Pesquisadores do Instituto de Bioquímica Médica Leopoldo de Meis da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e colaboradores da Universidade de Nova York (NYU, EUA) descobriram que um composto sintético que favorece a produção de proteínas (processo conhecido como síntese proteica) no cérebro é capaz de reativar neurônios e impedir o prejuízo de memória em camundongos com doença de Alzheimer.
O estudo “Correction of eIF2-dependent defects in brain protein synthesis, synaptic plasticity, and memory in mouse models of Alzheimer’s disease”, publicado em 02/02/2021 e destacado na capa da revista científica Science Signaling indica uma possibilidade promissora para melhorar o funcionamento cerebral e restaurar a memória em animais usados como modelos da doença de Alzheimer (DA). O estudo abre portas para a busca por compostos que atuem no controle da síntese proteica cerebral e que possam ser utilizados em pacientes de Alzheimer sem efeitos colaterais importantes.
Em todo o mundo, a doença de Alzheimer afeta cerca de 35 milhões de pessoas, mais de 1 milhão estando no Brasil. A doença tem como principal sintoma a perda progressiva de memórias. Embora ainda não se saiba exatamente o que causa a DA, há fortes indícios de que defeitos na comunicação entre os neurônios, as chamadas sinapses, levam à perda de memórias nos pacientes.
“Este é o primeiro trabalho a mostrar que estimular a síntese de proteínas em cérebros acometidos pela doença de Alzheimer com o uso de fármacos é possível e eficaz”, explica o primeiro autor do trabalho, Maurício Martins Oliveira, Doutor em Química Biológica pela UFRJ, que faz pós-doutorado na NYU.
No estudo, os cientistas brasileiros e norte-americanos utilizaram o fármaco ISRIB, um composto sintético capaz de estimular a síntese de proteínas, desenvolvido na Universidade da Califórnia em San Francisco (UCSF) em 2013. Este composto atua no início do processo de produção de novas proteínas a partir da leitura do código genético, estimulando a síntese de proteínas nas células. Alguns estudos anteriores já haviam mostrado sua capacidade de estimular a memória em animais jovens e idosos saudáveis.
Os pesquisadores da UFRJ e NYU decidiram investigar se o ISRIB poderia restaurar a chamada plasticidade sináptica – a habilidade dos neurônios se modificarem para aprender – e a memória em camundongos com sintomas de Alzheimer. Ambos os grupos haviam demonstrado anteriormente – de forma independente – que o controle da produção de proteínas é defeituoso em cérebros acometidos pela doença de Alzheimer, o que levou o time à hipótese de que o ISRIB poderia restabelecer a memória na doença.
Na primeira etapa da pesquisa, os cientistas demonstraram que, em pacientes com Alzheimer, vários dos componentes necessários para a síntese de proteínas estão reduzidos no hipocampo – região do cérebro com funções cruciais para a formação de memórias. Esse achado levou os cientistas a concluírem que a síntese de proteínas poderia também estar afetada.
Os pesquisadores começaram a testar se o ISRIB poderia restaurar a plasticidade sináptica e a memória em duas linhagens diferentes de camundongos que apresentam alterações cerebrais e sintomas de perda de memória característicos da doença de Alzheimer. Ao realizarem uma série de testes nesses animais, os cientistas concluíram que o ISRIB pode, de fato, restaurar a síntese proteica no hipocampo, fortalecer as conexões entre os neurônios e a memória.
Em conjunto, esses resultados indicam que a normalização da síntese de proteínas com o uso do composto ISRIB restaura processos cognitivos prejudicados pela doença de Alzheimer.
“A síntese de proteínas no cérebro é essencial para o funcionamento dos neurônios e, notavelmente, para a consolidação das memórias. Diversos grupos de pesquisa, incluindo o nosso, mostraram anteriormente que a redução da síntese de proteínas no cérebro prejudica a formação de memória em camundongos modelos da doença de Alzheimer”, diz o Acadêmico Sergio Teixeira Ferreira, um dos autores responsáveis pelo estudo e professor titular nos Institutos de Biofísica e de Bioquímica
Médica da UFRJ. Segundo Ferreira, já foi comprovado que os cérebros de pacientes acometidos pela doença apresentam sinais claros de que a síntese de proteínas está prejudicada. “Então, nos perguntamos se restaurar a síntese de proteínas através do tratamento com um composto sintético poderia melhorar a memória na doença de Alzheimer”, diz Ferreira.
Embora a DA seja conhecida há mais de 100 anos, não há ainda medicamentos efetivos para curar ou mesmo impedir a progressão da doença. Os tratamentos utilizados consistem essencialmente em medidas paliativas, que procuram diminuir alguns dos sintomas, mas não atacam a origem do problema. A busca pela cura tem sido focada principalmente na redução de fenômenos ligados à doença, como os agregados proteicos que se acumulam nos cérebros dos pacientes e a inflamação cerebral.
O novo estudo publicado na Science Signaling sugere que o uso de um fármaco para a normalização da síntese proteica no cérebro possa atuar, combinado a outros tratamentos, para impedir o avanço da doença.
De acordo com Eric Klann, diretor do Center for Neural Science da NYU e também responsável pelo estudo, dada a natureza complexa da doença de Alzheimer, identificar vias moleculares alteradas nos cérebros acometidos pela demência, assim como realizar procedimentos nessas células, tem sido desafiador. “Nossos achados demonstram que estimular a síntese de proteínas no cérebro pode recuperar as funções cerebrais. Esperamos que este trabalho sirva como um passo adiante em direção a um novo tratamento para esta doença devastadora”, diz Klann.
O estudo contou também com a colaboração de Mychael Lourenço, professor do Instituto de Bioquímica Médica da UFRJ e membro afiliado da ABC (2021-2025); Fernanda G. De Felice, professora do Instituto de Bioquímica Médica da UFRJ e da Queen’s University (Canadá), além de ex-membro afiliado da ABC (2008-2013); e de pesquisadores da Wake Forest School of Medicine (EUA) e Fundación Ciencia & Vida (Chile).
A pesquisa foi financiada pelo Conselho Nacional para Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (Faperj), pelo Instituto Nacional de Neurociência Translacional (INNT/Brasil), pela Alzheimer’s Association (EUA) e pelo National Institutes of Health (EUA).