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Márcia Barbosa com o retrato da filósofa e matemática grega Hipátia de Alexandria ao fundo
“Mulheres na Ciência: por que tão poucas? Chega de mimimi. A distância é a mesma para mulheres e homens”. Estimulando a plateia que lotou o auditório da Reitoria com essa ‘provocação reflexiva’, a física Márcia Barbosa, professora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), iniciou a conferência Mulheres na ciência: uma verdade inconveniente, que funcionou como aula inaugural da Formação Transversal em Direitos Humanos, realizada na tarde de quinta-feira, dia 9.
Integrante da Academia Brasileira de Ciências, referência nacional e internacional em pesquisa na área da Física e vencedora de prêmios importantes, como o Loreal-Unesco, Márcia Barbosa discorreu sobre fatores que dificultam o ingresso e a ascensão das mulheres no campo das ciências exatas. Baseando-se em dados do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e na Academia Brasileira de Ciências (ABC), entre outras referências, além de comparar a participação da mulher na ciência em relação ao homem por área de conhecimento, ela evidenciou vários obstáculos no caminho da mulher, como o estereótipo tipicamente masculino do cientista, a desacreditação da mulher como pesquisadora e a falta de incentivo para o desenvolvimento acadêmico da mulher devido à maternidade, período em que se afastaria das atividades de pesquisa para se dedicar à prole.
Efeito tesoura
Márcia Barbosa mostrou que as mulheres estão sub-representadas em muitas áreas da ciência, particularmente nas exatas, tecnologia e engenharias. Segundo ela, esse fenômeno se acentua em graus mais avançados da carreira. “À medida que avança, as mulheres são ‘tesouradas’ e, após o doutorado, praticamente desaparecem do sistema. Esse ‘efeito tesoura’ é um fenômeno global”, avaliou.
A física resgatou a trajetória de várias mulheres cientistas, como Marie Curie, cientista polonesa que conduziu pesquisas pioneiras no ramo da radioatividade, e a grega Hipátia de Alexandria, a primeira mulher reconhecida como matemática e uma das primeiras pessoas a sustentar que as órbitas eram elípticas, tese que quebrou um grande paradigma. O governo quis obrigá-la a abandonar suas pesquisas e negar suas descobertas. Ela foi morta por não aceitar isso e por não abrir mão de seu direito de fazer ciência.
De acordo com a professora, o século 21 ainda não registra uma participação decisiva das mulheres na ciência, sem contar a sub-representação de negras e negros na carreira científica. “O século 21 impõe problemas complexos demais para serem resolvidos apenas pelos homens brancos e de elite que dominam as pesquisas. Necessitamos de diversidade e de pluralidade”, enfatizou Márcia Barbosa.
Direito de ser mãe e cientista
A professora da UFRGS é autora da pesquisa Por que tão poucas? Por que tão lentamente?, na qual revela que, na comparação com os homens, as mulheres recebem menos bolsas e registram os maiores índices de evasão da carreira, conforme avançam na pós-graduação. Ela defende medidas para apoiar mulheres cientistas a exercer o direito de ser mães sem serem penalizadas por isso. “Vamos propor a inclusão de declaração de filhos no Lattes [plataforma do CNPq que registra a produção científica dos pesquisadores que atuam no Brasil] e a instauração de uma comissão de gênero para a Capes”, anunciou.
Ao fim da conferência, Márcia Barbosa chamou a atenção para o assédio moral e sexual nas instituições. “Infelizmente no trabalho, nas universidades e na vida cotidiana, a mulher ainda é um objeto. O assédio é real e afeta nossas jovens. Precisamos estruturar ouvidorias especializadas para tratar disso. Somos bons para formar comitês de ética animal para tratar dos experimentos e estabelecer critérios, mas ainda não temos comitês de ética humana para monitorar as relações, em particular as de poder entre professores e estudantes”, disse ela, sob aplausos da plateia.
Antes da conferência, a pró-reitora de Extensão, Cláudia Mayorga, apresentou a estrutura curricular e as disciplinas ofertadas neste semestre pela Formação Transversal em Direitos Humanos. Presente na aula inaugural, a reitora Sandra Regina Goulart Almeida ressaltou a importância dessa formação no percurso acadêmico do estudante de graduação. A atividade foi promovida pela Rede Direitos Humanos, vinculada à Pró-reitoria de Extensão, em parceria com a Pró-reitoria de Pós-graduação da UFMG.
Plateia que lotou o auditório da Reitoria para acompanhar a aula inaugural
Cientista premiada
Márcia Barbosa é pesquisadora nível 1B do CNPq e membro titular da Academia Brasileira de Ciências. Tem experiência na área de Física, atuando principalmente em água e suas anomalias e soluções aquosas. Por seu trabalho nesse campo, ganhou o Prêmio Loreal e Unesco de Mulheres nas Ciências, na área de física, e o Prêmio Claudia em Ciência, ambos em 2013. Também estuda questões de gênero na ciência, abordagem que lhe rendeu, em 2009, o prêmio Nicholson Medal, da American Physical Society. Devido à sua atuação na pós-graduação, Márcia Barbosa foi agraciada com o Prêmio Anísio Teixeira da Capes. Ela também integra a diretoria da Academia Brasileira de Ciências.