Com um atraso de 10 anos, o Brasil finalmente ratificou o Protocolo de Nagoya, sancionado pelo presidente da República, Jair Bolsonaro, em 4 de março de 2021, após aprovação no Plenário do Senado Federal, no segundo semestre de 2020. O país depositou na Organização das Nações Unidas (ONU), a carta de ratificação sobre Acesso e Repartição de Benefícios da Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB), assinada por Bolsonaro.
A aprovação do tratado internacional foi publicada pelo Diário Oficial da União (DOU) de 12 de agosto de 2020 e passou a valer no país por meio do Decreto Legislativo nº 136/2020, encerrando as discussões sobre o tema. A partir de então, o Brasil poderá participar das deliberações futuras nas Conferências das Partes da CDB, nas quais o país somente compareceu como observador nos últimos anos (2014, 2016 e 2018), sem envolvimento direto nas discussões.
O processo de negociação que levou à adoção do Protocolo de Nagoya foi iniciado com a criação do Grupo de Trabalho de Composição Aberta sobre Acesso e Repartição de Benefícios, em 2004, na CDB. O processo se estendeu por seis anos, até gerar um texto final, por fim redigido em 2010, durante a 10ª Conferência das Partes da Convenção (COP-10), no Japão. No entanto, o acordo só entrou em vigor 90 dias após sua ratificação por mais da metade dos países (51), o que ocorreu em 12 de outubro de 2014, quando foi oficializado durante a 12ª Conferência das Partes em Pyeongchang, na Coreia do Sul.
O acordo internacional regulamenta as regras no que diz respeito à pesquisa, ao acesso e à repartição justa e equitativa dos benefícios advindos da utilização de produtos baseados em recursos genéticos. Ele obriga os países signatários a agirem com mais segurança jurídica e clareza em sua legislação de acesso e repartição de lucros e a encararem com mais seriedade a importância da biodiversidade para o desenvolvimento sustentável. O protocolo garante, sobretudo, o respeito à soberania nacional sobre recursos genéticos em negociações internacionais, de modo que os lucros de produção e venda serão obrigatoriamente repartidos com o país de origem, e reconhece os direitos dos povos originários sobre seus conhecimentos tradicionais associados (CTA), por meio do recebimento de benefícios para essas comunidades indígenas e locais.
A questão ambiental
De acordo com o vice-presidente da ABC para a Região Norte, Adalberto Luis Val, pesquisador e ex-diretor do Instituto de Pesquisas da Amazônia (Inpa) e coordenador do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia – Centro de Estudos das Adaptações da Biota Aquática da Amazônia (INCT-Adapta), o acordo é um passo importante para o Brasil no que tange à questão ambiental e à participação mais efetiva do país nas negociações internacionais com relação ao Protocolo, principalmente considerando as dimensões da diversidade biológica do país. Segundo ele, “ter um arcabouço legal como o Protocolo de Nagoya, como essa ratificação que foi aprovada, na realidade, garante ao povo brasileiro uma soberania sobre o material que a gente tem no país”.
O pesquisador explicou que, inclusive, o atraso na ratificação do Protocolo pelo Brasil se deve, sobretudo, pela falta de uma lei nacional que delineasse e resguardasse esse direito de propriedade brasileira sobre seus recursos genéticos. Por esse motivo, havia uma forte pressão exercida pela Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), que se posicionava contrária ao acordo diante da falta desta lei. No entanto, em 2015, foi sancionada a Lei de Biodiversidade (Lei 13.123/2015) que se sobrepõe, em âmbito nacional, ao acordo e funciona como orientação para a sua aplicação no país. “A Lei da Biodiversidade de 2015 tem as diretrizes e as determinações de como tratar essas questões em nível nacional. Ou seja, o protocolo reconhece a Lei e a respeita, da mesma forma que faz com os outros países de uma maneira geral”, afirmou Val.
Um ponto interessante mencionado pelo Acadêmico é a necessidade de conhecimento do vasto conjunto de informações genéticas dos organismos vegetais e animais, grande parte ainda desconhecida pelo ser humano. A mesma espécie, por habitar ambientes com características individuais e específicas, preserva informações genéticas completamente diferentes nos seus genomas. Para Val, a importância de possuir esse conhecimento se dá por sua utilidade para a sociedade, tanto pelos benefícios, quanto pelos riscos que podem apresentar. “Em muitos casos, eles contêm informações relevantes para a nossa qualidade de vida, para a conservação ambiental e para a produção de novos medicamentos. Mas também podem conter informações que sejam perigosas para a humanidade. Então a gente precisa ter essas informações todas”, esclareceu.
Outro aspecto importante do Protocolo de Nagoya é o incentivo ao uso sustentável da biodiversidade. Para o pesquisador, ele tem essa perspectiva de cooperar para a conservação ambiental, que tem consequências diretas na qualidade de vida da população, que extrapola o território nacional. “Dadas as dimensões dos nossos biomas, temos reflexos que extrapolam o Brasil e alcançam outros países. Não é só porque a Amazônia se estende para outros países do norte da América do Sul, mas ela também tem efeito sobre os demais países da América do Sul, da América Central e mesmo de outros países de zona temperada”, explicou.
Em vista disso, Val acentuou que o Protocolo pode desencadear implicações para o Brasil e pode “cobrar do país uma atenção maior à questão da biodiversidade, da conservação ambiental, da interação do homem com a floresta, principalmente nesses tempos modernos, em que ficou claro para a grande maioria das pessoas que essa interação pode trazer novos desafios para a humanidade”. Dessa forma, as partes do acordo encorajarão empresas e instituições dos países signatários a direcionar benefícios advindos da utilização dos recursos genéticos para a conservação da diversidade biológica.
Implicações políticas, econômicas e sociais
Com a ratificação do Protocolo de Nagoya, devem ser considerados alguns impactos políticos e econômicos no Brasil para além da questão ambiental. O país está em uma situação dramática em relação a sua imagem em nível mundial, especialmente no que se refere à preservação da biodiversidade. Enquanto grande parte dos países desenvolvidos está fortalecendo suas políticas de conservação ambiental, o Brasil parece ir na contramão, através de ações do governo direcionadas para o desmatamento ou de omissão com os processo de garimpo ilegal, por exemplo.
Com isso, segundo o Acadêmico, na escolha de nações para fazer parcerias ou acordos econômicos, a maioria desses países priorizará os que possuem políticas efetivas de preservação ambiental. Logo, essa falta de responsabilidade política com o meio ambiente poderá acarretar efeitos negativos para o mercado brasileiro e poderá, por meio do acordo internacional e de pressões diversas, influenciar nas decisões políticas no país. “Eu só vou comprar carne do Brasil se a carne não estiver significando a destruição da floresta. Eu só vou comprar peixe de um outro país, se isso não significar uma forma brutal de abater os peixes”, exemplificou o vice-presidente.
No entanto, é importante destacar que essa é uma oportunidade para o Brasil de expansão da ‘bioeconomia’ de modo responsável e de desenvolvimento da ciência e tecnologia nacionais, por meio da conversão da riqueza nacional em geração de renda. O Protocolo, ao estabelecer uma rede comercial global para investimento, pesquisa e desenvolvimento, pode significar um avanço nesses aspectos para o país. Porém, segundo o membro titular da ABC, isso não se faz por um decreto ou por uma lei. “Ainda que eu tenha, na floresta, um conjunto de informações – e essa é a riqueza da floresta, a informação -, eu não tenho ciência desenvolvida rapidamente e fortemente apoiada no nosso país para que a gente possa transformar essas informações em produtos e processos que resultem em inclusão social e geração de renda”, alertou.
Val também destacou que apoiar a ciência voltada para o uso dessas informações escondidas na floresta é de fundamental importância. “Não é um protocolo, por si, que vai tornar possível a inclusão social e a geração de renda. Ela vai existir na medida direta, na razão direta, de que informações sejam produzidas para que a gente possa transformá-las em produtos e processos”, acrescentou Val.
O Acadêmico também ressaltou a importância de avançar no processo de educação básica para a sociedade, principalmente em um país que detém essas formações biodiversas em um nível muito significativo, como o Brasil. “A educação significa se apropriar disso que a gente discute aqui, se apropriar do que significa o Protocolo de Nagoya, mas significa também se apropriar daquelas informações que permitem a inclusão social e a geração de renda e, portanto, uma qualidade de vida melhor”, concluiu.