Nascido na cidade de Cruz Alta, no Rio Grande do Sul, em 1983, Felipe Klein Ricachenevsky é filho de uma professora de educação artística e de um empresário, e tem um irmão mais novo. Seus pais adquiriram uma farmácia, que administraram até decidirem voltar para a faculdade para cursar direito aos 40 anos, na adolescência de Felipe. Ele expressa seu orgulho pelos dois, que estudavam a noite e se formaram aos 45 anos. “Tive a felicidade de assistir à primeira formatura do meu pai e à segunda formatura de ambos, em direito, quando eu já estava no primeiro ano de faculdade”, conta.
família Ricachenevsky vivia em um bairro afastado na pequena e tranquila cidade do interior. Felipe gostava de brincar com as crianças da região, dentre as quais alguns continuam sendo seus amigos até hoje. Tinham um campo de futebol, além de muito espaço e liberdade; apesar disso, ele diz ser ruim em esportes, embora curtisse muito futebol, sobretudo após a Copa de 94. Sua lembrança mais antiga do interesse em ciência é de gostar muito do sistema solar e de desenhá-lo; quando mais velho, colecionava tudo ligado a dinossauros e lembra de uma fase em que adorava insetos também.
No colégio sempre gostou de biologia, história e português. Sua paixão por dinossauros foi exacerbada pelo filme Jurassic Park, de 1994, pelo qual “descobriu” o DNA. Alguns anos mais tarde, em uma aula específica de biologia com uma excelente professora, aprendeu a estrutura do DNA, a replicação e a transcrição. “Eu cheguei em casa anunciando que faria o curso de ciências biológicas e que trabalharia com DNA”, conta Felipe.
Seu avô, Zalmon, foi uma grande influência em sua vida. Suas características moldaram Felipe, sobretudo devido a hábitos que compartilhavam, como a leitura, a escrita e o cultivo de uma vida intelectual interessante. “Sempre que sentávamos para conversar, eu descobria algo novo que ele tinha feito na vida, desde ser preso na ditadura militar, conhecer Érico Veríssimo – também originário de Cruz Alta – e Raul Castro, até ser presidente de clube de futebol e político”, relata.
Ingressou na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) em 2001, no curso de ciências biológicas. Ele conta que quando entrou, não sabia da existência de iniciação científica e nunca imaginou que poderia trabalhar em um laboratório sem ser formado. “Assim que descobri que isso era possível, comecei a procurar e encontrei logo na segunda semana: iniciei um estágio no Departamento de Genética”, diz.
No entanto, apesar de ter sido proveitoso, o estágio não evoluiu muito bem e, por isso, se candidatou a uma vaga de estágio com o professor Henrique Ferreira, em biologia molecular, trabalhando em conjunto no projeto do então aluno de doutorado Cristiano Valim Bizarro, hoje professor da PUC-RS, que Felipe afirma ser uma das pessoas mais inteligentes que já conheceu. “Ele me inspirou muito a ser um cientista, e ajudou muito no que eu chamo de ‘cultura científica’: se interessava por muitos assuntos, não ficava apenas focado naquilo com que trabalhava”, observa. Posteriormente, com a intenção de ter outra experiência ainda na graduação, estagiou no Departamento de Bioquímica, com o professor João José SArkis e a então aluna de doutorado Alessandra Bruno. Ele lembra ter sido um período muito difícil, pois coincidiu com o falecimento de sua mãe, que além de parceira científica, foi uma amiga importante.
Após a graduação, deu início ao mestrado em biologia celular e molecular pela UFRGS, inspirado pela professora Janette Fett, que trabalhava com a possibilidade do enriquecimento das plantas de arroz, um alimento básico para a população mundial, com ferro, o nutriente que mais comumente falta na alimentação humana. “Fui inspirado por essa possibilidade e trabalho nisso até hoje, tentando entender como plantas de arroz absorvem nutrientes”, afirma o cientista.
No período do mestrado, Ricachenevsky cita seu colega, que virou quase um irmão, o professor Raul Antonio Sperotto, também membro afiliado da Academia Brasileira de Ciências, como importante para sua formação. O biólogo afirma que a parceria foi totalmente complementar, o que fez com que juntos fossem muito produtivos, fazendo experimentos, discutindo resultados e propondo novas abordagens em conjunto. “Aprendi muito com ele e sigo aprendendo até hoje, confesso que é uma alegria ver que essa parceria científica nos levou à ABC”, ressalta.
Após o mestrado, concluído em 2007, Felipe teve dúvidas se realmente gostaria de seguir na carreira acadêmica. Deu aula em uma universidade na sua cidade natal, Cruz Alta, e trabalhou em uma empresa, vendendo kits de extração de ácidos nucleicos para laboratórios de pesquisa. Levou dois anos para voltar ao doutorado e considera que essa pausa foi uma das melhores decisões que tomou durante a carreira: foi um período de amadurecimento, que possibilitou que entrasse no doutorado com outra visão. Relata voltou à vida acadêmica muito mais motivado e diz sempre contar a história para seus alunos. “Acho interessante esse tipo de pausa para refletirmos, ter certeza de que queremos de fato nos dedicar àquela tarefa”, frisa.
Fez doutorado na mesma área, também pela UFRGS, concluído em 2013. Estagiou nos laboratórios do Dr. David E. Salt e da Dra. Mary Lou Guerinot, na National Science Foundation, nos Estados Unidos, com bolsa de doutorado sanduíche. “Ambos foram grandes mentores e me ensinaram muito, seguem sendo colaboradores importantes até hoje”, afirma Felipe.
Atualmente, Ricachenevsky é professor adjunto do Departamento de Botânica da UFRGS, docente permanente do Programa de Pós-Graduação em Biologia Celular e Molecular da UFRGS e do Programa de Pós-Graduação em Agrobiologia da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). Além disso, foi selecionado como grantee na primeira chamada do Instituto Serrapilheira, em 2017.
Ele atua na área de biologia molecular, genética e fisiologia vegetal. Seu foco é entender como as plantas absorvem nutrientes e elementos-traço – alguns sem função e outros potencialmente tóxicos para as plantas e para humanos, se as plantas intoxicadas forem ingeridas. Ele explica que o ferro e o zinco, muito importantes para a dieta humana, muitas vezes faltam na alimentação diária, o que leva a uma desnutrição e deficiência desses nutrientes, chamada de “fome escondida”. Ele busca entender como as plantas absorvem nutrientes e também como elas transportam eles do solo pelo seu corpo e até as sementes, das quais os humanos dependem para comer. “Queremos entender como a planta transporta ferro e zinco desde o solo até os grãos, quais etapas são importantes e como podemos manipular a planta para fornecer um alimento mais nutritivo para a população humana”, esclarece.
Ricachenevsky também participa do grupo Parent in Science, que realiza pesquisa, discute políticas e propõe soluções para ajudar as mulheres-mães no ambiente acadêmico. “O Parent in Science tem conseguido chamar a atenção para a maneira como lidamos com as exigências enfrentadas pelas mulheres devido à maternidade, que é cruel”, afirma. Ele diz que, muitas vezes, a maternidade é o divisor de água na carreira das mulheres, pois no início torna a produtividade é menor, dada a dedicação intensa e o cansaço. “Só que isso, na academia, é interpretado como falha e penalizado, muitas vezes determinando uma descontinuidade no financiamento e na participação em programas de pós-graduação, que demora a ser retomada ou nunca é retomada de fato”, observa.
O que Felipe Ricachenevsky considera mais atraente na ciência é seu poder de responder perguntas e de testar o senso comum. “Embora dentro de certos limites, a ciência é o melhor conjunto de ferramentas de que dispomos para compreender o mundo, e nos leva muitas vezes a conclusões que desafiam nossos preconceitos, premissas e ideais”, avalia. Na sua área, ele gosta do fato de seu trabalho impactar diretamente no bem-estar da população humana e no meio ambiente. “E o meu campo de pesquisa visa exatamente melhorar a nutrição das pessoas, especialmente pessoas mais pobres, que têm uma dieta baseada apenas em grãos, com pouca diversidade e pouca proteína animal”, complementa o cientista.
Ele considera uma honra enorme ser eleito membro afiliado da ABC. “Receber esse reconhecimento na fase inicial da carreira é um estímulo enorme para continuar a fazer ciência de qualidade no Brasil. O país precisa de gente engajada em fazer ciência aqui dentro, mostrando que estamos no mesmo nível que nossos colegas de países mais desenvolvidos.” Ele aponta esse programa da ABC de membros afiliados da ABC como uma forma de valorizar os jovens cientistas do país e de mostrar que vale a pena fazer ciência aqui.
Sobre sua vida pessoal, Felipe afirma que seu maior projeto é sua família: sua esposa Andréa, uma cientista incrível, e sua filha Maya, nascida em 2016. “Ela mudou completamente minha vida. Passar tempo com ela é o melhor trabalho e a maior diversão do mundo”, diz. Além disso, gosta muito de ler sempre que pode e ama a música. “E tento ser músico desde a adolescência, mas nunca consegui me dedicar muito – ainda é um plano para o futuro; por hora, sou apenas um mau contrabaixista”, brinca.