por_do_sol_em_manila_nas_filipinas_pesquisadores_estudam_tecnicas_para_conter_radiacao_romeo_ranoco_reuters522015.jpgTrilhões de discos posicionados na estratosfera formam um bloqueio para filtrar a radiação solar que chegaria à Terra. Milhares de navios dispersos pelos oceanos são usados na formação de nuvens, evitando a chegada da luz do Sol na superfície do planeta. Soa como ficção científica, mas essas técnicas para o combate ao aquecimento global já são estudadas nos EUA e na Europa. Agora, outras nações querem juntar-se à pesquisa. Em artigo publicado na semana passada na revista “Nature”, cientistas de países em desenvolvimento anunciam um fundo de US$ 400 mil para o estudo da geoengenharia, como são conhecidas essas medidas que, em um futuro não tão distante, podem ser a derradeira tentativa de conter as mudanças climáticas.

De acordo com os cientistas, os países do Hemisfério Sul serão os mais afetados pelo aquecimento global — por isso, é fundamental que tenham meios para reagir a eventos extremos, como o aumento do nível do mar. Atualmente, os efeitos da geoengenharia são incertos, porque os estudos estão restritos a simulações em computador e pouco consideram as variações climáticas regionais.

— Os países em desenvolvimento devem liderar a pesquisa em geoengenharia solar. Hoje, porém, não há grupos de estudo no Brasil, na Índia ou em qualquer outra localidade que mais sentirá os impactos das mudanças climáticas, devido à nossa falta de infraestrutura e recursos humanos — lamenta Paulo Artaxo, professor do Instituto de Física da USP e um dos signatários do artigo. — Ninguém estuda geoengenharia aqui, e temos questões muito específicas para resolver, como o que pode ser feito para preservar a Amazônia.

Artaxo ressalta que algumas técnicas de geoengenharia já são viáveis, como jogar partículas de aerossóis na estratosfera, filtrando a radiação solar. No entanto, é possível que esse plano mude o regime de chuvas do planeta e, com isso, a fotossíntese de diversos seres vivos e a manutenção da biodiversidade.

— Qual é a melhor técnica de geoengenharia? A verdade nua e crua: nenhuma — observa Artaxo. — Mas a discussão deve ser global porque, daqui a 20 ou 30 anos, a Humanidade pode ser obrigada a apelar para um desses projetos. Não estamos conseguindo reduzir a concentração de gases de efeito estufa. Ao contrário: houve um aumento de 2% entre 2016 e 2017. Alguns países, como a Alemanha, já disseram que não conseguirão cumprir as metas para corte de emissões que estabeleceram no Acordo de Paris.

Ao lado de Artaxo, outros 11 cientistas, a maioria de países em desenvolvimento, lembram que a geoengenharia solar levanta questões sociopolíticas difíceis que não podem ser eliminadas. Por exemplo, quem teria o direito de implementar uma tecnologia que é inerentemente global, e como saber se as medidas favoráveis a uma região do planeta não prejudicariam outra localidade.

Em simpósios, representantes dos países em desenvolvimento opuseram-se à implementação da tecnologia em seu atual estágio, mas reivindicaram apoio a estudos sobre impactos locais provocados pelas mudanças climáticas. Como disse um participante de um encontro no Quênia, “a geoengenharia é uma ideia louca, mas precisamos entendê-la”.

Houve alguns progressos tímidos nos estudos na última década. Novas pesquisas mostraram que, ao contrário do que se pensava pouco tempo atrás, a geoengenharia solar não atrapalhará as chuvas de monções no Oceano Índico, que são cruciais para a agricultura na Índia.

Fórmulas mirabolantes

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Também já se sabe que a injeção anual de cinco megatoneladas de dióxido de enxofre na atmosfera — cerca de um quarto do que foi liberado pela erupção no Monte Pinatubo, nas Filipinas, em 1991 —, pode contribuir para manter o aquecimento global abaixo do patamar de 2 graus Celsius. Outras técnicas poderiam corrigir as tendências de que algumas regiões fiquem cada vez mais úmidas, e outras, mais secas.

Ainda assim, a geoengenharia solar pode servir apenas como uma máscara sobre o estrago ao planeta provocado pelas mudanças climáticas. A difusão do dióxido de enxofre, por exemplo, pode atrasar a regeneração do ozônio na atmosfera. E o aerossol jogado na estratosfera para servir como um “escudo” ao planeta pode ser danoso ao meio ambiente e à saúde humana.

Professor do Departamento de Ciências Ambientais da Universidade Rutgers (EUA), Alan Robock aprova a mobilização das nações em desenvolvimento.

— Há cientistas qualificados que podem realizar esse trabalho — avalia Robock, autor do livro “Vinte razões pelas quais a geoengenharia pode ser uma má ideia”. — Estamos pesquisando os potenciais benefícios e riscos no gerenciamento da radiação solar. Mas todos sabem que a solução ideal é a mitigação, ou seja, acabar com o uso do carvão e cortar as emissões de gases-estufa.

Douglas MacMartin, professor de Engenharia Mecânica e Aeroespacial da Universidade Cornell (EUA), apoia a distribuição de tecnologias necessárias para a pesquisa sobre geoengenharia.

— Os países desenvolvidos têm mais acesso a modelos climáticos, mas eles precisam de parcerias para fazer análises completas sobre o impacto da temperatura global em diversas situações, como no eventual processo de desertificação da Amazônia — explica. — Hoje, a geoengenharia é pouco mais do que uma ideia, porque tirar esses estudos do papel custará centenas de bilhões de dólares.

Para o pesquisador, alguns países já supõem erroneamente que o desenvolvimento dessas técnicas é mais vantajoso do que retirar os combustíveis fósseis de suas economias. Por isso, é possível que o tema seja incluído em breve na pauta das conferências do clima (COPs), que atualmente consideram a geoengenharia apenas como uma “distração”, que atrapalharia debates mais urgentes.

As verbas destinadas a pesquisas dos países em desenvolvimento serão administradas pela Academia Mundial de Ciências. Os cientistas que assinaram o artigo da “Nature” pediram que o Painel Intergovernamental sobre as Mudanças Climáticas (IPCC) produza um relatório especial sobre os riscos e as vantagens da geoengenharia solar: “Essa tecnologia é repleta de riscos e nunca pode ser uma alternativa à mitigação. Do jeito que as coisas estão, os políticos enfrentarão esse dilema sombrio dentro de algumas décadas. É certo, política e moralmente, que o Hemisfério Sul tenha um papel central nas pesquisas”.

(Renato Gradelle para O Globo)