Leia carta do membro titular da Academia Brasileira de Ciências, José Israel Vargas, professor Emérito da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e ex-ministro de Ciência e Tecnologia, enviada em adendo ao manifesto dos ex-ministros de Ciência e Tecnologia e apoiado pela ABC e pela SBPC:
Excelentíssimo Senhor Senador Rodrigo Pacheco, DD. Presidente do Congresso Nacional.
Dirijo-me a Vossa Excelência na qualidade de cientista mineiro porque penso que cabe aos senhores parlamentares a proteção do patrimônio científico do Brasil, para o qual tanto contribuiu a ciência mineira.
Venho fazer um apelo veemente aos senhores representantes do povo, na defesa dos recursos indispensáveis à continuidade do trabalho científico em andamento em Minas Gerais e em nossa Pátria. Com o patrimônio que Minas pode apresentar nessa área, é um perigo que corre a ciência, de uma descontinuidade fatal, caso o veto do Presidente da República aos recursos previstos do FNDCT não seja derrubado no Congresso.
A nossa ciência tem uma história de grande prestígio internacional. Permito-me citar primeiramente o combate e a extinção da lepra, que grassava particularmente no Estado de Minas Gerais frente a todos os outros e que, durante o governo Milton Campos (1947-1951), extinguiu-se com a fabricação de sulfas, fármacos apropriados para combater essa doença, por meio da liderança da Fundação Ezequiel Dias, criada para esse fim. Em segundo lugar, Minas deu uma contribuição fundamental no combate à sífilis, que também assolava o país devido ao descontrole do nosso processo de desenvolvimento humano. Baeta Vianna, que dirigiu a construção da Fundação Ezequiel Dias, junto com Ageu Pio Sobrinho, foram os autores do primeiro fármaco capaz de debelar a sífilis, o iodobisman, que antecedeu o “1914” da Merck alemã e, finalmente, os antibióticos que possibilitaram o controle mundial da sífilis que tanto nos prejudicava.
Uma das manifestações da qualidade internacional da ciência mineira foi a recente publicação de artigo que ganhou capa na mais importante revista científica do mundo, a Nature. Descreve a estrutura atômica, vibracional e eletrônica das chamadas bicamadas de grafeno, por meio de um nanoscópio, equipamento concebido por pesquisadores de diversas áreas da UFMG, sob a liderança do Prof. Ado Jório de Vasconcelos, do Departamento de Física, e que renderá frutos para a ciência, em escala global, para a UFMG e para o Brasil.
Também é dirigido por um mineiro ilustre, o Prof. João dos Anjos, do Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas, filho de um dos nossos grandes romancistas, Ciro dos Anjos, um projeto experimental da maior importância para a humanidade, que permitirá ao seu fim revelar claramente se do Big Bang surgiram apenas um universo, que é o nosso, ou dois universos, dos quais um teria desaparecido ou mantido a distâncias hoje ainda inacessíveis à Astrofísica.
Toda essa recordação de sucessos e de reconhecimento me leva a propor a proteção daquilo que está em andamento, de maior significado, em várias áreas da matemática, da química e, principalmente, da saúde. Recorde-se também o papel da Universidade de Viçosa, criada pelo Presidente Arthur Bernardes nos anos 20, no desenvolvimento da Embrapa, que tornou o Brasil o maior produtor de grãos do mundo. É também de Minas a descoberta da maior jazida de nióbio do mundo, na região de Araxá e de todo o minério de fosfato do Brasil, realizada pelo grande geólogo Djalma Guimarães, bem como a descoberta do primeiro minério de urânio, em São João Del Rei. Um grupo do Departamento de Informática da Universidade Federal de Minas Gerais é o que tem o maior reconhecimento, do ponto de vista do índice de citações de seus trabalhos, na literatura internacional.
Tudo isso precisa ser protegido. Particularmente na atual crise de saúde, não há outra solução senão através do uso da ciência na produção de vacinas. Eu lamento que estejamos muito tardios nas providências em enfrentar esta pandemia, porque o número de contaminados confirmados, que já se aproxima dos 11 milhões de pessoas, vai conter a fração de óbitos que irá tragicamente se expandir. Só existe um remédio – a ciência. Só existe uma maneira de combater a pandemia, é a ciência e, também, é claro, as providências elementares de uso de máscaras e luvas e de isolamento, que carecem da liderança para suscitá-las.
Apelo aos senhores, deputados e senadores mineiros, para que Vossas Excelências contribuam e liderem o bloqueio e a anulação do veto dado pelo Presidente da República aos recursos do FNDCT que são os recursos básicos da ciência, sem os quais a ciência brasileira e toda a sua tradição e utilidade estarão perdidas.
Cabe lembrar também do sucesso da ciência brasileira no combate à Aids, que teve repercussão internacional. Para isso, a nossa lei de patentes, cuja formulação liderei quando Ministro da Ciência e Tecnologia, permitiu e permite ainda hoje a suspensão de patentes estrangeiras em caso de emergência como a que estamos vivendo. Permito-me sugerir fortemente que vossas excelências apoiem os projetos do senador Paulo Paim (PT-RS) e do deputado Heitor Freire (PSL-CE), que propõem a quebra de patentes para acelerar a indispensável produção de vacinas no Brasil. O atraso temporal da vacinação em massa pode atingir no Brasil facilmente 500 mil mortos, cifra que nos choca moralmente a todos, brasileiros.
Belo Horizonte, 7 de março de 2021.
José Israel Vargas
Professor Emérito da Universidade Federal de Minas Gerais.
Membro da Academia Brasileira de Ciências.
Ex-Ministro de Ciência e Tecnologia.