Leia matéria de Evanildo da Silveira para BBC Brasil, publicada em 9 de abril de 2018:
Pouco antes das 11h da manhã de 2 de abril, funcionários de prédios altos da avenida Paulista, em São Paulo, levaram um susto. As edificações começaram a balançar, a ponto de algumas terem de ser evacuadas. Era o reflexo de um terremoto de 6,8 pontos na escala Richter no sul da Bolívia.
Por certo, muita gente lembrou da ideia muita difundida de que o Brasil é um país onde esses fenômenos não ocorrem. Essa certeza não passa de um mito, no entanto. Tremores são registrados praticamente todas as semanas no território nacional.
Segundo o sismólogo Bruno Collaço, do Centro de Sismologia da Universidade de São Paulo (USP), a grande maioria deles não é percebida pela população. “São tremores de magnitudes baixas, menores que 3,0, registrados pelos sensores espalhados pelo país e que somente são sentidos pelas pessoas quando ocorrem próximos aos centros urbanos”, explica.
Seu colega no Centro, o Acadêmico Marcelo Sousa de Assumpção, coordenador da Rede Sismográfica Brasileira, acrescenta que não existem de fato terremotos no Brasil com a mesma frequência e força dos registrados em outros países mais ativos. “No Chile, por exemplo, ocorrem tremores de magnitude 5,0 quase toda semana”, diz.
“Já no Brasil apenas uma vez a cada 5 anos. Nosso país também pode ter sismos de magnitude 6,0 (suficientes para provocarem danos muito sérios se ocorrerem próximo a alguma cidade grande) uma vez a cada 50 anos, em média.”
Os registros históricos confirmam essas informações. Um dos primeiros brasileiros a sentir e registrar um terremoto foi ninguém menos que o imperador D. Pedro II, que, às 15h do dia 9 de maio de 1886, percebeu a terra tremer sob seus pés, quando se encontrava em seu palácio, em Petrópolis (RJ). Segundo o sismólogo José Alberto Vivas Veloso, pesquisador aposentado e ex-chefe do Observatório Sismológico da Universidade de Brasília (UnB), a magnitude estimada do abalo foi de 4,3 pontos.
Ainda de acordo com Veloso, “imediatamente o monarca quis saber o que de fato tinha acontecido e determinou que se buscassem informações a respeito”. A tarefa coube ao engenheiro Guilherme Schüch (1824-1908), o barão de Capanema.
“Incentivado pelo imperador, ele coletou e analisou dados de terremotos em todo o país e publicou, em 1859, o primeiro artigo científico sobre o tema no Brasil”, conta Veloso.
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‘Enxame de sismos’
O sismo mais famoso e que causou maior impacto econômico e social, no entanto, foi sem dúvida o da pequena cidade de João Câmara, no Rio Grande do Norte, com então 23 mil habitantes, registrado às 3h22 da madrugada de 30 de novembro de 1986, com magnitude 5,1 pontos. “Na verdade, naquele dia aconteceu o maior de uma série de 50 mil abalos, aproximadamente”, explica Veloso, autor do livro “O terremoto que mexeu com o Brasil”, no qual relata o evento.
As consequências, diz ele, foram catastróficas. Cerca de 4.350 edificações foram destruídas ou danificadas, deixando milhares de desabrigados, inclusive de municípios vizinhos, com algumas famílias perdendo praticamente tudo o que possuíam. Além disso, o abalo paralisou as pequenas indústrias e o comércio locais e suspendeu as aulas nas escolas da região.
Tratou-se, na verdade, do que os especialistas chamam de um enxame de sismos.
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Uma cebola
A segunda é que, de fato, o Brasil tem poucos tremores comparado com países vizinhos (Argentina, Peru, Bolívia, por exemplo), porque seu território se encontra no interior de – ou sobre – uma grande placa tectônica, distante de suas bordas – onde os terremotos são mais numerosos e mais intensos.
Para entender isso é preciso saber um pouco sobre tectônica de placas. A Terra é feita de camadas, como, numa comparação grosseira, uma cebola.
A camada mais externa, com cerca de 100 km de espessura, é composta pela crosta e a parte superior do manto (uma camada de consistência pastosa, semelhante a de um asfalto quente: o magma, que pode ser visto quando expelido por vulcões). Esse conjunto – crosta mais a camada sólida superior do manto – forma a litosfera.
Hoje se sabe que a litosfera está dividida em gigantescas placas rochosas, chamadas tectônicas, que flutuam sobre o manto de magma, carregando oceanos e continentes. Existem dez dessas grandes jangadas de pedra – Africana, Antártica, Arábica, Eurasiática, das Filipinas, Indo-Australiana, de Nazca, Norte-Americana e do Caribe, do Pacífico e Sulamericana, – e várias outras menores. São essas estruturas que modelam a superfície da Terra, erguendo montanhas e causando terremotos e tsunamis, quando se chocam.
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Segundo Collaço, de fato, o Brasil está inserido no centro da placa da América do Sul, em um região classificada como sendo estável tectonicamente. Por isso, por aqui não são esperados terremotos devastadores como acontecem no Japão e Chile com magnitudes acima de 8,0 pontos por exemplo.
“Contudo, nosso país sofre uma compressão causada a leste pela Placa Africana e a oeste pela Placa de Nazca, e são principalmente esses esforços que acabam funcionando como gatilho para os tremores que acontecem no país.”