Leia artigo de opinião publicado em O Globo, no dia 8/3, do Acadêmico Wanderley de Souza, professor titular da UFRJ e membro da Academia Nacional de Medicina e Academia Brasileira de Ciências:
A pandemia de Covid-19, causada pelo coronavírus Sars-CoV-2, despertou em todo o mundo o interesse pela Ciência. Há vários relatos de uma significativa ampliação no interesse das crianças por, sobretudo, o campo das Ciências Médicas. Esse, no entanto, é nutrido por contribuições relevantes de todas as áreas, das Ciências Humanas e Sociais aos avanços da Química, da Física e das Engenharias, no desenvolvimento de novos equipamentos e novas moléculas cada vez mais fundamentais no combate às diferentes enfermidades.
A resposta dos cientistas trabalhando em todo o mundo foi marcante, eu diria mesmo, incansável. Nunca, em tão pouco tempo, conseguimos avanços tão profundos, que podem ser retratados com o aparecimento de mais de uma dezena de vacinas, algumas das quais utilizando abordagem inédita. O mundo festeja esses avanços reforçando o orçamento da área de Ciência e Tecnologia com o objetivo de que novas metodologias diagnósticas e terapêuticas surjam rapidamente.
No entanto, infelizmente, o Brasil parece estar optando por seguir um caminho inverso, menosprezando a Ciência e tornando o trabalho científico mais difícil, ou mesmo impossível. A cada ano o orçamento é reduzido.
A Ciência moderna exige investimentos crescentes em consequência das tecnologias cada vez mais sofisticadas necessárias para responder a um número crescente de perguntas cujas respostas levarão a avanços científicos significativos. Em alguns momentos da nossa história, o caminho percorrido foi o de apostar na Ciência. Destaco aqui a decisão do governo militar de criar o Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT) em 1975, visando a assegurar investimentos crescentes em C&T. Em alguns momentos, chegou a realizar operações de crédito junto a Bancos Internacionais de Desenvolvimento, com aval o Tesouro Nacional, para o apoio à consolidação de uma infraestrutura científica adequada aos laboratórios brasileiros. Posteriormente, reforçou o FNDCT com recursos oriundos da atividade econômica em setores tais como importação de tecnologia, produção de petróleo, energia e minerais, entre outros, criando os fundos setoriais que hoje constituem o sustentáculo do FNDCT.
Esse fundo foi responsável, até 2014, por elevar o Brasil a uma posição de destaque no mundo científico. Hoje, nos encaminhamos em direção a um grande retrocesso face ao vergonhoso contingenciamento crescente dos recursos arrecadados pelo FNDCT.
Os dados indicam que em 2021 o FNDCT arrecadará recursos da ordem de R$ 7 bilhões, sendo que cerca de R$ 1,7 bilhão destina-se a operações de crédito feitas pela Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), a empresas brasileiras que se propõem a desenvolver projetos de inovação tecnológica nas mais diferentes áreas. A maior parte dos recursos (R$ 4,5 bilhões), no entanto, destina-se a prover as instituições científicas brasileiras, bem como as empresas, de infraestrutura física e laboratorial que permita o desenvolvimento de projetos inovadores em áreas específicas como biotecnologia, saúde, agropecuária, exploração de petróleo, produção de energia renovável, entre outros.
Uma projeção, baseada em aspectos legais dos fundos setoriais, indica a disponibilização de recursos para projetos de infraestrutura científica (R$ 970 milhões), saúde e agro (R$ 470 milhões cada), biotecnologia (R$ 200 milhões), para mencionar algumas áreas.
Qual a situação atual do FNDCT? Há alguns meses o Congresso Nacional aprovou quase que por unanimidade (92 votos favoráveis e 1 contrário no Senado e 385 favoráveis e 18 contrários na Câmara dos Deputados) o PL 135/2020, que, entre outros pontos, veda o contingenciamento do FNDCT.
No entanto, o presidente Jair Bolsonaro vetou esta decisão consciente e nacionalista do Congresso Nacional. Cabe agora, o que deverá ocorrer nos próximos dias, que o mesmo Congresso Nacional seja coerente com sua decisão recente e derrube o veto presidencial, evitando a entrada da Ciência brasileira em um estado de caos, e crie as condições que irão levar ao seu desenvolvimento.