Gustavo Matta, Maria Van Kerkhove, Myrna Bonaldo e, à direita, Helder Nakaya
No dia 9/11, na Academia Nacional de Medicina, o Simpósio sobre Zika reuniu três palestrantes bem diversos pela manhã, sob o tema geral “Abordando a Epidemia de ZIka Vírus”.
O entendimento global do vírus zika e os possíveis desdobramentos
A primeira palestrante foi a pesquisadora norteamericana sediada há dez anos na França, Maria van Kerkhove, do Instituto Pasteur. Ela faz um trabalho de inter-relações institucionais, um esforço internacional de reunir as pessoas certas de modo a tentar definir protocolos padronizados para os estudos sobre zika.
Como estudar grávidas infectadas? Como estudar Guillain-Barré? Estão sendo estabelecidos esses protocolos, assim como a definição dos principais problemas a serem estudados e um entendimento de como essas interações estão acontecendo. Através dos sites de publicações construídos nesse processo, que indicam onde estão esses dados, uma pessoa que esteja iniciando um estudo na área pode utilizar um protocolo mais padronizado, o que permite que se possa comparar resultados de locais diferentes.
Maria Kerkhove acentuou a importância de que sejam estabelecidos e seguidos padrões internacionais de protocolos, de tal forma que os estudos feitos em diferentes países possam ser somados. “Mas isso só o que só será alcançado com harmonização e padronização, especialmente no que diz respeito a estudos epidemiológicos de populações, de grupos – mulheres, crianças, etc.”, afirmou. Dessa forma, segundo ela, será possível chegar a conclusões epidemiológicas que sejam válidas, pelo grande número de casos considerados.
O trabalho de Kerkhove envolve o acompanhamento das epidemias globais de vírus respiratórios e de outros, como o zika, propagado por insetos. A pesquisadora mostrou que hoje existe um desafio global. Com relação à microcefalia, que aparenta ser um problema que só ocorre no Brasil, Kerkhove levantou algumas questões. Em sua visão, o fato de haver mais bebês nascendo com microcefalia no Brasil é, em parte, correlacionado com o fato de que em todos os outros países em que o vírus zika está presente o aborto é uma pratica aceitável – e legalizada, em muitos casos. Assim, ela avalia que não haja mais casos porque, possivelmente, esses bebês estejam sendo intencionalmente abortados.
A epidemia de zika e os desafios para a sociedade
Graduado em psicologia, com mestrado e doutorado em Saúde Coletiva, Gustavo Corrêa Matta é atualmente pesquisador em saúde pública da Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca – Fundação Oswaldo Cruz, colaborador da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio e da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Ele apresentou uma “carta de intenções” do seu grupo de trabalho, que atua em ciências sociais, em educação e antropologia.
Matta mostrou como as ciências humanas e sociais estão correlacionadas com as questões mais práticas associadas às ciências da natureza, às ciências exatas e da engenharia. O caso do vírus zika é um exemplo disso: é preciso construir uma compreensão social do impacto da doença. Porque há correlação entre os impactos neurológicos mais marcantes com um recorte social entre os mais pobres? Porque ocorre mais microcefalia entre as populações mais carentes? E como a população está interpretando as mensagens? Por que é uma doença que afeta mais as mulheres? Como a sociedade e as mulheres estão reagindo a essa questão?
Essas são algumas das questões que precisam ser compreendidas e sua apresentação deu um panorama da rede e apresentou as linhas de pesquisa, ainda sem os resultados, por ser um projeto de longo prazo.
O todo é maior que a soma das partes
Biólogo, bioquímico, bioinformata. Helder Nakaya, da Universidade de São Paulo (USP), tem uma visão matemática e computacional de como correlacionar grandes volumes de dados com fenômenos que, muitas vezes, passam despercebidos quando se olha para um dado isolado. E ele faz mais do que isso, pois ao reunir dados e informações de bases diferentes se consegue enriquecer muito as conclusões.
Nakaya deu exemplos concretos da teoria de sistemas complexos, que reconhece que a soma das partes é menor do que o todo. Ele mostrou dados de pesquisadores estudando proteômica, analisando proteínas expressas separadamente ou diferencialmente em células; outras pessoas estudando impactos neurológicos no crescimento de filhotes de rato cujas mães foram infectadas; outros cientistas que estão estudando diferentes linhagens do vírus e sua infectividade. Aparentemente, estes são projetos descorrelacionados. Mas quando se coloca todos esses dados juntos, se torna possível chegar a conclusões às quais, individualmente, cada um desses projetos não chegaria.
“É uma forma diferente, mais integrativa de ver a ciência”, afirmou o vice-presidente regional da ABC para a Região Minas & Centro-Oeste, Mauro Teixeira. “Não se olha para um gene, para uma molécula. Se olha para muitos genes e a partir desse olhar múltiplo você busca um ou outro gene que, porventura, possa ser útil para ser testado, que possa ser um alvo de medicamento, um alvo de vacina ou, simplesmente, possibilitar uma compreensão maior das doenças.”
Para o ex-presidente do CNPq e Acadêmico Glaucius Oliva, esse foi um alerta importante para que se prossiga no sentido de investir em eventos multidisciplinares. “Ficou claro como é fundamental que pesquisadores que estão olhando para o problema da zika sob diferentes aspectos possam, ao tomar conhecimento do que os outros estão fazendo, compartilhar dados, compartilhar informações e, assim, contribuir para que pessoas como o Helder, que tem essa habilidade de lidar com bancos de dados de forma muito ampla, possam detectar correlações que são importantes do ponto de vista aplicado.”