contrário dos Estados Unidos e da China, não se encontram na liderança da corrida tecnológica pela supremacia digital global. É verdade. Mas seguem sendo a região com maior renda per capita do mundo, com 450 milhões de consumidores e liderando a inovação em várias outras áreas do conhecimento.
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O Brasil pode construir um desfecho diferente neste debate, como aconteceu no caso do Marco Civil da Internet. O país tem história, escala, talentos e criatividade para isso. Mesmo as chamadas “big-tech” tem potencial para atuar de forma mais propositiva aqui e experimentar arranjos que se diferenciem do tradicional modo defensivo com o qual enfrentam os avanços regulatórios nos EUA ou na Europa. O país tem oportunidade de liderar movimentos de regulação digital no chamado “Sul Global’’.
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O avanço da União Europeia ajuda o Brasil através de seis formas. Primeiro, indica um caminho distinto daqueles adotados pelos Estados Unidos – desregulamentação total (embora se estude mudar isso) – e pela China (controle da rede pelo Estado). Desinterdita e pauta o debate. Segundo, coloca na mesa um precedente que será “experimentado” nos próximos anos e permitirá um processo de aprendizado internacional para os países interessados em trilhar este caminho. O aperfeiçoamento da legislação será importante para sua consolidação. Terceiro, provoca as chamadas “big techs” a saírem da postura de negação em relação à discussão do tema e as convida a participar das discussões, para além do posicionamento a favor da auto regulação, que tem se mostrado mais complicado do que antecipavam. Quarto, abre portas para uma regulação que evita fragmentação dos mercados digitais e que possibilita desenhos institucionais sofisticados e compatíveis com o marco regulatório europeu, propiciando oportunidades de crescimento para empresas brasileiras. Trata-se de um outro patamar de regulação, muito além daquilo com o que o CADE está familiarizado. Quinto, trata de forma séria dois dos principais desafios das democracias contemporâneas: os direitos à privacidade e liberdade de expressão. Sexto, a legislação européia busca garantir transparência e responsabilização, principalmente no caso de complexos serviços que envolvem processos de decisão automática, isto é, por algoritmos.
Não é à toa que esses temas tenham ganhado a grande mídia nacional pela via das eleições e da atuação do TSE. O próximo governo precisará priorizar fortemente este tema sob pena do Brasil ficar para trás do mundo digital, que emerge como uma força econômica e estratégica no mundo pós pandemia.