O cientista Francisco Laurindo, do InCor-FMUSP e do Cepid Redoxoma, foi eleito presidente da Society for Redox Biology and Medicine (SfRBM), para o período de 2022 a 2024. Também do Cepid Redoxoma, a professora Sayuri Miyamoto, do Instituto de Química da USP, foi eleita para o conselho da SfRBM, e os pós-docs Phablo de Abreu e Verônica Paviani foram escolhidos para o conselho dos jovens pesquisadores (Trainee Council). A posse dos eleitos ocorrerá durante a 27ª Conferência Anual da Sociedade, que será realizada virtualmente em novembro.
Segundo Laurindo, essas eleições consolidam a longa participação e o estreito envolvimento do Brasil na SfRBM, que é a principal sociedade da área redox, e são um reflexo da excelência do Cepid Redoxoma. Em entrevista, ele disse que a Sociedade e os cientistas em geral não podem ficar passivos ante a crescente onda de desinformação científica e obscurantismo. Além disso, ele se comprometeu a adotar tanto quanto possível o bom humor em sua presidência, apesar dos enorme desafios. “Temos que implementar algumas mudanças de cultura, temos que lutar, devemos buscar excelência, mas temos que fazer isso com bom humor e com um toque de gentileza, para ajudar a unir as pessoas em torno desses objetivos e fazer a atividade científica valer a pena”. Fundada em 1987, a SfRBM é uma organização profissional formada por cientistas e médicos que investigam a biologia redox, um tema unificador na fisiopatologia das doenças humanas.
Francisco Laurindo dirige o Laboratório de Biologia Vascular no Instituto do Coração da FMUSP e é vice-diretor do Cepid Redoxoma. Ele é livre-docente em Cardiologia pela Faculdade de Medicina da USP, onde fez a graduação e o doutorado. Tem pós-doutorado na Uniformed Services University of the Health Sciences, nos Estados Unidos. É membro da Diretoria da Academia Brasileira de Ciências e coordenador adjunto da área de Ciências da Vida da Fapesp.
Leia abaixo a entrevista com o pesquisador.
—Qual a importância de ser o primeiro brasileiro a presidir a SfRBM?
Esta eleição consolida a participação brasileira sustentada e de alta qualidade na SfRBM. Essa participação já é bastante tradicional, tendo ocorrido ao longo de 25 anos, de diversas formas. Em primeiro lugar, nossos pesquisadores costumam ser convidados para falar em ou organizar reuniões da SfRBM e outras atividades educacionais. Em segundo lugar, nossos alunos ganham muitos prêmios – quase todos os anos, pelo menos um investigador brasileiro ganha um Travel Award ou um Young Investigator Award. Além disso, vários cientistas brasileiros fazem parte do conselho editorial da revista da Sociedade, o Free Radical Biology and Medicine, do qual a Ohara Augusto [diretora do RIDC Redoxoma] foi editora associada, e mais recentemente da Redox Biology, da qual [a Acadêmica] Alicia Kowaltowski é editora associada. Além disso, vários cientistas do Brasil desempenharam funções em conselhos ou como vice-presidentes da SfRBM ao longo dos anos, como agora exemplificado pela eleição da Sayuri Miyamoto. Portanto, a participação do Brasil é forte na SfRBM, que é a principal sociedade na área redox, e vejo minha eleição para presidente como um reflexo de toda essa longa história de sucesso. Também vale lembrar que a SfRBM teve um presidente sul-americano, Rafael Radi, e, como tal, acho que a eleição também é um marco importante para os investigadores sul-americanos.
—Como você vê a SfRBM?
Meu principal objetivo como presidente é ajudar a catalisar o crescimento da excelência científica, que é a base da SfRBM. Ao mesmo tempo, a SfRBM deve ter uma visão global e ambições universais. Sendo um presidente brasileiro, comprometo-me a não administrar a SfRBM para o Brasil ou para a América do Sul, mas sim ajudar a levar a Sociedade rumo à excelência global e, nesse processo, arrastar o Brasil e a América do Sul ainda mais para a excelência científica. Acho que é fundamental que a Sociedade não seja orientada para nenhum grupo regional, ao mesmo tempo em que deve ter um amplo escopo em termos de origens geográficas e diversidade.
—Quais são seus planos para a SfRBM?
O plano principal é buscar a excelência científica. Acho que esse é o principal ativo da SfRBM, que a tornou uma Sociedade muito forte. Outro ponto importante é manter uma forte base bioquímica, que está no cerne de sua tradição e de seus fundamentos. Mas, ao mesmo tempo, a biologia explodiu nos últimos anos de maneiras incríveis e devemos abrir completamente nossa Sociedade para essas novas áreas emergentes, incluindo biologia de sistemas redox, ciências ômicas, ciência de dados, biofísica molecular, biologia estrutural e muitas outras. Vejo um enorme potencial para promover a biologia redox por meio de interações com esses campos interdisciplinares emergentes. O terceiro ponto mais importante é incorporar cada vez mais jovens pesquisadores à Sociedade, de modo a fazer com que a SfRBM impulsione suas carreiras, como foi para mim e tantos outros colegas. Ou seja, as atividades da SfRBM devem catalisar cada vez mais o crescimento científico deles, sendo uma ocasião para debates saudáveis e discussões construtivas quando apresentam seus trabalhos ou se comunicam com outros pesquisadores. Eu adoraria que a SfRBM marcasse a trajetória profissional desses estudantes no caminho para a futura liderança: isso já acontece e temos que fazer acontecer ainda mais. Nesse processo, a Sociedade deve promover um caminho ético e social definido e claro para aumentar a diversidade entre os investigadores em todos os seus aspectos, sem restrições ou obstáculos raciais, geográficos, de gênero ou de qualquer outro tipo. Cada vez mais, ser um cientista é enfrentar essas questões como se fossem nossas e temos que assumir plenamente essa responsabilidade como uma Sociedade.
—E quais serão seus maiores desafios?
Acho que vou assumir a presidência do SfRBM em um momento muito desafiador. Em primeiro lugar, já estamos passando por circunstâncias muito desafiadoras sob vários pontos de vista, e é muito provável que continuem, de um jeito ou de outro, por algum tempo. Por exemplo, em 2022 estaremos, talvez, no rito de passagem para um retorno total das conferências no formato presencial, pois sou cético que isso aconteça plenamente em 2021. Nos próximos anos, acredito que enfrentaremos restrições econômicas que podem limitar a capacidade dos cientistas de realizar trabalhos e apresentá-los em uma reunião da Sociedade. Além disso, temos que enfrentar decisões complexas e incertas quanto à questão das publicações de acesso aberto, que vieram para ficar, e das pré-impressões, que estão ajudando a acelerar a difusão do conhecimento – mas simultaneamente para o bem e para o mal. Paralelamente, uma vez que as publicações são uma fonte de recursos para nossa Sociedade, isso cria mais desafios quanto a fontes adicionais de receita. Assim, outras fontes de apoio terão que ser buscadas. Outro grande desafio é incorporar à nossa Sociedade as discussões necessárias e ações concretas relacionadas aos papéis éticos e sociais dos cientistas, cada vez mais necessários na busca pela diversidade, igualdade e tolerância. Paralelamente, a SfRBM deve incorporar cada vez mais discussões relacionadas aos crescentes desafios enfrentados por jovens pesquisadores em suas carreiras. Ou seja, a SfRBM e, em geral, todas as sociedades científicas têm, a meu ver, o desafio e a responsabilidade de cumprir cada vez mais um papel tutorial. Dito isso, acredito que um grande desafio seja manter o bom humor. Temos que implementar algumas mudanças de cultura, temos que lutar, devemos buscar excelência, mas temos que fazer isso com bom humor e com um toque de gentileza, para ajudar a unir as pessoas em torno desses objetivos, e fazer a atividade científica valer a pena. Fazer ciência é, acima de tudo, uma atividade muito positiva e gratificante. A título simbólico, iniciarei meu mandato como presidente em 2022, ano em que o congresso científico da SfRBM será realizado no Uruguai, o que ajudará, creio eu, a congregar mais estudantes da América Latina e envolvê-los na Sociedade.
—Como foi sua trajetória da Medicina à pesquisa em biologia redox?
É uma trajetória cheia de curvas. Eu me formei em Medicina, fiz uma longa e exigente residência médica, vendo muitos pacientes, dando plantões etc, ou seja, tudo o que um aspirante a médico normalmente faz. Porém, em algum momento no meio do meu curso de medicina e, posteriormente, na residência, comecei a sentir necessidade de compreender melhor os mecanismos das doenças que tratava, pensando que o nível de conhecimento que tinha, que a formação médica habitual me deu, foi incompletamente satisfatório. Assim, comecei a procurar professores nas áreas mais básicas. Destaco aqui apenas o nome do meu mentor, professor Protásio da Luz, a quem naquela época estava ligado e que me orientou na área da fisiologia cardiovascular. Comecei a fazer pesquisas durante a residência e essa área me atraiu muito. Fiz um estágio no exterior após a residência e isso mudou minha carreira radicalmente, porque a ciência básica abriu um novo horizonte para expandir o que hoje se chama medicina translacional. Quando voltei ao Brasil, montei um laboratório e nessa mesma época comecei a me interessar por processos redox – interesse que se manteve desde então. Nesse momento, um ponto de inflexão muito importante foi a interação com os colegas do Instituto de Química da USP, professor [e Acadêmico] Etelvino Bechara e a professora [e Acadêmica] Ohara Augusto. Ainda considero Ohara meu “role model” na ciência, devido ao seu rigor científico e ceticismo saudável, e é muito gratificante continuarmos interagindo por meio de sua liderança no muito expandido grupo Redoxoma. A interdisciplinaridade e a excelência deste grupo têm sido essenciais ao longo da minha carreira e nas carreiras dos alunos e pós-doutorandos que pude orientar. Continuei por algum tempo com atividades clínicas, plantões, consultório, até que essas atividades começaram a consumir muito tempo e tive que fazer a opção de parar, infelizmente. Essas são decisões dolorosas que você precisa tomar para dar orientações significativas para sua carreira. Então, desde o final dos anos 1990 e início dos anos 2000, não estou mais clinicando e me mantive inteiramente na ciência básica. O resto da história é a construção de um grupo cada vez mais forte, em vários aspectos partindo do zero em nossa instituição. E, ao longo dos anos, nossos objetivos têm sido tentar aprimorar nossa pesquisa mecanística. Sem conhecer os mecanismos no nível molecular, a ciência translacional permanece incompleta ou nem vai acontecer.
—Você é vice-diretor do Cepid Redoxoma e outros pesquisadores do Redoxoma foram eleitos para conselhos da SfRBM. Como você avalia a atuação do Redoxoma?
Acho que é um reflexo da excelência científica do Redoxoma, que canalizou para esta Sociedade há vários anos, como eu já disse. Vários outros colegas ocuparam cargos importantes: a Alicia Kowaltowski já foi do conselho e vice-diretora, o Luis Netto foi do conselho, a Ohara também foi do conselho e eu também fui do conselho, no passado. Isso reflete o caminho crescente e sustentado do alcance internacional de nosso grupo Redoxoma. A base para isso, como disse, é a excelência científica deste grupo, que encontrou na SFRBM um terreno fértil para o seu crescimento e disseminação. Isso também se expandiu para novas interações por outros meios, por exemplo, outras conferências na área, em particular várias Conferências Gordon relacionadas com a área redox.
—Com a pandemia, temos recebido mensagens contraditórias: por um lado, as pessoas parecem reconhecer a importância da ciência; por outro, vemos a propagação de desinformação e de fake-news e a atuação deletéria dos negacionistas. O que os cientistas podem fazer nessa guerra de informação versus desinformação, de ciência versus obscurantismo?
Esta é uma questão muito importante e crucial, na qual tenho me envolvido cada vez mais, por meio de minhas funções no conselho de administração da Academia Brasileira de Ciências e no conselho consultivo de nossa agência Fapesp. Acredito que, como cientistas – e agora na posição de presidente da SfRMB ainda mais -, temos responsabilidade. Hoje não é mais possível ao cientista ficar quieto e trabalhar isolado, pensando que está dando o melhor de si. É claro que, em primeiro lugar, o cientista deve buscar fazer boa ciência. Mas, hoje, trabalhar lado a lado com a sociedade tornou-se cada vez mais fundamental. Isso envolve a construção de canais de comunicação – as redes sociais em particular -, o trabalho altruísta, o envolvimento na educação em vários níveis e diversas outras formas de atuação. Eu acredito que um cientista moderno não deve escapar desse papel de uma maneira ou de outra, e a pandemia crua e tristemente expôs a urgência e a importância dessas ações. Nesse processo, teremos que defender a ciência em níveis distintos, mas acredito que uma posição de confronto não seja boa. Estudos têm mostrado que confrontar diretamente os negacionistas ou essa onda de obscurantismo não funciona e apenas tende a exacerbar essas visões distópicas. Não sei exatamente o que funciona e acho que ninguém sabe ao certo. Mas muito provavelmente começa com uma abordagem paciente, envolvendo diálogo e compreensão provisória das necessidades da outra pessoa. Inesperadamente, começo a acreditar que outro público-alvo importante hoje em dia sejam os próprios alunos, doutores e pós-doutores. Eu vou explicar. Hoje, principalmente por causa do obscurantismo, da pandemia, dos ânimos acirrados, da polarização política etc, os jovens que fazem ciência estão completamente expostos à desinformação e a atitudes hostis. Ou seja, essas pessoas trabalham duro 8, 10, 12 horas por dia no laboratório, muitas vezes nos finais de semana, para concluir o doutorado ou seus projetos, com o entusiasmo saudável da descoberta, e, ao voltar para casa, são bombardeadas pela TV, jornais, telefones celulares, redes sociais… Receio que seu senso de pertencimento esteja sendo rompido e que eles fiquem estressados ou confusos. Eles precisam de algum tipo de reforço para se posicionarem nesse cenário e temos que estar atentos a isso, fazendo coisas que não precisávamos fazer antes. Frequentemente somos criticados por pregar para convertidos. Mas acho que hoje em dia também devemos pregar aos convertidos.