Gabriella começou a participar do projeto “Tem Menina no Circuito” em 2014, quando estava no 2º ano do Ensino Médio. Ela é a mais nova de três irmãs e nenhuma delas, nem os pais, cursaram ensino superior. Depois de dois anos participando do projeto, ela resolveu cursar licenciatura em Física na UFRJ e foi aprovada no ENEM. Uma das irmãs, ao vê-la entrar no Ensino Superior, resolveu voltar a estudar e hoje cursa enfermagem. Gabriella está por concluir a graduação, é monitora do Museu da Vida e se interessa cada vez mais por divulgação científica.
Jhenifer é um exemplo de superação. Não participava das atividades extra-escolares do “Tem Menina no Circuito,” porque trabalhava no horário das reuniões. Em 2015, passou a trabalhar à noite em um salão de festas e pôde começar a participar das atividades do projeto. Hoje, cursa Letras na UFRJ e participa ativamente do NUTES (Núcleo de Tecnologia Educacional para a Saúde), onde faz iniciação científica.
Mas, afinal, o que é o “Tem Menina no Circuito”? Este projeto surgiu de uma constatação e de um incômodo das professoras do Instituto de Física da UFRJ Elis Sinnecker, Tatiana Rappoport e Thereza Paiva: há poucas mulheres na Física. Dado o fato, o que fazer para mudá-lo? Como atrair mais meninas para as exatas? Por que as meninas se acham menos aptas aos desafios dessa área do que os meninos? Sem respostas fechadas para essas perguntas, mas com muita vontade de fazer alguma coisa, elas embarcaram nessa aventura no final de 2013. Havia um edital público aberto para atrair Meninas para Ciências Exatas e resolvemos concorrer. O edital previa que as atividades fossem realizadas em uma escola pública e a escolhida foi o Colégio Estadual Alfredo Neves, em Nova Iguaçu, Baixada Fluminense, no estado do Rio de Janeiro.
As professoras realizam atividades com as meninas que envolvem eletrônica e circuitos elétricos em meios alternativos como papel, massa de modelar e tecido. Unir elementos característicos de artesanato e de atividades lúdicas – como brincar com massinha e elementos de eletrônica, como LEDs e baterias – foi a estratégia para atrair as meninas a se interessarem por ciências exatas. Para vencer estereótipos, é importante reconhecê-los e, quando possível, usá-los como instrumentos de mudança. Como a sociedade impõe que meninas tem que trabalhar com tecidos, as docentes resolveram usar tecidos para construir dispositivos. Além das oficinas com os circuitos, quando temos financiamento, organizamos palestras nas escolas, visitas à UFRJ, idas a museus e outras atividades que apresentem o Ensino Superior e as exatas como uma realidade viável para as meninas que moram na periferia.
Em 2018, as docentes contaram sua experiência no simpósio Meninas na Ciência, organizado pela Academia Brasileira de Ciências (ABC) e pela Rede Interamericana de Academias de Ciências (IANAS), no anfiteatro do Observatório Nacional (ON), no Campus Mast/ON, no Rio de Janeiro. Na continuidade do evento da ABC, o “Tem Meninas no Circuito” promoveu uma oficina no Museu de Astronomia e Ciências Afins (MAST) durante o evento “Meninas na Ciência: Aventura no Museu”. Participaram desta imersão em ciências estudantes do Colégio Olavo Bilac que contam ter considerado fazer ciência uma atividade inesquecível.
As aventuras com ciência de Gabriella e de Jhenifer não se limitaram às atividades no colégio. Em 2016, elas representaram o “Tem Menina no Circuito” na FabLearn, conferência sobre Educação e Movimento Maker. Para isso, as professoras tiveram de conversar com as mães para pedir a autorização, porque as jovens eram menores de idade. A conversa com a mãe da Jhenifer foi muito emocionante. Ela contou que passaram por muitas dificuldades e ver a filha na universidade era motivo de enorme orgulho e felicidade, além de uma oportunidade de transformação social. As meninas do projeto fazem com que as professoras e todos que conhecem a iniciativa tenham esperanças em um futuro menos desigual.
Hoje, o “Tem Menina no Circuito” mantém atividades no CIEP 218 em Duque de Caxias, escola também na Baixada e com características similares às do Colégio Alfredo Neves. Apesar dos esforços da direção, a grande maioria dos alunos das escolas não busca o ensino superior – seja pela necessidade imediata de dinheiro, pela falta de exemplos de pais que tenham cursado Ensino Superior ou por falta de informação. Atividades como o “Tem Menina no Circuito” são uma sinalização de que a Universidade Pública e Gratuita é uma possibilidade para todos e todas. Com a redução do financiamento público, o projeto só poderá continuar se mantendo se encontrar novos patrocinadores. “Tem Meninas no Circuito” é o caminho para educar nossas mulheres. Quem educa uma mulher educa uma nação.