O jornal Estadão convidou o climatologista Carlos Nobre e o glaciologista Jefferson Cardia Simões, ambos membros titulares da ABC, para desmentirem as falas equivocadas do meteorologista Luiz Carlos Molion, veiculadas em uma entrevista de 2010. O conteúdo tornou-se viral no Facebook 11 anos após seu lançamento, acumulando mais de 700 mil likes e disseminando conteúdo negacionista na rede social. Confira os comentários dos cientistas no trecho a seguir:

 

Uma entrevista concedida há 11 anos durante um debate sobre aquecimento global voltou a circular nas redes sociais e continua a espalhar desinformação sobre o tema. No trecho viral, que acumula quase 800 mil interações no Facebook, o meteorologista Luiz Carlos Molion afirma falsamente que o derretimento de geleiras no Ártico não tem relação com o aquecimento global e não aumenta o nível dos oceanos. Ele ainda diz, erroneamente, que a temperatura do Ártico, mesmo no verão, nunca é superior a -20°C. Na verdade, em 2020 atingiu o recorde de 38ºC.

No vídeo, gravado em 2010, Molion afirma, de modo equivocado, que nos próximos cinco anos – ou seja, por volta de 2015, de acordo com a época da entrevista – correntes marítimas levariam água fria ao Ártico e o gelo derretido iria se recuperar, como se o problema não tivesse relação com mudanças climáticas e se resumisse a um processo sazonal. Na realidade, a extensão de gelo no Ártico vem diminuindo rapidamente — em 2020, chegou à segunda menor marca já registrada.

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O Estadão Verifica pediu que dois dos mais reconhecidos especialistas no tema do aquecimento global e de glaciologia assistissem ao vídeo viral. Um deles, o climatologista Carlos Nobre, do Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo (IEA-USP), é PhD em Meteorologia, integrante das academias Brasileira e Mundial de Ciências e da Academia Nacional de Ciências dos Estados Unidos. O outro, o cientista Jefferson Cardia Simões, é pioneiro no estudo de Glaciologia no Brasil e primeiro brasileiro a obter um PhD na área; ele é vice-presidente do Comitê Internacional de Pesquisas Antárticas (SCAR), coordenador do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia da Criosfera, integrante da Sociedade Glaciológica Internacional, além de professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).

Para os dois especialistas, as falas de Molion já eram negacionistas há 11 anos, e os dados mais recentes sobre mudança climática, como o Relatório de 2021 do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (INCC) da Organização das Nações Unidas (ONU), confirmam que as afirmações feitas por ele naquela época continuam não se sustentando cientificamente. “Ele se mete a falar absurdos”, diz Simões. “Alguns absurdos são coisas que nós ensinamos para o aluno de graduação do segundo ano de Geografia Física. Ele não tem condição nenhuma de falar o que ele está falando”.

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Veja abaixo os argumentos do meteorologista no vídeo de 2010 e como os especialistas ouvidos pelo Verifica analisam as falas.

 

Diminuição das geleiras não tem relação com a temperatura?

Ao responder à fala do jornalista Fernando Miltre, Molion diz que o efeito físico da diminuição das geleiras não tem qualquer relação com a temperatura do ar. Isso não é verdade, como explica o climatologista Carlos Nobre. A extensão total de gelo no Ártico em setembro de 2021 foi a 12ª mais baixa já registrada, como mostra este estudo. “O Ártico já aqueceu quase 3°C desde a década de 1960 e isso é diretamente relacionado ao aquecimento global”, diz.

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O especialista acrescenta que a poluição das últimas décadas fez com que o gelo ficasse mais escuro. “Com isso, o albedo diminuiu e aumentou a absorção de radiação solar e a temperatura do ar sobre o gelo, também contribuindo para o degelo”, afirma.

 

Mar congelado ou icebergs?

Após falar que o derretimento das geleiras – que levam séculos para se formar – não tem relação com a temperatura do ar, Luiz Carlos Molion tenta explicar que o nível do mar não aumenta com o degelo. Ele faz uma comparação equivocada com um copo d’água com um cubo de gelo, dizendo que o nível de água no copo não aumenta quando o gelo derrete. Mas, ao afirmar isso, ele passa a falar do mar congelado do Ártico e mistura os termos novamente ao usar como exemplo o derretimento de um iceberg. (…) “O mar congelado é formado pelo congelamento de água do mar, não tem nada a ver com geleiras nem com icebergs”, diz Simões. “Icebergs são partes de gelo que partiram das geleiras. Como as geleiras são formadas por água doce, pela precipitação e acumulação de neve, não tem nada a ver com o mar congelado”.

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Temperatura do Ártico nunca é inferior a -20°C?

Em seguida, Molion afirma que não se vê água escorrendo nas geleiras “porque mesmo num verão de lascar, forte, no Ártico, a temperatura nunca é superior a 20°C negativos”. Ele chega a comparar a temperatura no Ártico com a de um freezer e acrescenta que “não é o aquecimento global que está fazendo aquele gelo desmoronar”, e sim as correntes marítimas que passaram um tempo levando água mais quente para lá. Segundo ele, dentro de quatro ou cinco anos, se o mesmo ciclo se repetir, as correntes passarão a levar água fria e o gelo vai voltar.

Segundo Simões, a previsão de resfriamento vem sendo feita por Molion há mais de 20 anos e não se confirmou. “A temperatura do Ártico ultrapassa em muito 0°C e pode atingir até 10°C no verão. Temperaturas de 0°C são encontradas até no Polo Norte e isso é conhecimento de 100 anos”, afirma.

No final do vídeo, o entrevistado afirma que existe uma variação da extensão mínima de gelo marinho e acrescenta que o gelo se recuperou e até aumentou. Simões também critica essa fala. “Isso é um discurso para quem não conhece (o assunto)“, diz. “O mar congelado diminui e aumenta, aí ele vai e fala que já aumentou. É claro, aumentou porque estava chegando o inverno. Acontece que a cada vez que reduz no verão, está ficando cada vez menor”.

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Leia a reportagem completa da jornalista Clarissa Pacheco no site do Estadão.