Leia artigo do Valor Econômico, publicado em 13/4, sobre a 34º edição do Webinários da ABC e as pesquisas de desenvolvimento de 3 vacinas nacionais, chefiadas pelos Acadêmicos Célio Lopes, Ricardo Gazzinelli e Jorge Kalil:
Cientistas brasileiros que chefiam o desenvolvimento de três vacinas nacionais contra a covid-19 baseadas em proteínas recombinantes afirmaram que as iniciativas não avançam ou têm dificuldades devido à ausência de plantas-piloto no país para a fabricação de lotes para testes. Os pesquisadores Célio Lopes (USP de Ribeirão Preto), Ricardo Gazzinelli, da (Fiocruz-MG e UFMG) e Jorge Kalil (USP) falaram sobre o “vale da morte” das vacinas no início da noite desta terça-feira (13), em seminário promovido pela Academia Brasileira de Ciências (ABC).
Os três pesquisadores defenderam a criação de um ou mais Centros Nacionais de Tecnologia em Vacinas, instituições voltadas à seleção de imunizantes com bom potencial e suporte nas fases pré-clínicas e clínicas. Essas estruturas, dizem, poderiam ajudar no enfrentamento ao combate da pandemia, uma vez que não está descartada a necessidade de campanhas periódicas de vacinação contra a covid-19 e nem o surgimento de variantes resistentes às vacinas em uso.
“Desenvolvemos várias vacinas no Brasil, mas elas vão até onde chega o ‘vale da morte’ que, em primeiro lugar, é a falta de uma planta-piloto”, diz Gazzinelli da Fiocruz-MG. Ele afirma que produzir um lote piloto no exterior, isto é, aplicar a tecnologia desenvolvida para a produção de um insumo de fato injetável em humanos, custa cerca de R$ 10 milhões, enquanto construir uma planta para fabricação de lotes iniciais com “alguma qualidade” custaria cerca de R$ 30 milhões.
Todas as três pesquisas em andamento contam com investimento milionário do Ministério de Ciência e Tecnologia. O Valor apurou, no entanto, que os valores não contemplam a conclusão dos testes em humanos.
“O modelo atual [de fabricação de protótipos e lotes iniciais no exterior] não faz sentido. Obviamente, uma planta própria tem um custo de manutenção, mas ainda assim vale a pena porque poderemos produzir outros injetáveis monoclonais para testes”, defende o pesquisador.
Gazzinelli e os colegas falam da necessidade de mais de uma planta no país. As unidades, afirmam, deveriam ser instaladas próximas, mas ao largo da administração das universidades, para ficarem “próximas à sua massa crítica”, mas escapar à lógica orçamentária e à burocracia das compras estatais.
A figura jurídica da Organização Social, que confere maior autonomia, chegou a ser aventada. Esse modelo de um centro compartilhado de serviços de produção e suporte ao desenvolvimento de vacinas é defendido em documento publicado hoje pela ABC.
A certa altura do seminário, o bioquímico Hernan Chaimovich, ex-presidente do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPQ) entre 2015 e 2016, definiu a ausência desses centros como “gargalo histórico” na indústria de vacinas nacional, uma vez que o país já domina três das quatro etapas necessárias ao desenvolvimento dessa tecnologia: centros acadêmicos de desenvolvimento; estrutura para testes de fase 3 e 4 (aplicação em massa em humanos para verificação de eficácia e efeitos colaterais); e fábricas de grande porte, como as de Fiocruz e Instituto Butantan.
“O sucesso de Oxford, que desenvolveu a vacina contra o coronavírus, mas também a vacina para o ebola, é ter uma planta para produção de lotes pilotos e um escritório que faça todo o serviço regulatório próximos de cientistas altamente qualificados”, continua Gazinelli.
O professor de medicina da USP de Ribeirão Preto Célio Lopes diz que sua equipe vem construindo uma espécie de ponte sobre o “vale da morte”, ao se associar à iniciativa privada. Para a produção do protótipo e escalonamento industrial, o grupo de pesquisa contou com a farmacêutica brasileira Farmacore e o laboratório americano PDS Biotechnology. A solicitação para testes clínicos em humanos foi protocolada junto à Agência de Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) no fim de março.
Instituições de pesquisa e desenvolvimento nos Estados Unidos e no Brasil serão usados para progredir no desenvolvimento clínico da vacina, informou o consórcio à época. A Farmacore lideraria os esforços regulatórios e de ensaios clínicos no Brasil, enquanto a PDS Biotech continuaria a contribuir com conhecimento científico e suporte operacional.
Segundo Lopes, vencidos os obstáculos que precedem o início dos testes, outro obstáculo se impõe. Com parcela importante da população vacinada, os testes em massa da vacina terão de ser no formato de comparação com outras vacinas em uso e com público mais jovem, visto que a vacinação avança entre os idosos. Essas condições, diz, podem encarecer ainda mais o processo.
Segundo os pesquisadores, a produção em grande escala continuaria com Fiocruz e Butantan. Eles avaliam que, assim como aconteceu em outros países, esses laboratórios “compraram inovação” e, acertadamente, passaram direto à produção para fazer face à emergência sanitária. Agora, têm suas plantas ocupadas e, mesmo as instalações reservadas a protótipos, são historicamente reservadas a pesquisas próprias.
Sobre a produção massiva dos novos imunizantes, Lopes afirma que será necessário buscar alternativas no mercado privado. “Há empresas interessadas e capazes de produzir nosso antígeno e carreador. Tem empresa nacional que pode participar. O próprio Ministério [de Ciência e Tecnologia] está olhando empresas do setor veterinário que, talvez com pequenas ou médias modificações, possam produzir esses produtos”, disse Lopes.