A utilização de animais em pesquisas científicas e no ensino foi tema de conferência no primeiro dia de atividades da 70ª Reunião Anual da SBPC – “Ciência, Responsabilidade Social e Soberania” -, em curso na Universidade Federal de Alagoas (Ufal). Coube à coordenadora do Conselho Nacional de Controle de Experimentação Animal (Concea), Mônica Levy Andersen, apresentar os avanços obtidos no sistema de substituição de testes e os dilemas da experimentação animal no Brasil.

A conferência da professora Mônica Andersen foi muito concorrida pelos alunos e professores das diversas áreas acadêmicas que necessitam do uso de animais para suas pesquisas e prática educacional. De forma didática, Andersen relatou a história do Brasil no processo de experimentação com animais, especialmente a partir da edição da Lei 11.794/08, mais conhecida como Lei Arouca, que completou dez anos de vigência. Por estar à frente da coordenação do Concea, a professora da Unifesp compartilhou com os espectadores informações preciosas sobre o funcionamento do sistema de controle de uso de animais.

“Os estudantes têm que ter experiência e a experiência a gente adquire nos animais”, afirmou. Andersen explicou que a prática ética nesta área segue o ‘Princípio dos três Rs’: redução (reduction), refinamento (refinement) e substituição (replacement). Buscar sempre o uso do menor número de animais em uma pesquisa e melhorar as condições de vida deles no processo são peças-chave nessa equação. “E a função do Concea é oferecer métodos alternativos a esse uso de animais”, complementou.

Pela Lei, toda entidade que pretenda usar animais em experimentos ou aulas precisa ser cadastrada no Concea, fazendo com que hoje existam mais de 500 instituições cujas atividades são monitoradas pelo Conselho. Isso não significa que o Concea as fiscalize. “Se alguém disse que um fiscal do Concea foi a algum local, isso é Fake News”, brincou a professora. “O conselho fornece informações que podem subsidiar fiscalizações, mas ele próprio não fiscaliza.”

Dilemas éticos

A experimentação animal sempre levanta conflitos éticos, acirrados atualmente em posicionamentos mais radicais em defesa dos animais. Sobre isto, a coordenadora do Concea ponderou com os presentes que é sempre importante considerar o tamanho do impacto do benefício social gerado para os humanos com as pesquisas que, em algum momento, continuarão precisando de animais para serem realizadas com sucesso.

“Recentemente tive a informação de que 2.869 bebês nasceram com microcefalia por conta do vírus zika. Essas crianças precisarão de todo um sistema de suporte de saúde, educacional e de assistência que não estamos preparados. Considerando isso, se forem necessários 500 camundongos para testar uma vacina que previna essa enfermidade, devem ser usados esses camundongos”, afirmou. “É nisso que temos que pensar. Se tivermos que usar 300 camundongos pela vida de uma criança, a gente vai fazer. É sempre importante ter isso em mente para evitar radicalismos”, frisou a professora.

Andersen explicou que o Concea tem editado várias normas nesses 10 anos de vigência da Lei, estabelecendo diversos métodos alternativos para que pesquisadores e estudantes possam evitar esse uso dos animais quando é possível. E que o Conselho também tem trabalhado no sentido de aumentar a participação das diversas esferas de conhecimento no sistema de análise dos processos de experimentação animal, com o intuito de tornar esse modelo cada vez mais multidisciplinar e robusto. “É a multidisciplinariedade que melhora todo mundo em termos éticos.”

Novos passos

Um aspecto importante apresentado por Andersen foi a necessidade de uma participação mais ativa das comunidades científica e acadêmica nos processos de normatização do Concea. O Conselho sempre coloca suas propostas em consulta pública antes de edita-las e, infelizmente, a participação da sociedade ainda é muito baixa. “Sempre que o Concea termina um texto, ele mostra para a sociedade. Fica no site, aberto, por 60 dias e é pouquíssima a participação. Entrem, comentem, critiquem, reclamem. O que não dá é, depois que vira norma publicada no Diário Oficial, reclamar da norma”, provocou a coordenadora.

Na busca pela melhoria do sistema, a diretora da SBPC e apresentadora da conferência, professora Lucile Floeter Winter, contou que em breve será disponibilizado um programa de orientação sobre o trato dos animais no ambiente científico. Esse curso de treinamento está sendo finalizado pela USP e contará com um sistema de certificação dos participantes. “A ideia é a gente certificar e o Concea reconhecer. Estamos trabalhando em parceria”, contou Winter. Esse é mais um passo em direção a um sistema de mínimo impacto nos animais usados em experimentos.