Toda vez em que há uma grande pandemia no mundo, uma pessoa sempre é chamada: Ian Lipkin, especialista da Universidade de Columbia, nos Estados Unidos, e diretor do Centro para Pesquisa, Diagnóstico e Descoberta dos Institutos Nacionais de Saúde dos EUA (NIH, na sigla em inglês). Com uma equipe grande que conta com mais de 150 pesquisadores em vários países, Lipkin foi um dos primeiros cientistas a usar métodos moleculares para pesquisar os vírus e fazer seu sequenciamento, e foi essencial no combate a diversas epidemias, como a da síndrome respiratória aguda grave (SARS), em 2003.

O “caçador de vírus” esteve no Rio de Janeiro em novembro para participar do Simpósio Internacional sobre Zika, realizado pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), Academia Nacional de Medicina (ANM) e Academia Brasileira de Ciências (ABC). Lipkin, que foi consultor científico do filme norte-americano Contágio (2011), sobre um vírus altamente letal que se espalha rapidamente pelo mundo enquanto a comunidade científica tenta encontrar sua cura, falou sobre seu trabalho nessa área.

“Quando falamos da descoberta de patógenos, falamos sobre a conexão do agente infeccioso coma doença, mas agora vimos que existe uma interação muito mais complexa, envolvendo o timing da infecção, e a zika é um exemplo, porque nem todas as grávidas que têm a infecção, por exemplo, têm o filho infectado”, afirmou Lipkin. Ele contou como, nos anos 80, começou a investigar uma nova doença que surgia principalmente entre os homens homossexuais: a AIDS. “Vimos como essa doença era passada aos bebês pelo sangue e tivemos a primeira prova de que se tratava de um agente infeccioso, mas levou dois anos para a compreensão da causa, por causa de questões culturais e burocracia.”

Com técnicas modernas de sequenciamento, mais poderosas e baratas, a equipe de Lipkin caracterizou cerca de 800 vírus entre 2009 e 2016, incluindo ebola, herpes e MERS, a síndrome respiratória do Oriente Médio.

Recentemente, eles descobriram o vírus responsável por uma doença misteriosa que vem matando tilápias, a segunda espécie de peixe mais cultivada no mundo, em Israel e no Equador, desde 2009, com uma taxa de mortalidade que chega a 85%. O novo vírus identificado é o Vírus da Tilápia Lacustre (TiLV, na sigla em inglês), que já causou prejuízos milionários para o setor agrícola. O estudo também estabeleceu a base para o desenvolvimento de uma vacina para proteger os peixes.

Lipikin estima que há pelo menos 320 mil tipos de vírus capazes de infectar mamíferos. Em Nova Iorque, por exemplo, ratos carregam mais de 30 vírus que oferecem riscos para as pessoas, e são o melhor modelo para hepatite C humana. Ele também estudou os carrapatos nas partes mais ricas de Nova Iorque e descobriu que 3/4 estão infectados com um patógeno humano e pelo menos 1/3 tem ao menos dois patógenos humanos. O pesquisador contou, ainda, sobre sua pesquisa que identificou 55 novos vírus em morcegos gigantes de Bangladesh, muitos deles capazes de infectar pessoas. Deles, 90% tinham os critérios de novos vírus. “O impacto econômico desses vírus é muito significativo”, afirmou.

Outro caso de estudo de Lipkin aconteceu na Arábia Saudita, onde ele descobriu que camelos são repositórios do coronavírus, o causador daP MERS. O primeiro caso relatado, em 2012, foi um homem que tinha pneumonia. Ele tinha quatro camelos e quatro casas – uma delas em construção -, para suas quatro esposas. “Disseram que não havia morcegos naquela região, mas o coronavírus tinha sido identificado em morcegos. Descobrimos então que havia de fato muitos morcegos nas ruínas ao redor daquela área. Fizemos análise nos camelos e encontramos a infecção em diversos deles.”
Para fazer esse trabalho, sua equipe teves que montar laboratórios móveis na região da Arábia Saudita. “Quando relatamos nossas descobertas, o governo não gostou. Disseram que 2/3 dos habitantes da Arábia Saudita não têm contato com o camelo. Mas, na verdade, eles têm contato com carne do camelo, carcaça do camelo.”

E, sobre o vírus tema do simpósio internacional, Lipkin alertou para o fato de que a infecção pelo zika em gestantes poder ter consequências que vão além da microcefalia. O pesquisador afirmou que há indícios de que os fetos expostos a esse vírus podem desenvolver transtornos como autismo, esquizofrenia, bipolaridade e déficit de atenção, mesmo em crianças que nasçam sem sinais de problemas. Para isso, continuou, é importante um acompanhamento a longo prazo.