Professor do departamento de Ciência da Computação da Universidade Federal de Minas Gerais, Fabrício Benevenuto criou um projeto pioneiro no país, o “Eleições Sem Fake”. Por meio dele, tenta monitorar nas principais redes sociais e nos grupos públicos de WhatsApp o que tem sido mais discutido relacionados à política. E acaba sendo fonte primária de informações para jornais e agências de checagem de fatos. Nessa entrevista concedida ao EL PAÍS, Benevenuto diz que o “WhatsApp é uma terra de ninguém”, é difícil de se rastrear por causa de criptografia das mensagens e, por essa razão é um campo fértil para a difusão de fake news.
Paralelo a isso tudo, no Brasil não há legislação específica para punir quem difunde esses boatos. Dependendo do caso, contudo, eles podem ser enquadrados em crimes como calúnia, injúria e difamação, cujas penas variam de três meses a dois anos de prisão.
Pergunta. Acompanhamos o Monitor do WhatsApp que você e sua equipe desenvolveram e notamos que a maioria das imagens, vídeos e memes tratam da candidatura de Jair Bolsonaro. Por que isso ocorre?
Reposta. Ele monopoliza os debates na maior parte dos grupos públicos. Monitoramos 272 grupos que debatem política (37 deles só do Bolsonaro). Tentamos não entrar em todos porque senão só teríamos informações dele, mesmo. Ainda assim, somos um sistema enviesado porque há mais grupos de apoiadores do Bolsonaro do que de outros candidatos.
P. Notamos que há muita notícia falsa nesses grupos do Bolsonaro. Em sua opinião, porque isso tem ocorrido com tanta frequência?
R. Nesta eleição, o Tribunal Superior Eleitoral atuou de maneira interessante em relação aos anúncios no Facebook. O impulsionamento passou a ter que ser homologado. As coligações têm de homologar antes, a propaganda passa a ser registrada. Ele protegeu, de certa forma, a campanha política no Facebook. No Brasil não ocorre o que ocorreu na eleição americana em que Donald Trump foi eleito. Naquela, o Facebook foi abusado pelos impulsionamentos das propagandas políticas. Naquele ano (2016), o WhatsApp não era popular nos Estados Unidos. Ele é um terreno novo, popular no Brasil, um ambiente onde pouco foi feito para se proteger e é difícil de fazê-lo. As mensagens são criptografadas.
P. Pelo que você acompanha, quem são os responsáveis por esses grupos de discussão?
R. Os grupos públicos geralmente são criados por ativistas que com mesmo interesse buscam se unir. Eles se aproveitam dessa pequena proteção e dessa dificuldade em se investigar e distribuem as notícias falsas. O WhatsApp é terra de ninguém. É compartilhado de maneira privada. Só esse monitoramento acompanhado das checagens de fatos é capaz de diminuir esse dano.
P. Esses militantes são pagos?
R. Não se sabe ao certo quem são esses militantes. A impressão que tenho é de que são pessoas engajadas, voluntárias. Poderia receber algum financiamento? Sim. Mas é difícil saber quem são e por que estão encampando determinadas ideias.
P. Pelo que você tem dito, no Facebook essa onda tem sido freada. É isso?
R. Tem notícias falsas nesse grupo do Facebook? Tem. Mas hoje tem menos, porque o TSE conseguiu diminuir ao ficar de olho nos gastos da campanha. No WhatsApp isso é mais complicado porque bate de frente na liberdade de expressão e pode se caracterizar como censura de conversas privadas. Enfim, os gastos de campanha o TSE consegue controlar.
P. Qual é a importância dessa checagem de fatos, na sua opinião?
R. Parte do que temos em nosso Monitor do WhatsApp é checado pelo Projeto Comprova. Isso foi uma mudança de paradigma. Algo que serve de exemplo para outros países. A checagem de fatos é o trabalho mais nobre para enfrentar a fake news. Mas é contenção de danos. O estrago já está sendo feito, talvez de forma irreversível.
P. O que se faz para evitar esse dano?
R. Tem de atuar no mecanismo de disseminação. Mas isso depende muito do próprio WhatsApp. Não acho que deveria haver uma regulamentação pública. O WhatsApp poderia identificar conteúdo político e reduzir o seu compartilhamento. Existem formas. A fase que a gente está é que a mídia precisa fazer o alerta e mostrar o tamanho do problema. Depois de críticas o sistema seja modificado. A atuação tem de ser junto a empresa para não permitir o espalhamento do boato. O segundo caminho é o de investigação, para saber se tem alguém por trás pelo financiamento de notícias falsas. Se há caixa dois ou grupos por trás tentando influenciar as eleições através desse mercado negro. A Internet deixa rastro, e elas estão rastreados.
P. O projeto persiste após as eleições?
R. Nosso objetivo é dar transparência às eleições brasileiras neste ano. Mas o projeto pode ser útil para atuar em campanhas de outros países. O WhatsApp é uma ferramenta de disseminação que precisa ser estudado e monitorado. Tem de se lembrar que, na Índia, 22 pessoas morreram assassinadas [algumas delas linchadas] por causa de uma onda de boatos sobre traficantes de crianças. Temos de desenvolver o projeto cada vez mais para ajudar a evitar casos como esse.