Mineiros de Belo Horizonte, com quatro filhas pequenas, os pais de Carolina Horta Andrade mudaram-se de São Paulo para o estado de Goiás, em 1981, para uma fazenda próxima a Formosa, cidadezinha com então 70 mil habitantes. Sua mãe, professora primária, alfabetizou as duas irmãs mais velhas em casa, assim como outras crianças, filhas dos funcionários da fazenda. Para possibilitar a continuidade dos estudos das meninas, seus pais decidiram se mudar para a cidade mais próxima, Formosa, onde em1983, nasceu a caçula Carolina.

Sempre estudiosa e dedicada

Esta foi alfabetizada em um colégio de freiras, o Colégio São José, e depois estudou no Colégio Objetivo e no Colégio Visão, onde se preparou para o vestibular. “”Lá eu tive contato com excelentes professores, que vinham todos os dias de Brasília, a 70 Km, e sou grata a eles por ter passado de primeira na Federal. Foi onde comecei a me preparar para estar onde estou hoje,”” recorda Carolina.

Os pais sustentaram as cinco meninas com a produção da fazenda, cultivando arroz, milho, frutas, desenvolvendo atividades de pecuária e suinocultura. Em 1985, buscando ampliar os negócios, fundaram o “”Chalé””, um mini frigorífico artesanal, que produzia frios e defumados embutidos a partir da suinocultura da fazenda, além de vários tipos de queijos, massas caseiras e conservas, que eram vendidos com sucesso, em Brasília, para restaurantes, hotéis, etc.

Carolina conta que sempre foi muito curiosa e que gostava de estudar, especialmente ciências e química. “”Meus pais sempre nos estimularam muito, nos criaram para sermos intelectuais e se esforçaram muito para que todas pudéssemos estudar em bons colégios, frequentar cursos de inglês, fazer esportes”” ressaltou. Seu interesse nos fenômenos naturais e biológicos foi um estímulo para participar das várias Feiras de Ciências que ocorreram durante o ensino médio. “”Nos considerávamos cientistas-mirins. Tínhamos que ter ideias e buscar soluções. Essas oportunidades me aproximaram do que é a vida de quem faz ciência.””

Por que farmácia?

As quatro irmãs mais velhas entraram na faculdade. A mais velha tornou-se advogada, as duas do meio fisioterapeutas e a penúltima engenheira de alimentos. Cada uma estudou em uma universidade, em diferentes cidades do Brasil. Embora não houvesse nenhum farmacêutico ou cientista na família, Carolina Horta considera que as histórias contadas sobre o seu avô paterno, que não chegou a conhecer, a inspiraram. Moacyr Duval Andrade foi professor catedrático da Universidade Federal de Minas Gerais, tendo cursado a graduação na Universidade Federal de Ouro Preto, onde recebeu a Medalha de Ouro atribuída ao melhor aluno da Escola de Engenharia Civil. Era fluente em nove idiomas e respeitado mundialmente na área de engenharia civil e eletrotécnica. Sua história serviu de referência para a neta, mas nem por isso tornou sua escolha de carreira um processo fácil.

No ensino médio, Carolina pensava em cursar medicina, por gostar de matérias relacionadas com as áreas da saúde e biológicas. A irmã mais velha, Simone, a ajudou bastante nesta fase e a estimulou a pesquisar sobre o curso de farmácia, por ser uma área versátil, em que o profissional pode atuar desde em indústrias farmacêuticas a laboratórios de análises clínicas. Assim, decidiu cursar farmácia. Na metade do curso, ao lidar com as disciplinas de farmacologia e química medicinal, apaixonou-se pela área e teve a certeza de que estava no caminho certo. Fez estágio de iniciação científica em química medicinal e, a partir de então, resolveu seguir a carreira de cientista.

Em 2003, teve a oportunidade de visitar a Faculdade de Ciências Farmacêuticas da Universidade de São Paulo (USP), em Ribeirão Preto, através de um professor da Faculdade de Farmácia da UFG e hoje se colega, Edemilson Cardoso. Carolina entusiasmou-se com o que viu e, como já tinha duas irmãs morando em São Paulo, decidiu ir conhecer a USP de lá. Fui muito bem recebida Profa. Elizabeth Igne Ferreira, sua futura orientadora.

Do fracasso ao sucesso

Assim, depois de concluir a graduação em farmácia na Universidade Federal de Goiás (UFG), Carolina Horta tentou ingressar no mestrado da USP – e teve a primeira grande decepção da sua vida, conforme ela diz, com a reprovação. A orientadora, porém, não deixou que ela desistisse. Convenceu-a a ficar em São Paulo e estudar para o próximo processo seletivo, em seis meses. E tamanho foi o sucesso da empreitada que Carolina não só passou como, um ano depois, foi indicada para ir direto para o doutorado, devido à excelência do seu desempenho acadêmico. E assim foi: Carolina continuou no doutorado com seu projeto de pesquisa de novos candidatos a fármacos para tuberculose, e em 2008 foi para os Estados Unidos fazer o estágio de doutorado sanduíche, por oito meses, sob a supervisão do Prof. Anton Hopfinger, um dos grandes nomes da química computacional e quimioinformática no mundo. Em abril de 2009 defendeu a tese de doutorado na USP, sucesso por ela atribuído aos seus três orientadores: Profa. Elizabeth Ferreira (USP), sua coorientadora e grande amiga, Dra. Kerly Pasqualoto (Instituto Butantã), e o Prof. Tony Hopfinger (UNM-USA). “”Os três são pessoas incríveis que muito me incentivaram e inspiram a minha carreira.””

Em 2009, retornou para a Faculdade de Farmácia da UFG com uma bolsa de pós-doutorado voltada para o desenvolvimento científico regional (DCR), que tem o objetivo de fixar doutores formados em outros estados. Em 2010 foi aprovada em primeiro lugar no concurso público para professor efetivo na UFG. No mesmo ano em que iniciou sua carreira como professora e pesquisadora, Carolina também se casou, com um químico e também pesquisador, Rodolpho Braga, com quem tem muitos projetos e artigos em comum.

Ela coordena o Laboratório de Planejamento de Fármacos e Modelagem Molecular (LabMol), cujo principal objetivo é o planejamento e descoberta de novos fármacos (princípios ativos dos medicamentos) para tratar as chamadas doenças negligenciadas, que são aquelas que acometem populações mais pobres em países em desenvolvimento e subdesenvolvidos, como a leishmaniose, malária, esquistossomose, doença de Chagas, dengue, entre outras. A pesquisadora conta que seu interesse pelo tema surgiu, principalmente, por serem doenças que representam graves problemas de saúde pública e atingirem países tropicais como o Brasil. “”Os medicamentos disponíveis para o tratamento dessas doenças não são totalmente eficazes, apresentam graves efeitos colaterais e em alguns casos, inexistem.”” O grupo de pesquisa que Carolina coordena conta com um forte componente computacional nas fases iniciais de planejamento e descoberta de fármacos, que são chamados estudos in silico, que significa com o uso do computador, para acelerar o processo de descoberta de novas substancias ativas contra essas doenças.

Atualmente é vice-diretora da Divisão de Química Medicinal da Sociedade Brasileira de Química (SBQ, gestão 201618). Em 2014 recebeu o prêmio “”Para Mulheres na Ciência””, da LOréal-Unesco-ABC, na área de Ciências Químicas. Em 2015 recebeu o prêmio International Rising Talents, da Fundação LOréal e Unesco. Foi eleita, em 2016, como membro afiliado da Academia Brasileira de Ciências para o período de 2017 a 2021.

Interesses e motivações

Fora do laboratório, Carolina adora as séries de TV, como Game of Thrones, Dexter, Breaking Bad, entre muitas outras. Praticante de ioga e corrida, gosto muito de viajar e conhecer lugares novos, especialmente quando envolve natureza. E trabalha ouvindo música: de indi
e rock a mpb. Mas o reconhecimento do trabalho árduo e de qualidade que vem desenvolvendo no LabMol veio por meio da eleição para integrar a ABC, o que foi uma honra, segundo a pesquisadora. “”Sou muito grata aos meus alunos, que se dedicam todos os dias no laboratório para colhermos bons frutos””, diz Horta.

O fascínio que ela encontra na ciência é a possibilidade de descobrir soluções para problemas. E o que a atrai na vida de cientista é o aprendizado contínuo. Ela se diz feliz em aprender coisas novas e estar sempre em contato com mentes mais jovens, dos seus orientandos. “”Na minha área, o que me move é a possibilidade da descoberta de medicamentos que vão beneficiar a vida de milhares de pessoas que sofrem com doenças que não têm tratamento.””

Carolina Horta acha que será muito enriquecedor participar das discussões da Academia acerca de propostas de políticas de ciência e tecnologia para o Brasil. “”Além disso, a atuação na Academia é um compromisso que firmamos em contribuir para o avanço da ciência brasileira, através da interação com membros titulares, de forma a trazer soluções para a sociedade.””